O “Come to Brazil” nunca foi tão real nos últimos anos, onde, para além dos muitos festivais novos que chegaram, estamos tendo um maior fluxo de bandas estreantes no Brasil, tanto entre as “recém-formadas” quanto aquelas com maior tempo de estrada. Um subgênero em específico que foi bem servido este ano foi a galera do New Metal ou Nu Metal, com vindas como a do Slipknot para o Knotfest, recém saídos de sua última passagem em 2022 no mesmo evento, e alguns que já faziam falta, como a vinda do Limp Bizkit no Lollapalooza, músicos que não pisavam em nossas terras havia 8 anos.
Este foi também um ano de estreias, com a vinda do Mudvayne, banda com 28 anos de estrada, em hiato desde 2001 e com retorno em 2021, que fez sua estreia em nossas terras no último 18 de outubro no Knotfest e, neste mês de novembro, menos de um mês depois, tivemos a vinda pela primeira vez das bandas Dope e Static-X, fazendo sua estreia em apresentação única em São Paulo, na Terra SP.
Ambas tradicionais bandas tiveram seu início em 1997 e 1994, respectivamente, angariando uma sólida base de fãs ao longo dos anos ao fazer parte do início de todo um subgênero que teve muita força entre os anos 90 e 2000, sendo boa parte da “geração MTV”. Porém, ainda que contando com um longo sucesso e reconhecimento, assim como o Mudvayne, ambas as bandas ainda não haviam feito sua estreia no Brasil até então.
Mas não é só sua estreia conjunta, o pertencimento a um mesmo subgênero, o início na mesma época e a óbvia amizade entre as bandas que uniram e fizeram esta tour conjunta fazer sentido. Existe um outro elemento-chave que liga a banda Dope ao Static-X em seu mais profundo “core”, mas este é um assunto que iremos desenvolver ao longo desta cobertura. Por ora, vamos iniciar falando sobre o longo dia que foi a quinta-feira de 07 de novembro, o dia escolhido para celebrar este show de estreia em uma bela casa de shows com uma ótima estrutura e, ouso dizer, o melhor mezanino de São Paulo.
Porém, ainda que haja apenas elogios e pontos positivos sobre o local escolhido (tirando, talvez, sua localização para boa parte do público), a escolha da data, somada ao alto fluxo de shows e ao clima extremamente chuvoso, teve um custo até perigoso para este evento, resultando em um único lote que se estendeu até o dia do show e uma tímida fila que só começou a realmente tomar forma poucas horas antes da abertura dos portões, outro ponto negativo devido ao horário escolhido para a sequência das apresentações.
A abertura da casa teve início cinco minutos antes de seu horário programado, às 19h05, mas com um atraso na entrada efetiva do público devido a problemas na leitura do QR code, quando já havia uma leve e proeminente fila no aguardo. À medida que isso começou a ser resolvido, o público vagarosamente ia se posicionando ao longo da grade com entusiasmo e muitos em deslumbre pelo espaço estrutural e realmente bonito do Terra SP.
Com uma espera de aproximadamente uma hora até o início programado para o Dope, às 21h, e a adição de um atraso de mais ou menos 15 minutos, seguido pela intro de seu álbum Blood Money pt I, Confessions of a Felon rolava no sistema de PA anunciando a chegada dos americanos.
Liderados por Edson Dope, único membro fundador remanescente, o tipo de show promovido pelo Dope, ao menos por aqui, era um daqueles em que o que não se tem de artifícios, confetes, fogos e afins é compensado com muita energia, danças, giros, saltos, olhares e carisma. Logo de cara, a imagem do baixista Daniel Fox (que também é o baterista dependendo da época em que você pergunta) chamava a atenção, rodopiando e fazendo caras e bocas que ganhavam o público, assim como o guitarrista Virus que, com toda uma estética industrial ligeiramente Cyberpunk, entre um solo e outro dava saltos e chutes. Mas a figura central e mais antecipada era a do próprio Edson, que, assim como seus outros dois membros, possuía cada uma plataforma à frente dos microfones para garantir aquela elevação, presença e possibilitar saltos e chutes na típica energia do New Metal.
No entanto, ao menos para aqueles à frente, o som não estava dos melhores. Com uma bateria ligeiramente mais alta, em alguns momentos mal se dava para de fato ouvir as notas de Viper, assim como a própria voz de Edson, que, não fossem os poderosos gritos em praticamente todas as músicas, seria quase irreconhecível no meio da cacofonia de barulhos. Porém, o que talvez faltou em possibilidade de som para alguns, era entregue em atitude, entre músicas com refrões mais chicletes e com aquela energia de revolta e inconsequência que era ilustrada no telão, como em Bring it On, onde, a pedido de Dope, todos empunhavam o dedo do meio para cantar o refrão: “What about tomorrow? Fuck, tomorrow”.
Interações simples e precisas ocorreram em diversos momentos, entre alguns “What’s up São Paulo, Brasil!” como antes do início do clássico da banda Debonair. Mas o momento em que o público realmente foi à loucura foi com o Medley Die, Boom, Bang, Burn, trazendo o maior hit da banda (ainda que momentâneo), Die MF Die, música que, certamente, mesmo que houvesse alguém ali que não conhecesse a banda, seria o momento do “Eita, essa eu já ouvi em algum lugar”.
Fechando com chave de ouro, de forma leve e sem se levar a sério — a fórmula mágica para uma boa diversão —, a banda trouxe ainda sua versão cover de You Spin Me Round (Like a Record), homônima música do Dead or Alive, fechando a curta apresentação que girou em torno de 40 minutos. Pouco, sim, mas, a se considerar o horário, a banda como abertura e a própria vontade de assistir ao Static-X, julgaria que foi na medida e um ótimo aquecimento, não fosse outro fator decisivo que vamos abordar agora (lembra que disse que iríamos desenvolver o elemento-chave que une ambas as bandas?).
Antes de sequer iniciar a falar sobre como foi o show do Static-X, é importante abordar um tema: a atual tour em que se encontram desde 2019 com uma nova formação após o falecimento do líder, Wayne Static. Marcado por altos e baixos, o Static-X viu seu fim em 2012 após desentendimentos entre Static e seus outros membros. Dizem os burburinhos que boa parte destes desentendimentos se davam em decorrência de um prolongado e constante abuso de substâncias do próprio Wayne, que lhe tomou a vida em 2014, mal lhe concedendo tempo de reformular a banda como originalmente pensado.
O fim trágico promoveu uma profunda ferida não só nos fãs, mas na banda, devido a um prematuro fim sem possibilidade de reconciliação, resultando, em 2019, na reunião dos membros originais (com a bênção dos familiares de Wayne) para o lançamento do Project ReGeneration, conteúdos nunca antes publicados, com gravações do próprio Wayne Static. Comemorando também na época o aniversário de 20 anos de Wisconsin Death Trip, a banda iniciou algumas performances com um misterioso e polêmico integrante de nome Xer0, um robô que esteticamente se assemelha ao próprio Wayne Static, dando um tom macabro que divide opiniões e até gera a impressão de um “zumbi” estar no palco. Segundo Tony Campos, baixista da banda, esta é a mais alta forma de celebrar Wayne Static. Em entrevistas, ele já comentou que o tom de humor “macabro” seria levado com muita graça pelo ex-companheiro, com quem dividiu o legado formado por tantos anos.
Mas, independentemente das opiniões, é fato que o público aceitou muito bem esse retorno com sua “nova” formação, especialmente pelo tom de tributo diferente, que traz ainda diversas interações e artifícios na presença de um robô que bizarramente consegue emular com perfeição a voz de Wayne Static.
Com o contexto semi-entregue, é hora de relatar o início, com atraso, do show, onde por volta das 22h15 Walk, do Pantera, começou a tocar na íntegra, seguida de Time Warp, música de Richard O’Brian. Em seguida, tivemos a intro no telão de Evil Disco, nome dado ao longo dos anos à performance e ao conceito do Static-X: uma mistura de Metal Industrial com batidas dançantes e elementos eletrônicos. Fazendo sua entrada triunfal, os membros originais do Static-X apenas observaram os fãs indo à loucura, enquanto os olhos vermelhos-laser de nosso robô-zumbi faziam sua entrada, posicionando-se ao centro e iniciando com sua fala “What’s up São Paulo, Brasil!”.
Sim, se você esteve atento até este momento, estas são as exatas falas de Edson Dope, vocalista do Dope e vocalista e guitarrista do Static-X, figura que esteve presente nos anos de estrada e de vida de Wayne Static, sendo um amigo pessoal da banda e a melhor pessoa indicada para continuar a homenagem e o legado. A passagem de bastão (independentemente das dúvidas que possam surgir) é o que também justifica o fato de nos últimos anos, onde quer que o Static-X esteja, o Dope também esteja, assim como o motivo de ambos os shows serem curtos: na realidade, temos um só vocalista performando em dobro.
Explicações dadas, era hora de curtir pela primeira vez um grande show que, já em Hollow, mostrava não só toda a potência vocal de Xer0, mas para a alegria de muitos, também sinalizava a melhora do som para aquele show, já propiciando o giro de corpos entre aqueles que não iriam descansar nem uma música e só queriam sentir seus corpos se chocando uns aos outros.
Trazendo uma energia fora de série, o Static-X promoveu, ao longo de sua 1 hora de show, uma experiência única que fazia os olhos dançarem de um lado para o outro, fosse na presença imponente de Tony Campos (baixo), entre socos no baixo e danças e gingados, com um carisma absurdo, sempre caçando um fã para interagir com o olhar, com o sorriso barbado ou até acenando e mostrando sua felicidade; fosse ao próprio Koichi Fukuda (guitarra), que corria de um lado para o outro, pulando nas plataformas e sempre com os olhos atentos para cantar junto ao público; fosse a Ken Jay, na bateria, que, apesar de distante, certamente compensava com batidas que te faziam duvidar quem era o real robô presente; e, claro, à figura “misteriosa” e enigmática do próprio Xer0, que, apesar de zero (badumtss) mistérios, conseguia, sim, encarnar um personagem que destoava da performance do próprio Dope e entregava uma outra energia, rodopiando, aterrorizando e energizando o público através de sua voz e linhas de guitarra.
Os pontos altos vão para Terminator Oscillator, que contou ainda com a participação do próprio Daniel Fox, baixista-baterista do Dope, na figura fantasiada de um mascote que carrega na cabeça o símbolo da banda, e para músicas como Black and White e Zombie, que, assim como na apresentação do Dope, tinham refrões chicletes que apareciam na tela e éramos convidados a replicar ao longo das apresentações.
Com uma predominância maior do álbum Wisconsin Death Trip, o público foi à loucura ao longo do show, com destaque para a sequência de I Am e, talvez, o ponto alto da noite, com Cold, em uma versão estendida trazendo o rosto de Wayne Static em loop como se “cantasse” junto à música com uma voz surreal de Xer0, que o emulava em uma precisão absurda, fazendo deste um momento tanto nostálgico quanto emocionante.
Para afastar a tristeza e recalibrar a dose de energia, tivemos ainda I’m With Stupid, com direito a balões infláveis com o logo da banda sendo jogados e saltando de um lado para o outro, enquanto o público mesclava entre saltos e rodas, circulando entre chutes e pontapés na parte de trás. Com uma pausa para respiro, a banda retornou para seu encore, com, é claro, uma longa e boa introdução feita por Tony Campos, que mostrou novamente todo o carisma, celebração e alegria de tornar real a vinda do Static-X para o Brasil.
Fechando com chave de ouro, tivemos Push It, outro grande clássico e hino da banda que não poderia deixar de faltar, para a alegria dos presentes, que deram o último gás e entregaram tudo de si, assim como a própria banda fazia, ainda que fosse visível alguns problemas técnicos sofridos por Xer0 ao longo da performance, em aparente problema em seu retorno.
Não foi dessa vez que os fãs de Need for Speed puderam se saciar com The Only, mas, certamente, a primeira passagem do Static-X pelo Brasil foi marcada por emocionantes e eletrizantes momentos, que, pela curta duração, deixam o gostinho de quero mais, especialmente sabendo que a produção do show lá fora costuma ser maior e com mais artifícios do que os apresentados por aqui.
As incertezas sobre um possível retorno ficam, principalmente pela casa vazia apresentada para nós, que nem de longe deveria ter metade de sua ocupação, infelizmente, mas que certamente foi compensada em outros níveis pela entrega do público a uma banda que consagrou o dia como um dos melhores do ano.
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Setlist Dope
Intro: Confessions of a Felon (do sistema de PA)
1. Blood Money
2. Bring It On
3. Bitch
4. Debonaire
5. Die, Boom, Bang, Burn
6. You Spin Me Round (Like a Record) – Dead or Alive cover
Setlist Static-X
Walk – Pantera (pelo sistema de PA)
Time Warp – Richard O’Brien (pelo sistema de PA)
Evil Disco – Intro vídeo
1. Hollow
2. Terminator Oscillator
3. Love Dump
4. Sweat of the Bud
5. Wisconsin Death Trip
6. Fix
7. Bled for Days
8. Black and White
9. Z0mbie (Intro estendida)
Bien Venidos (pelo sistema de PA)
10. Get to the Gone
11. I Am
12. Cold (versão estendida em homenagem a Wayne Static)
13. I’m With Stupid
Encore:
14. Push It
Machine (pelo sistema de PA)