O Linkin Park é uma daquelas fatídicas bandas onde o frontman se sobressaí mil vezes mais do que o integrante, cuja mente criativa rege e norteia a obra do grupo. Se a voz de Layne Stanley, por exemplo, era a força motriz que caracterizava e trazia identidade a poesia grunge de Jerry Cantrell no Alice in Chains, o mesmo ocorre com o também saudoso Chester Bennington e as letras de Mike Shinoda.

E ter forças para se levantar após a partida trágica de um membro tão singular dentro de uma banda, ainda mais se tratando de vozes tão únicas, realmente não é tarefa fácil. Mas se por um lado, deu certo para o Alice in Chains que dominou os anos 90, ficando de lado apenas pelo fenômeno Nirvana, será que o mesmo ocorrerá com um dos maiores expoentes dos anos 2000 agora com a presença da estreante Emily Armstrong?

É o que veremos nos parágrafos a seguir, começando do zero…

O disco começa com uma introdução que funciona como uma espécie de chamada de take antes do início da filmagem de uma cena em um filme com From Zero. Rapidamente somos arremessados na já icônica The Emptiness Machine, uma faixa que mesmo os menos familiarizados com a sonoridade do Linkin Park conseguem facilmente identificar as características inerentes da identidade da banda, com um plus de texturas diferentes proporcionadas pela nova voz em voga.

Na sequência, Cut The Bridge é pulsante e um verdadeiro grito de guerra contra os sentimentos ruins e a autossabotagem que assola a sociedade no cotidiano.

Heavy is The Crow fora a segunda amostra de From Zero, abordando o peso, as responsabilidades e as consequências de nossas próprias escolhas. A música foi divulgada já sendo oficializada como tema do torneio mundial do Jogo League of Legends, o LOL para os íntimos.

A frustação e a falha de comunicação em um relacionamento são a tônica para a fortemente radiofônica Over Each Other. E se os fãs mais conservadores já achavam que a escolha de Armstrong fora por pura e gratuita “lacração”, vão arrancar os cabelos ao verem o videoclipe da faixa.

E se alguém duvidada do peso nas novas composições do Linkin Park e ainda não se convenceu com o que ouviu até aqui, sem sombra de dúvidas isso cairá por terra logo nos primeiros segundos de Casualty. Aqui o desejo de se libertar de uma situação, ou mesmo de um relacionamento tóxico é a força que compõem os urros de uma das melhores faixas do trabalho.

Overflow traz maior evidência as icônicas passagens de piano, remetendo bem rapidamente a clássicos como In The End, por exemplo. Mas confesso que embora a faixa tenha um bom refrão, o flerte com algo mais modernoso, que pelo menos para este que vos escreve soou como algo meio Trap, se distanciou bastante do meu gosto pessoal, mas pode ser uma tentativa de Shinoda e companhia de angariar novos ouvintes para a banda.

Mas tudo volta aos conformes com a chegada de Two Faced, com um riff para lá de cativante e pesado. A letra aborda as múltiplas facetas e personalidades que muitas vezes temos de adotar, adaptando-as para distintas situações.

Stained traz uma ambientação eletrônica soturna inicial quase remetente a Nine Inch Nails, mas a música vai ficando mais adocicada com a chegada dos vocais pops de Emily Armstrong, que crava o posto de faixa mais chiclete do disco, o que em momento algum chega a ser um demérito.

IGYEIH (sigla para I Gave You Everything I Have) é mais um grito de indignação com a decepção de se doar em um relacionamento e ser correspondido com dor e traição. Essa com certeza é uma das músicas que mais conseguem transmitir o espírito do velho grupo que cativou toda uma geração com o Hybrid Theory em 2000.

Good Things Go é uma quase balada que aborda toda uma tempestade de conflitos emocionais e psicológicos trazendo um fim belo e ao mesmo tempo melancólico para o oitavo álbum da discografia do Linkin Park.

Lançado oficialmente em 15 de novembro de 2024 pela Warner Records e Machine Shop Recordings, From Zero é o primeiro trabalho lançado pelo Linkin Park desde One More Light de 2017. A produção do disco ficou à cargo de Mike Shinoda, o guitarrista Brad Delson que embora tenha trabalhado no disco, decidiu não excursionar com a banda, mas mantém o trabalho com o grupo nos bastidores e Collin Brittain, baterista que substitui o membro fundador Rob Bourdon. Ainda presentes estão os veteranos Dave “Phoenix” Farrell no contrabaixo e o DJ Joe Han.

O título do disco além de evocar o sentimento de recomeço para a banda, também faz menção ao nome embrionário do projeto que viria a se tornar o Linkin Park, Xero.

Para anunciar o início da nova era, todo um clima de mistério fora montado pela banda, com direito a contagens regressivas sem contexto algum ou explicações durante o mês de agosto pelas redes sociais. Quando zerada, uma mensagem foi revelada ao público “É apenas uma questão de tempo”.

Assim no dia 05 de setembro, o Linkin Park subia aos palcos novamente na cidade de Los Angeles em um evento de cinco horas de duração exclusivo para o maior fã clube dedicado a banda, o Linkin Park Underground. O evento também fora transmitido mundialmente pelo Youtube. Além da apresentação de Emily Armstrong como a nova vocalista, já interpretando os clássicos que se consagraram na voz de Chester Bennington, Shinoda anunciou a chegada de um novo trabalho e The Emptiness Machine fora tocada ao vivo pela primeira vez.

Ao final, o público ficou dividido e inúmeras comparações foram feitas. E o fato de Armstrong já ter sido membro da Cientologia e ter sido testemunha de defesa a favor de um acusado de abuso sexual, só causaram mais burburinho internet à fora. Mas a banda parece que tirou isso de letra e segue firme e forte excursionando pelo mundo com a From Zero World Tour, que passa exatamente na data de lançamento do novo disco pelo Brasil, em São Paulo no Allianz Parque. Apresentação essa que será transmitida pelo canal Multishow a partir das 20h30.

Confesso que lá no ensino médio, quando o Linkin Park fora uma verdadeira febre, com direito a muitos de meus colegas de classe possuírem um caderno com a banda estampando a capa, não me interessei muito. Talvez a mescla do rap e o eletrônico foram os fatores predominantes para meu afastamento. Mas devido à alta popularidade do grupo, faixas icônicas como Numb, Crawling, Somewhere I Belong e Shadow of The Day acabaram chegando até mim de uma forma ou de outra. Até mesmo porque estávamos no auge do mp3 e quem não possuía o aparelhinho, vivia em lan houses queimando diversos cds com várias faixas das bandas e artistas em alta da época.

Contudo não ignoro a importância e o peso que Shinoda e companhia tem por mérito, e de fato, a morte de uma figura tão carismática como a de Bennington pegou até mesmo aqueles que não davam tanta importância para o Linkin Park de surpresa.

Tendo todo esse background como base, o retorno da banda causou grande repercussão entre os fãs de longa data e ao menos curiosidade para quem via o grupo de longe, como fora o meu caso.

Assim From Zero, não será um disco que irá majoritariamente trazer um novo público para a banda. Não me entenda mal amigo leitor, o disco é excelente e carrega grande parte do legado sonoro do Linkin Park, remetendo especialmente aos trabalhos primordiais que catapultaram o grupo para o sucesso, vide Hybrid Theory e Meteora, exemplo.

Armstrong traz um fator de novidade ao grupo, porém, sempre proporcionando alguma nuance vocálica que remete ao velho Chester (inclusive com o advento da Inteligência Artificial, muitas das novas composições já possuem uma versão com os “vocais” de Bennington) , mas tudo isso de forma original e para lá de competente, uma vez que a vocalista transita muito bem entre momentos de melodia e guturais rasgados, que pelo menos para mim, não traz nenhuma dúvida quanto a assertividade de Shinoda ao selecioná-la para banda.

Mas levando em consideração toda a podridão sonora que o mercado fonográfico se encontra chafurdado, acho difícil para uma banda, mesmo sendo o Linkin Park, alçar voos maiores do que aqueles destinados aos já convertidos. Mas é sempre satisfatório ver os grandes medalhões do passado voltarem a ativa e ainda mais com ótimos trabalhos como é o caso de From Zero.

Pelo menos sempre haverá o fator curiosidade que poderá, ou não, angariar novos ouvintes para a obra da banda, seja pela comparação com que a mesma um dia fora, ou mesmo, para apreciar o que a nova fase tende a oferecer.

Tracklist
1-From Zero
2-The Emptiness Machine
3-Cut The Bridge
4-Heavy Is The Crow
5-Over Each Other
6-Casualty
7-Overflow
8-Two Faced
9-Stained
10-IGYEIH
11-Good Things Go

 

Nascido no interior de São Paulo, jornalista e antigo vocalista da Sacramentia. Autor do livro O Teatro Mágico - O Tudo É Uma Coisa Só. Fanático por biografias,colecionismo e Palmeiras.