O último dia 07 de junho serviu como palco para um dos encontros mais profanos do bate-cabeça extremo. Mediado pela LBN Agency e escolhendo o pico do La Iglesia, já reconhecido ponto da resistência underground das noites paulistas, tivemos à nossa disposição quatro bandas de diferentes espaços com a meta de espantar o frio e impactar os presentes entre guturais, riffs e muito pedal duplo.

Crucifixon BR | Death Metal | São Paulo/SP

Este foi o caso com o Crucifixion BR, banda de blackened death metal que desde 96 vem trazendo o puro caos. Retornando após um hiato, Maxx Guterres (vocal/guitarra), apesar da fala reforçando a possível “ferrugem dos palcos”, certamente o disse em certa modéstia, pois a bateção frenética que se sucedeu ao longo do setlist, se houvesse quaisquer partículas de poeira sob seus mantos, estas estariam levantando completo voo, fosse nas rápidas palhetadas de Maxx, quanto no marcante baixo de Julian Richard ou nas pedaladas frenéticas e massivas de Juliana Dark Moon, que definitivamente roubou a atenção de todos a cada nova macetada que esta desferia contra seu instrumento.

Créditos: Thalita Delgado

Passando por seus álbuns de estúdio, tanto Destroying the Fucking Disciples of Christ quanto Human Decay, fomos levados à essência da banda que, dentre suas músicas, parecem trazer alguns temperos diversos, ora indo para um thrash mais frenético, ora trazendo algumas batidas à la Sepultura, que inclusive rendeu posteriormente um belo cover de Arise/Dead Embryonic Cells, que resultava no coro do público, assim como uma versão de Bomber, do eterno Motörhead, em uma versão totalmente death metal frenética.

Nesse quesito de surpresa, a banda puxou ainda From Hell I Rise, faixa a ser lançada como single, tocada como uma inédita ao público que, diga-se de passagem, apesar de levemente acanhado, parecia apreciar o ritmo frenético da banda que traz um mix interessante entre velocidade e o contraste dos guturais graves de Maxx, que parecem um poço de piche do profundo ermo infernal.

Créditos: Thalita Delgado

Dando um saravá, fosse na poeira, no frio ou no próprio público, o retorno do Crucifixion BR foi um celebrado entre palmas, mas talvez não mais do que pelo próprio trio frente àquele momento. Salvo talvez alguns pequenos detalhes ao longo da apresentação, onde o som do baixo parecia se sobressair à guitarra, mas nada que estragasse a experiência de uma noite que parecia promissora  e estava apenas começando.

Formação: Juliana Dark Moon (bateria), Maxx Guterres (voz, guitarra), Julian Richard (baixo)

Demophobia | Thrash/Crossover | São Paulo/SP

Na sequência, mantendo o frenesi, mas dando um completo giro de 180º, chegava o Demophobia, banda paulista de crossover thrash, que com os dois pés no peito mostrava para o que tinha ido. Riffs rápidos, solos metalizados e aquela bateria cadenciada que pede por um mosh (uma pena que este não se concretizou). Acompanhado pelas variações entre os guturais e gritos de Rafael Vieira nos vocais, ficar com a cabeça parada era basicamente uma missão impossível (e longe de ser desejada).

Créditos: Thalita Delgado

Com letras em português e um viés político e social declarado, inclusive reforçando o posicionamento antifascista da banda, com muita atitude deram um show sonoro e político, daqueles que te fazem sorrir e vibrar, ao mesmo tempo que internamente estará se questionando e se revoltando pelos temas e questões abordadas.

Formada em 2018 e vinda do ABC Paulista, a banda apresentou em seu setlist músicas que variaram desde seu EP debut, Moinhos de Gastar Gente, a singles como O Chamado, Sem Tempo e músicas de seu primeiro álbum, Perversidade e Violência. De lembranças à greve dos metalúrgicos dos anos 80 a críticas à elite e consternação à sociedade atual, o som cortante (em todos os sentidos), feito por João Medeiros no baixo, Arthur Henrique na bateria e Paulo Vitor nas guitarras, é extremamente propício ao nome da banda, que, do grego, significa “medo ou aversão a multidões ou a grandes grupos de pessoas”, uma interessante simbologia onde a banda se torna o próprio baluarte ao medo que deve ser sentido pela elite através da fúria e da revolta presente a cada batida e verso.

Créditos: Thalita Delgado

Com direito ainda a um cover (comentado por Rafael, aos risos, por não ter sido combinado com o pessoal do Crucifixion BR), de Refuse/Resist, do Sepultura, a banda trouxe uma verdadeira aula de história na forma do bate-cabeça saudado pelos presentes do começo ao fim.

Formação: João (baixo), Arthur (bateria), Paulo (guitarra), Rafael (voz)

Orthostat | Death Metal | Jaraguá do Sul/SC

E se falando ainda sobre aulas, mas agora não mais de história, em outro giro de 180º, o quarteto de Jaraguá do Sul – SC, do Orthostat, entrava para proferir blasfêmias cósmicas. Na estrada desde 2015, a banda soa como um mix de alguns elementos que se combinam perfeitamente: de um virtuosismo nos solos a riffs mais frenéticos e cadenciados, lembrando um black metal; a compassos e muita técnica na bateria, mas tudo se centrando em um death metal que traz, na voz de David Lago (responsável também por uma das guitarras), um vocal baixo, baixo como se houvesse uma bifurcação em uma caverna escura que proferisse palavras inomináveis a quem vem.

Créditos: Thalita Delgado

Uma verdadeira britadeira sonora que, apesar do som, traz em seus temas todo o terror cósmico na forma da física e química do universo em títulos como The Heat Death (of the Universe), Nothingness, Entropy, Hydrogen, dentre outros, que compõem seu álbum The Heat Death, mas com músicas também de seu debut, Monolith of Time.

Com Eduardo Rochinski no baixo, Rudolph Hille na guitarra, Igor Thomaz na bateria e David, a banda trazia em seu som um peso técnico, brutal e aterrorizante que simplesmente tornava impossível manter o corpo parado. Principalmente nas falas de David, que reforçavam não só a amizade entre a banda e a Demophobia, mas também a bandeira de resistência antifascista e o veio político da banda, que — mediante a fala “P#u no c* do Bolsonaro, quem não bater cabeça é conservador nessa porr#” — julgo que até mesmo para um conservador que torceria o nariz ao ouvir tal insulto, seria difícil se conter ao bate-cabeça.

Créditos: Thalita Delgado

Toda a presença, peso e sonoridade marcante da banda também faziam um interessante contraste à voz limpa, professoral até, de David, que entre as músicas sempre dava um contexto, uma explicação que mais parecia uma aula, antes de toda a brutalidade se instaurar pelo La Iglesia, que a esta altura já estava bem mais cheio, entre os corpos que iam se movimentando naquele sentido de pêndulo e produzindo calor suficiente para eliminar qualquer possibilidade de frio.

Formação: David Lago (voz e guitarra), Rudolph Hille (guitarra), Eduardo Arbigaus (baixo), Igor Thomaz (bateria)

Infamous Glory | Death Metal | São Paulo/SP

E para fechar a noite com chave de sacrilégio, uma última aula se faria presente, mas não daquelas cujos temas são expostos em sala de aula. Isso porque, chegando com toda a brutalidade do death metal em sua essência, o Infamous Glory, banda na ativa desde 99, chegava com muito peso, ritmo e, curiosamente, bom humor.

Créditos: Thalita Delgado

Com carisma para dar e vender, Kexo nas guitarras e vocal de apoio, Gustavo Piza na bateria, Coroner no vocal, Tonhão nos baixos e André Neil na guitarra, trouxeram uma paulada atrás da outra, de The House That Flesh Built até o debut nos palcos de When Life Ceases to Be, Corpse Fauna, Death Metal Terror, dentre outras que passaram pelas mais de duas décadas entre guturais cavernosos, fritação nas guitarras e aquela batida frenética na bateria que parece um soco direto na mente. Algo visível através das pessoas que se sacudiam de um lado para o outro, se deixando levar pelos riffs rápidos que pouco a pouco iam conduzindo e dando peso a cada música.

Entre elas, sempre alguma piada e brincadeira, fosse entre a própria banda ou com o público, com “Eu quero ver quem aqui vai ter coragem de comprar o nosso vinil”, em menção ao lançamento da prensagem de Algor Mortis, potente nome que nada mais é que o termo técnico para quando o corpo vai perdendo temperatura após a morte, elemento belamente retratado na capa do álbum em contrastes do azul com o amarelo no logo da banda.

Créditos: Thalita Delgado

Uma coisa permaneceu clara do início ao fim do transe mortífero propagado pelo Infamous Glory: aquele era um dia de diversão, de celebração e de muito metal para encerrar uma noite do metal extremo underground, do qual a estes era incumbida a missão apropriada de cerrar os túmulos festivos.

Em uma noite que propagou do death metal mais técnico ao misturado com elementos do black, ao mais clássico, com direito àqueles “urgh” vociferados antes dos riffs tomarem conta, à célebre surpresa do crossover, o underground exala vitalidade, competência e qualidade, entre quatro distintas bandas que se uniram para invocar toda a agressividade que o momento pedia e expurgar todos os sentimentos ruins de um público que saía do La Iglesia completamente entorpecido pela sonoridade brutal.

Formação: Kexo (guitarra), Guistavo Piza (bateria), Tonhão (voz), André Neil (guitarra)

Setlist Crucifixion BR

  1. Intro
  2. Human Decay
  3. Chaos of Morality
  4. Soul’s Rupture
  5. Annihilation and Victory
  6. A Few Lies of Your Whole Light
  7. War Against Christian Souls
  8. Crucifixion
  9. From Hell I Rise
  10. Bomber (Motorhead cover)
  11. Arise / Dead Embryonic Cells (Sepultura cover)
  12. Bloody Fire Victory

Setlist Demophobia

  1. Info
  2. Hackearam
  3. Novo Pacto
  4. O Chamado
  5. Bastilha
  6. Perversidade
  7. Nunca Se Renda
  8. Sem Tempo
  9. Paralelo
  10. Refuse/Resist (Sepultura cover)
  11. Ficção

Setlist Orthostat

  1. Intro
  2. The Heat Death (of the Universe)
  3. Nothingness
  4. Entropy
  5. Hydrogen
  6. Qetesh
  7. Gravity
  8. Chemistry
  9. Ambaxtoi

Setlist Infamous Glory

  1. The House That Flesh Built
  2. When Life Ceases To Be
  3. Corpse Fauna
  4. Death Metal Terror
  5. Sovereign Of Darkness
  6. Praising Insanity
  7. Infestation
  8. In the Cold Mist of Death