Verão de 1998. Encontrei um CD com diversas pérolas do Rock em formato MP3. No more Tears, de Ozzy Osbourne, e Wasting Love, do Iron Maiden, e até Fake plastic Trees, do Radiohead. Eu não tinha acesso a internet, ou a MTV, VH1 ou amigos com pilhas de CDs importados. Tudo que eu tinha era aquele CD, um PC 486 e um aplicativo chamado Winamp. Assim que eu ouvi os primeiros acordes de Arise, tudo fez sentido. Era impensável pra mim, na minha cabeça de adolescente, que música naquela velocidade, com aquele vocal animalesco poderia ser apreciada e muito menos vendida.

Claro que eu já havia ouvido falar em Sepultura. Alguns malucos de Minas Gerais que faziam “Rock Pauleira”. O que ninguém me contou, era que ali estava a resposta pra pergunta que eu sempre fiz, e nunca obtive resposta: Por que a maioria das músicas fala de amor? Mas o Sepultura não era sobre isso! Não poderia ser, acreditei! E a segunda faixa presente ali, também era incrível, Orgasmatron, essa talvez falasse de algo próximo ao amor, mas minha compreensão limitada de inglês jamais me permitiria ir além do refrão. Ali tudo começou. Querendo ou não, meu amor pela minha banda favorita começou naquela tarde quente de verão, enquanto explorava arquivos perdidos de um CD que até hoje não sei de quem veio. Destino.

Maio de 2025. Diante de um telão imenso, com o brilhante logo do Sepultura, celebrando 40 anos, a nostalgia dá seus primeiros sinais. Ouvimos o fantástico dedilhado de Beneath the Remains, e sou inundado por memórias da minha vida aos 17 anos aprendendo a tocar guitarra, com um violão empenado; quando eu e mais três amigos montamos nossa primeira banda de metal; onde metade do setlist era cover de Sepultura (a outra metade era cópia); a minha segunda tatuagem, o famoso logo do “S”; a fase do “Capacete”, quando deixei o cabelo crescer (esse que infelizmente não me acompanha mais hoje), e até a banda cover (adivinha de qual banda?) que eu montei com a desculpa de “tenho que aprender a cantar, pois não acho vocalista”.

Fotos por: Allan Preisler

Começar um show com a trinca Beneath the Remains/Inner Self e Desperate Cry foi sacanagem, mas o show estava apenas no início. É impensável que essa banda, com esses músicos que tocam tão bem, com tanta garra e força estão em sua turnê de despedida. É nítido que eles estão ali de corpo e alma, dando seu melhor. Seja tocando músicas “novas” como Means to an End, Kairos e Phantom Self, ou na sequência de Refuse/Resist e Territory, que deixou as roda ainda mais divertida. Divertida sim, pois tivemos um concurso de dança entre uma banana gigante e o Venom.

Imagino a confusão de Andreas Kisser tocando o dedilhado da bela Guardians of Earth, ouvindo os Gritos de “ba-na-na, ba-na-na” vindos do público. É realmente um privilégio ter assistido todos os 4 grandes bateristas que tiveram e difícil tarefa de dar o ritmo do Sepultura. Cada um impôs seu estilo, e com Greyson Nekrutman, não foi diferente. Muitas viradas de bumbo, um estilo bastante diversificado, com influências de vários ritmos e estilos, pegadas diferentes de baquetas e carisma de sobra, fazem qualquer fã de metal entender o grande futuro que o jovem tem pela frente.

Paulo JR é basicamente um monolito do metal nacional, e no seu canto, tocando de forma mais tímida, consegue, mais uma vez, fazer o que sempre fez. Seu papel muito bem feito, preenchendo os espaços que a guitarra de Andreas Kisser abre os momentos de solos. Solos esses que sempre foram muito bem construídos. Cada fase do Sepultura muito bem representada pela evolução de seu peculiar estilo de fazer música. A voz de Derrick Green continua impecável, e em momentos como em Agony of Defeat, brilha como nunca antes. Fico curioso sobre o que ele pode fazer após o fim da banda.

Enfim, Arise! Sem dúvida o momento mais “violento” da roda. Pra mim, o mais emocionante também. Cantar aos gritos cada estrofe dessa música que já faz parte da minha vida a quase 30 anos foi inesquecível. Ao encontrar um amigo, curtimos juntos, e ao final, ele faz cair todas a ficha com o seguinte desabafo: “Não acredito que essa é a última vez que vou ouvir isso ao vivo”. Após algumas frases de negação, cada um segue seu rumo, pois a banda se recolhia para o falso fim do show. Mas a frase do meu amigo e colega de redação, Harley, seguia ecoando na minha mente. A banda retorna para o Bis, Ratamahata, e fez interromper meu luto momentaneamente, pois quem conhece sabe: “Sepultura do Brasil, 1, 2, 3, 4”. Roots Bloody Roots, talvez a música que eu mais toquei na vida. Peguei a minha esposa pela mão, e puxei ela pra roda final do show. Do último show. Então eu concordo com o amigo Harley. Não acredito que não vou mais ver isso ao vivo…

Ainda em 1998, o jovem Gregor se perguntava por que a maioria das músicas eram sobre amor. Hoje, aos 40 anos posso afirmar que, por mais pesada, barulhenta ou apocalíptica que sejam, todas as músicas são sobre amor. Não necessariamente o amor romântico, como nos filmes que passavam na sessão da tarde, mas sobre amor à vida, sobre aproveitar o momento. Celebrar a vida através da morte de uma banda, “sepultando” o que foi feito, agradecendo aos momentos que passamos, amigos e aprendizados. Obrigado Sepultura, e vida longa, por mais contraditório que isso seja.