Todas as fotos por Leonardo Martinello. Mais fotos em seu Flickr.
Existem momentos da vida que custamos para acreditar. Acho que se você mora em uma região composta por cidades de, no máximo, médio porte, poderá me entender. Quando há alguns tempos atrás alávamos em ver o Sepultura em nossa região, parecia algo utópico, considerando a grandeza e bagagem da banda de tocar em lugares enormes e para milhares de pessoas. Mas este mês, no dia 15, aconteceu o que parecia impossível. O Sepultura, de incontáveis clássicos na cena internacional do Metal, marcou presença na cidade de Içara, dona de uma população que beira os 60 mil e é vizinha de Criciúma, um dos pólos econômicos da região sul de Santa Catarina. E se deu certo essa ideia? Deu muito certo.


Com 700 ingressos postos a venda e de fato esgotados, o Colher de Chá transbordou. A casa, que tem uma estrutura muito bem elaborada e diferente das outras que já conheci, tem um espaço que recebeu bem a todos. Tenho minhas dúvidas se cabiam todos ali dentro, mas acho que ficou bem dividido entre quem realmente queria curtir o show e quem prefere ficar mais afastado dos empurra-empurra das rodas ou dos cabelos avoaçantes jogando suor na sua cara. Isso já começou a ficar nítido no show que abriu a noite, com a banda de hardcore Enemy. Apresentando músicas autorais e alguns covers, a banda fez um show bem intimista, ali, no meio do público mesmo. Sim, as bandas de abertura tiveram seu equipamento montado no nível do público, pois o palco estava sendo preparado para o Sepultura. Se elas acharam ruim? Nem um pouco. Característica típica do gênero, Enemy não se acanhou e fez uma boa apresentação para o ansioso público de Içara, que começou a esquentar o corpo nas primeiras rodas durante os acordes acelerados da banda.


Seguido dela, Nekrós veio para começar a trazer algo mais próximo do que o público geral aguardava: Metal. Também apresentando autorais e covers, a banda mostrou um som técnico e de qualidade, e já contaram com um público maior, que parecia decidido a ir garantindo logo um bom lugar para o show principal. Com a atenção ganha, a banda arriscou homenagens a Megadeth e Metallica, com “Symphony of Destruction” no meio do show e uma bela execução de “…And Justice For All” para encerrar. Duas bandas novas para mim, que foram extremamente competentes na missão que lhe foram dada, aqueceram como podiam o público para o gigante que estava por vir.

A cada minuto que passava, o público parecia que ia sentindo uma presença tomando conta aos poucos do local, e com isso foram naturalmente incentivados a começar a gritar pelo nome da banda, na expectativa de algum retorno, que veio por meio de Eduardo Pisca, produtor responsável por essa mini-turnê da banda pelo sul do Brasil. Ele subiu ao palco para instigar ainda mais os gritos do público, para em seguida enfim anunciar o começo do show do Sepultura.



As “tropas do fim” deram início a uma apresentação impecável da banda. Um set list de mais de vinte músicas não me permite querer alterar sequer uma música. Os maiores clássicos do Sepultura foram executados com a grandeza que a banda tem. Muitos ainda se questionam a respeito da qualidade da formação atual, mas quem foi a esse show com certeza voltou sabendo que Derrick Green e Eloy Casagrande dão muita conta do recado. O vocalista demonstrou uma presença de palco grandiosa, além de um carisma incrível. Interagindo bastante com o público, Derrick se mostrou um vocalista monstruoso ao vivo. A mescla entre os clássicos da Era Max e as pedradas mais recentes da banda com sua presença nos vocais ficou perfeita desde o começo com “Troops of Doom” e “Kairos”.

Entre um clássico e outro, a banda se mostrou bem unida em palco, puxando jams para entreter o público, inclusive com uma hilária tentativa de Derrik em cantar “The Eye of the Tiger”. Eram nessas horas que a “Sepulnation” parava os quase incessantes mosh pits, que iam do começo ao fim das músicas mais rápidas da banda, como “Convicted in Life”, “Attitude”, “Arise”, “Refuse/Resist” e também na execução do clássico cover da clássica “Polícia”, dos Titãs.



De quebra, não bastando o set list impecável, a banda ainda anunciou que um novo álbum será lançado ano que vem (a data foi confirmada na sexta-feira: dia 13 de janeiro sairá “Machine Messiah”). Andreas Kisser, após revelar isso, disse que a banda iria tocar uma música do vindouro álbum ainda naquela noite. A promessa de Kisser não demorou muito para se cumprir, e veio em forma de “I Am The Enemy”, uma novidade violenta, rápida e pesada, abusando do potencial principalmente de Derrick e Eloy, que parece estar cada dia mais impressionante atrás de seu kit. O jovem baterista está em constante evolução e coloca toda sua fibra em suas baquetas e esmurra os ouvidos dos presentes em todas as músicas.


O público catarinense correspondia a altura da banda. Os headbangers que marcaram presença no Colher de Chá quiseram deixar uma boa impressão e deixaram. Cantaram juntos, bangearam e fizeram rodas a toda hora. Estavam felizes e extasiados em ver o gigante do Metal brasileiro estar ali, na frente deles executando clássicos que marcaram a vida de muitos por ali. Mas é claro que o momento mais esperado era de duas músicas do agora vintão “Roots”. Após ser pedida durante toda a noite, “Ratamahatta” deu as caras e deixou o Sepultura nos 45 do segundo tempo.


Era hora da última, a única que faltava após mais de uma hora de Sepultura. Todos os grandes sucessos e hinos da banda já haviam sido tocados, exceto um: “Roots Bloody Roots”. O pesadíssimo e groovado riff que conduz a música pareceu algo como um berrante de guerra, incentivando os guerreiros a irem a uma luta sem fim. O mosh pit foi instintivo e automático, com inúmeros corpos se colidindo entre pulos e corridas. Era o nosso destino, não precisávamos disfarçar, era tudo que queríamos ali: enlouquecer. Ali, naquela noite, era o lugar onde você poderia encontrar as raízes sangrentas do Sepultura e seus fãs.

Para alguns, aquilo foi o suficiente. Ver Andreas destilar ácido com sua guitarra e Paulo Júnior conduzir os grooves destrutivos do Sepultura ao lado dos monstros Derrick e Eloy foi algo inesquecível e que lavou a alma de muitos. Mas, ainda não era o fim. Pisca voltou ao palco para anunciar que a noite ainda não havia chegado ao fim. Para terminar de “massagear” os pescoços presentes, nada melhor que um cover de Death, que apresentou os clássicos da eterna banda de Chuck Schuldiner com grande dignidade e tratou de encerrar a noite em alto nível.

Onde há espaço para escrever, tenha certeza que irei deixar minhas palavras. Foi assim que me tornei letrista, escritor e roteirista, ainda transformando minha paixão por música em uma atividade para a vida. Nos palcos, sou baixista da Dark New Farm, e fora deles, redator graduado em Publicidade e Propaganda para o que surgir pela frente.