O sábado de 07 de setembro de 2024, não marcou somente o Dia da Independência do Brasil, como também a segunda noite dos três dias de sold-out da última passagem do Sepultura em solo paulistano (ao menos de forma solo), em sua turnê de despedida Celebrating Life Through Death. Uma turnê que, para aqueles que vêm acompanhando os registros desde o seu início, tem sido uma das mais emocionantes e significativas dos últimos tempos para nós, brasileiros.
À medida que o sol se punha, uma extensa fila tomava forma, em um misto de gerações, pensamentos e emoções, que inquietamente balançavam as cabeças no aguardo da abertura do Espaço Unimed. Diferentemente do primeiro dia, não houve a inédita estande de merch disposta do lado de fora da casa. Com o acesso ligeiramente antecipado devido a questões de acessibilidade, fui o primeiro grupo a entrar, no entanto, desta vez, não era os seguranças de revista que ali nos recebiam como de praxe, mas sim voluntários da ONG do Instituto Trenó, que realizavam uma arrecadação social que, somando os três dias de evento, chegou próximo às 10 toneladas de alimentos arrecadados.
Ao adentrar no fresco (ufa) Espaço Unimed, pudemos ver logo de cara os participantes da experiência VIP da turnê, que garantia entrada antecipada e até foto com a banda, já posicionados ao longo da grade. Na noite anterior, houve uma polêmica decisão por parte da organização da casa de retirar este público momentaneamente do espaço, o que gerou revolta e confusão. Diante de uma segunda tentativa, no entanto, o público do segundo dia se manifestou contrário, prevalecendo no local e com um ar de leveza e alegria após terem também participado do soundcheck e interagido com o Sepultura.
Pouco tempo depois, o sinal de que às entradas haviam sido liberadas já era claro, afinal chegavam às pessoas as pressas, correndo em ansiedade para ocupar os espaços da pista premium e pista comum. Após lutarem pela espera na fila, disputavam o lugar ideal, que proporcionasse a melhor visão possível de um misterioso palco que se erguia à nossa frente, coberto em diversos lados e com destaque para uma grande bandeira dos venezuelanos do Cultura Tres, que realizavam os últimos ajustes até o horário de início.
Não demorou muito para que a noite fosse iniciada pelo trio composto pelos irmãos Montoya e ninguém menos do que Paulo Xisto (Sepultura), com a participação de Henrique Pucci (Nocturnall/Escombro) de apoio na bateria, no lugar de Jerry Cevallos. Diferente das bandas de abertura dos outros dias, para muitos a Cultura Tres, ou “Banda do Xisto” como era chamada por alguns, era uma banda não tão conhecida, iniciando como uma incógnita em um setlist que nos levou a uma mescla de estilos e referências que iam do Doom a um Metal mais característico do próprio Sepultura. Uma mescla curiosa, que não só dava versatilidade, como justificava o reconhecimento mundial da banda, assim como do próprio Xisto em sua iniciativa de colaborar com o grupo.
Com o progressivo apoio do público música a música, Alejandro Montoya, responsável pelos vocais e guitarra, foi se sentindo mais confortável, surpreendendo o público não só com sua voz, mas com um português quase perfeito, ainda que ele dissesse o contrário. Em suas falas, não deixou de ressaltar o importante significado de estarem ali tocando, não só para a abertura de uma banda que foi fundamental em suas referências, como também pela pessoa do próprio Xisto enquanto integrante e pela importância do Sepultura no cenário da América Latina e Brasil. Importância essa que, segundo ele, deveria servir de ponto de apoio e ligação entre as pessoas, que, ao seu ver, quando divididas, para além de posicionamentos e ideologias, estão em uma posição de fragilidade, momento este em que ele fez referência ao seu próprio povo venezuelano.
Um ponto interessante de se mencionar foi a própria figura de Paulo Xisto, que parecia estar mais recatado, com uma postura e energia diferentes de quando assume o baixo do Sepultura. Agora, se isso se deve à diferença de gêneros e ao flow que sente ao tocar com o Cultura Tres, ou se era uma forma de dar mais espaço e destaque aos seus companheiros de banda, fica o questionamento.
Independentemente disso, ainda que trazendo um som de diferentes cadências e quebras, que podem gerar certo incômodo para aqueles não tão familiarizados com o estilo peculiar, a banda conseguiu, através de seu som pesado e falas inspiradoras, aquecer os corações de um público já muito preparado para uma grande noite.
Espera daqui, espera de lá, e com cerca dos mesmos 30 minutos de atraso da noite anterior, iniciavam-se as intros de War Pigs, energizando totalmente o público, seguido de Polícia, dos Titãs. À medida que a terceira intro sinalizava o começo do show do Sepultura, bem como a gigantesca bandeira estampada com as faces indígenas subia, o que mais chamava a atenção era a grande produção e arranjo de palco, com iluminações fortes e telões digitais por todos os lados, que evidenciavam e davam um leve spoiler da proporção do que estava por vir.
Aos poucos, víamos o quarteto composto por Andreas Kisser, Derrick Green, Greyson Nekrutman e Paulo Xisto emergirem, onde a inconfundível voz, carisma e energia de Derrick já se faziam presentes, anunciando o início da pedrada que seria aquele show, com Refuse/Resist inaugurando o setlist da noite. Em meio ao ensurdecedor e animado coro da plateia, Derrick e Andreas ainda brincaram ao longo da noite sobre contar com o público para se mostrar ainda mais animado que o da noite anterior, uma vez que era “sabadão”, questão levada muito a sério pelo público, que se mesclava entre pontos de rodas abertas, com o pau comendo solto e aqueles que faziam questão de vibrar e aplaudir sem desgrudar os olhos dos músicos.
As surpresas da noite vieram logo na terceira faixa, com a substituição de Propaganda por Slave New World, seguidas de Cut-Throat ao invés de Spit e Sepulnation substituindo Convicted in Life. Também tivemos as participações em Kaiowas, onde foram trazidos desde membros da equipe até o público para tocar junto à banda. Estiveram também presentes os membros da Cultura Tres e a aparição surpresa de nosso querido Papito, Supla.
Momentos que também merecem destaque ficam por conta da presença do próprio Greyson, que já aparentava estar completamente habituado ao desafio que abraçou com afinco de assumir as baterias do Sepultura com a saída de Eloy Casagrande, indo além em termos de técnica e precisão e sendo acolhido e celebrado pelo público. Se antes, ao ouvir seu nome, ele era atrelado “apenas” à gravação de Caravan para o filme Whiplash, ou sua passagem pelo Suicidal Tendencies, arrisco dizer que sua passagem pelo Sepultura será algo pelo qual ele será lembrado em igual proporção e relevância.
Não frisei o bastante, mas era impossível não enlouquecer com a qualidade absurda dos 3Ds e imagens dispostas entre as músicas, que geravam uma ambientação perfeita para um momento tão único. Ressalto, inclusive, o momento em que o telão mostrava as gravações da banda com a tribo Xavante para Roots.
Você pode encontrar diversas coberturas, mas verá que todas falam uma mesma coisa: a troca clara e honesta de energia entre público e banda, onde a todo momento era possível ver um sorriso estampado no rosto de uma banda que iniciou o encerramento de sua história, mas que certamente deixará um legado. Celebrating Life Through Death, título da turnê, nunca fez tanto sentido quanto ao chegar ao fim e perceber que se trata de um encerramento, mas que o que fica são os sorrisos, a empolgação e o apogeu de uma das maiores bandas da história do Brasil.
Pensar no tradicional “Sepultura, do Brasil!!! 1, 2, 3, 4…” como algo que ficará no passado dói, como algo que sempre esteve lá e que em muitos momentos possa até não ter recebido o devido valor. Esse incômodo certamente poderá pairar com o tempo no coração de muitos, mas não naqueles que se dispuseram, e vão se dispor, a conferir a última grande saga de uma das bandas mais importantes do metal brasileiro.
Setlist – Cultura Tres
• Intro – Los muertos de mi color
• The World and Its Lies
• Time Is Up
• The Land
• Proxy War
• Day One
• Zombies
• Signs
Setlist – Sepultura
• Intro – War Pigs (Black Sabbath)
• Intro – Polícia (Titãs)
• Intro – Interlude
• Refuse/Resist
• Territory
• Slave New World
• Phantom Self
• Dusted
• Attitude
• Cut-Throat
• Kairos
• Means to an End
• Sepulnation
• Guardians of Earth
• Mind War
• False
• Choke
• Escape to the Void
• Intermission (Vídeos da gravação de “Roots” com a tribo Xavante)
• Kaiowas (com Supla, Cultura Tres, Yohan Kisser, Marcio Sanches, fans e equipe)
• Dead Embryonic Cells
• Biotech Is Godzilla
• Agony of Defeat
• Osgasmatron (Motorhead cover)
• Troops of Doom
• Inner Self
• Arise
• Ratamahatta
• Roots Bloody Roots
• Easy Lover (Phil Collins, pelo Sistema de PA)