To live through ones own shadow. Mute and blinded, is to really see; Eclipse the golden mirror and the reflection is set free.
Viver através da própria sombra. Mudo e cego, é realmente ver; Obstrua o espelho dourado e o reflexo será livre.

O SUBSOLO | A ESSÊNCIA DOS ÁLBUNS CONCEITUAIS | Catch Thirthythree
A coluna volta com uma adição de peso, em todos os sentidos, Catch Thirthythree é o quinto álbum de estúdio da banda sueca Meshuggah, banda muito influente em diversos sons modernos. O conceito do álbum já é um assunto complexo por sí só, o tema principal do álbum é o vazio e a dor existencial, e como esses questionamentos podem levar o ser humano a insanidade e a dessassociação da realidade. O álbum é repleto de simbolismos, o próprio número 33 no título do álbum é usado em diversas culturas para evocar a ideia de trindade e de ciclo, nessa resenha iremos focar em dois conceitos explorados no álbum, aplicados em teorias da filosofia e da psicologia: O paradoxo e o subconsciente.



O Paradoxo é uma das chaves do conflifo representado no álbum, e o principal motivo da progressão insandecida que a obra leva. Voltando ao título do álbum, Catch 33 é uma referência direta à obra de guerra Catch-22 de Joseph Heller, cujo título virou sinônimo para o paradoxo no qual indivíduo não consegue sair de uma situação por regras contraditórias que o mantém preso, um exemplo mais concreto: João quer seu primeiro emprego, mas todas as vagas pedem experiência, então ele precisa trabalhar pra adquirir experiência, mas não consegue trabalhar porque nenhuma vaga vai o aceitar sem, assim infinitamente. Outro simbolismo forte de paradoxo é a Ouroboros, a cobra devorando o próprio rabo, representada em uma releitura na capa, esse conceito é bem representado nas letras, quando a situação desesperadora do eu-lírico do álbum faz com que seus pensamentos entrem em parafuso, também é muito bem representado nos instrumentais hipnóticos que transformam as passagens num ciclo perturbador.

Se o paradoxo é o que agrava os problemas abordados na obra, o Subconsciente certamente é o que os causa. O conflito principal na mente do eu-lírico do álbum tem influência direta no trabalho de psicologia analítica de Carl Jung e menores influências do trabalho de Sigmund Freud, no álbum, existe uma tensão cada vez mais absurda entre a o que o personagem vê sobre si mesmo e o que ele não vêm sua Sombra, seu subconsciente que reprime seus pensamentos mais vorazes e bestiais, o que ele acredita ser seu “eu” de verdade e que lhe causa tanta dor e confusão quanto a própria existência reprimir, com a evolução do álbum, esse lado vem cada vez mais à tona, e ao mesmo tempo os pensamentos do personagem ficam cada vez mais incompreensíveis e os instrumentos vão passando de hipóticos para confusos, levando o ouvinte junto nessa jornada sem volta.

Gosto de separar os álbuns em atos, pelas coesões de temas, nesse álbum eu vejo o primeiro ato começando na faixa um (Autonomy Lost) e se encerrando na faixa seis (Entrapment). Esse ato tem uma coesão instrumental bem forte, com faixas curtas que se emendam uma na outra, num ritmo quase robótico, a segunda guitarra faz passagens estranhas no fundo, semelhantes a um zumbido, vejo esses elementos em conjunção com a letra como se fosse uma pessoa enlouquecendo no dia a dia, não é especificada a causa, mas pela grande semelhança a sons mecânicos na prograssão do álbum, parece ser algo que envolve uma rotina enlouquecedora, que causa desassociação à realidade nesse personagem, a própria existência passa a se tornar uma dor. Nesse ato o personagem tenta confrontar essa dor e se vê num estado pior do que o inicial, entrando na loucura por ter confrontado ela, como a própria letra cita: “The struggle to free myself of restraints, becomes my very shackles” ou “A luta pra me livrar das prisões, torna-se minha própria algema” (Faixa três, Disenchantment).

O Segundo ato, que vai da faixa 7 (Mind’s Mirrors) à faixa 10 (Shed) trata de temas ainda mais abstratos que o primeiro. É iniciado com um poema citado por uma voz robótica que expressa o paradoxo causado por termos várias partes da nossa personalidade no nosso subconsciente que influenciam uma a outra, num ciclo eterno de mudança e absorção, misturando o conceito da Ouroboros com as teorias de Freud e Jung, inclusive o poema cita indiretamente os conceitos de Sombra e Superego. O ato avança com mudanças bruscas na questão instrumental, com interlúdios tensos dominados por silêncio, o que em combinação com as letras, parece representar o conceito de Morte do ego, que na psicanalise representa a perca total de identidade própria e de individualismo, esse processo culmina em Shed (Faixa 10), cujo título é a palavra em inglês para a troca de pele das cobras, o “eu interior” substituindo o “eu exterior”.





O terceiro ato é um tanto mais difícil de analisar, pois o álbum chega num nível de abstração muito mais alto, representando o enlouquecimento, ou talvez iluminação do personagem, que a esse ponto tem pensamentos totalmente contraditórios e abstratos, grande parte desse ato é tomado por gritos, músicas com tempos que deixam o ouvinte totalmente desorientado, mas ao mesmo tempo dão conclusão as progressões do álbum, alguns elementos sonoros do primeiro ato voltam, mas reinterpretados de uma forma que reflete o dano na mente caótica do personagem, no final da última faixa o álbum adquire uma beleza extremamente desconfortável, as guitarras extremamente graves ficam presas num novo ciclo que vai ficando cada vez mais harmônico, em contraste com o padrão dissonante do álbum, mas os gritos de horror no fundo nos transmitem a ideia de que o ciclo não acabou, não há como explicar o paradoxo.


Definitivamente Catch Thirtythree não é um álbum que vai agradar os ouvidos de todos, mas aos que se aventurarem, o álbum é bem serivido quando ouvido com atenção do início ao fim em sequência e com o mínimo de interrupções, de preferência num aparelho que acentue seus graves perturbadores, mas mesmo aos que não se apetecerem pelo som, acredito que o conceito do álbum é de genialidade observável, e suas raízes profundas na psicanálise podem chamar atenção aos entusiastas do assunto, tenha em vista que as análises desse álbum são as interpretações do autor, cada um é livre pra ter sua própria interpretação, principalmente num trabalho tão abstrato.


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