Headspawn é um exemplo de como o Metal nordestino merece mais holofotes, que de fato é uma região enriquecida de cultura e o Metal não seria diferente.

O Power Trio fundado em 2019 por Alf Cantalice nos vocais e guitarra, JP Cordeiro no baixo e Marconi Jr na bateria, divulga no momento seu álbum Parasites, lançado em Novembro de 2023.

Conversamos com a banda para saber um pouco da trajetória e suas metas e ambições atuais, confira:

Um prazer a banda ter aceito essa entrevista, queria começar a falar sobre como conheci vocês e uma dúvida. Como foi o processo de criação e gravação do EP “Pretty Ugly People”? Houve alguma inspiração específica por trás das letras e da sonoridade das faixas?

Headspawn: A criação das músicas foi um processo totalmente orgânico, JP e eu (Alf) nos encontrávamos para trabalhar alguns riffs soltos que eu enviava para ele e então ele vinha com algumas ideias que acrescentavam uma nova camada à composição e a gente acabava fabricando algumas coisas novas naquele momento até o ponto que a gente se olhava e dizia “pronto, é isso”. Me lembro que na época em que estávamos compondo o PUP, Gojira era uma das bandas que não saia de nossa playlist. Mas sinceramente, não acredito que nenhuma daquelas músicas possua relação com a sonoridade dos franceses, eu aquelas quatro primeiras músicas como composições intimistas direto das nascentes de nosso desejo musical. Quando ouço o PUP, passa muita coisa pela minha cabeça como: Sepultura, Pantera, Primus, Black Sabbath, Korn, Alice in Chains, etc. Mas tudo com nossa forma de tocar, com nossa carga, nossos timbres, acho que sobra identidade naquele trabalho inaugural. Sobre as letras, sempre achei importante que as palavras tenham uma participação artística no mesmo nível da sonoridade. Odiaria fazer uma música pesada com uma letra idiota, ou uma melodia profunda com uma letra superficial. Acredito que naquele trabalho as mensagens foram muito diretas, mesmo partindo de metáforas, sem deixar a desejar o mínimo de profundidade poética compatível com aquela massa sonora.

O EP aborda temas como esquizofrenia, degeneração social e cenário político nacional. Como a banda vê o papel da música em abordar questões sociais e políticas?

Headspawn: A música é uma das linguagens da arte, é função da arte ser interlocutora da experiência humana. A arte é o verdadeiro legado de um artista, não me parece razoável que num período de tantas catástrofes uma banda de rock se dê ao luxo de produzir um trabalho estéreo, neutro, automático… aqui no Brasil corríamos um risco sério (pouco considerado pelo povo) de vivermos um golpe de Estado, a polarização política tomava conta das relações interpessoais e as pessoas próximas começaram a morrer vítimas do Corona vírus. Não era o momento de escrever sobre tristezas pessoais, embates filosóficos, crises existenciais, etc. Precisávamos fazer algo que mostrasse nossa posição naquele momento histórico. “Voices” foi a última música a ser composta do PUP, a letra dela foi uma homenagem a uma pessoa querida que passou pelas situações narradas na música, acho que seria a exceção do contexto descrito anteriormente.

O lançamento do EP ocorreu durante a pandemia de COVID-19. Como a banda enfrentou os desafios desse período e decidiu gravar um EP ao vivo sem público?

Headspawn: Imagine quando três caras se juntam e dizem “vamos fazer a banda para tocar tudo o que a gente sempre quis?“, parece ser a experiência dos sonhos para qualquer músico, né? E foi. Agora imagine que logo no começo dessa caminhada, vem a pandemia e absolutamente tudo vira de ponta cabeça, fazendo com que todos os planos feitos vão pelo ralo e então você está diante de uma situação inédita, inusitada e totalmente desfavorável ao seu projeto. Muitos teriam adiado ou desistido da ideia, mas não nós três. Até os estúdios da cidade estavam fechados, todos os dias nós recebíamos a notícia de que alguém próximo a nós estava doente e isso nos deixava completamente malucos. Foi quando nossos amigos do Soturnus (banda local) disponibilizaram o estúdio deles, mediante um aluguel irrisório, para que continuássemos os ensaios e não tivéssemos que parar a banda que tinha acabado de começar. Foi nesse estúdio que 90% do ‘Parasites’ foi composto, tínhamos um setlist para um show de uma hora e meia, estávamos muitíssimos empolgados com o que estávamos fazendo, mas, mesmo no auge daquela empolgação nós ficávamos questionando o que diabos iriamos fazer a partir dali, já que estávamos em pleno lockdown (sem qualquer previsão de flexibilização) e sentimos que também não era hora der gravar aquelas músicas para lançar. Muita gente nos pedia para fazermos uma live, assim como centenas de artistas estavam fazendo, contudo, não queríamos aparecer pela primeira vez para as pessoas com uma transmissão ruim ou com uma sonoridade de baixa qualidade, foi quando resolvemos fazer uma session ao vivo sem plateia e lançar faixa-à-faixa no YouTube. Parece algo muito simples de fazer, mas imagine uma banda independente que investiu suas economias pra gravar um EP, um vídeoclipe e não pode monetizar nem um centavo com isso, de repente botar a mão no bolso pra contratar uma equipe e fazer essa live session? Fizemos hora extra nos nossos trabalhos paralelos, economizamos uma grana pra então termos condições de fazer tudo acontecer sem falir. Mas foi tudo ótimo, deu certo demais, fizemos o registro, nos divertimos muito durante as gravações e pela primeira vez estávamos ali tocando nossas músicas com uma iluminação legal, um palco e algumas pessoas (corpo técnico) nos ouvindo pela primeira vez.

Vocês mencionaram que o EP ao vivo “Pretty Ugly People Live” foi gravado de forma “intimista”. Como foi a experiência de gravar ao vivo sem a presença de uma plateia?

Headspawn: É uma experiência incompleta, acredito que é a mesma sensação dos jogadores de futebol num estádio vazio, falta energia, falta aquela coisa fundamental e motivadora que é o público. Mas, diante da necessidade, era o que tínhamos mais perto de um show de verdade. Quando subimos num palco juntos pela primeira vez, em 2022, até achei engraçado o simples fato de terminarmos de tocar uma música e ter o som e energia do público nos aplaudindo. Eu, particularmente, não penso em fazer nada do tipo novamente, a não ser que se trate de uma proposta diferente, algo como o Pink Floyd em Pompeii, por exemplo.

Queria falar um pouco agora do “Parasites”, novo álbum da banda. Como vocês descreveriam a evolução sonora e lírica em relação ao EP de estreia?

Headspawn: Para nós que estamos tão dentro da coisa, não foi uma diferença tão discrepante quanto para os demais ouvintes. Eu imagino que, para aqueles que ouviram o PUP antes, colocar o Parasites pra rolar e dar de cara com Terra Solis, Butchers e cia, deve ter sido uma experiência muito interessante. O álbum inteiro foi composto enquanto estávamos lançando os singles do EP anterior, o afloramento dos arranjos e da musicalidade em geral se deu, principalmente, por duas razões; o fato de termos amadurecido nossa conexão e também a referência que o nosso trabalho anterior colocou para as músicas seguintes. O tema do álbum foi chegando aos poucos, as músicas estavam num contexto maior e pediam com por uma concepção de arte mais abrangente, continuávamos com a critica social mas sob uma perspectiva mais filosófica e de maior recorte. De repente não estávamos mais falando sobre a polarização política do Brasil, mas levantando questões como mortalidade, auto afirmação, identidade, veganismo, segregação racial, depressão, relações abusivas, etc. As letras sempre são escritas para valer a pena o tempo que você gasta fazendo uma leitura delas, é muito bom quando alguém chega e diz algo do tipo “Ei, eu saquei que Sinking Jetsam é uma música sobre divórcio”, porque eu sei que aquela pessoa criou um vínculo com aquela música e se a entendeu a esse nível, a missão foi claramente cumprida. Eu trabalhei nas letras até a madrugada anterior que antecedeu as gravações de voz, fiz várias e várias modificações até sentir que era aquilo mesmo que eu queria, tenho muito orgulho da forma que esse álbum passeia por tópicos tão importantes sem perder de vista o tema principal.

A faixa “Everybody Hates Somebody” aborda questões sociais como racismo e intolerância. Qual é a mensagem central por trás dessa música e por que é importante para vocês expressá-la através da música?

Headspawn: Nós somos nordestinos, o Sul/Sudeste não costuma ser isonômico com pessoas de nossa origem e cultura. Isso deveria ensinar a nós nordestinos a importância de sermos contra qualquer tipo de preconceito, certo? Mas vivenciamos lamentáveis cenas de racismo em nossa região também, bem como uma cultura de comportamento misógino e conservadorismo barato. O que quero dizer é, que na nossa sociedade sempre estamos carecendo de isonomia e precisamos ser vigilantes e autocríticos com essa situação. Por isso a letra tem essa provocação de “todo mundo odeia alguém”, a narrativa da música é a busca pelo ódio contra o ódio, é a visão de alguém que odeia fascistas, racistas, homofóbicos, misóginos, xenófobos, etc. É uma busca incessante pela justa causa, usando o ódio como combustível. A provocação final “por que Deus odeia todo mundo?” é justamente o fundo do poço do fundamentalismo religioso que exige que seus fiéis segreguem outras pessoas por não compartilharem da mesma fé que eles, às vezes as pessoas nem são tão inclinadas ao ódio, mas são induzidas pelo colapso que sua religião lhe causa.

O videoclipe de “Everybody Hates Somebody” tem uma estética visual muito marcante. Qual foi o conceito por trás do vídeo e como ele se relaciona com a mensagem da música?

Headspawn: Na verdade o vídeo é apenas uma animação com a capa do álbum, não tínhamos grana pra fazer um clipe então fizemos um lyric vídeo dessa música. O álbum se chama Parasites porque ele expressa diversos tipos de situação onde um indivíduo é consumido ou consome algo numa relação semelhante à parasitose. Os bebês que estão comendo a preguiça (capa) simbolizam a arrogância humana em se colocar fora da natureza e destrui-la por ambições particulares sem perceber que fazendo isso está condenando a si mesma, assim como um verme que drena seu hospedeiro por completo e depois morre de fome. Everybody… é um confronto de homem versus homem, como narrativas absurdas tomam proporções enormes e duradouras, quer dizer, até hoje eu não consigo entender a raiz do racismo e como isso perdurou como uma cultura mundial até os dias de hoje. Quão arrogante é o pensamento de um ser humano, feito de átomos, carne, pele e osso, odiar outro ser humano constituído na mesmíssima complexidade, só porque a cor de sua pele é diferente, ou porque este possui determinada característica fisionômica? Depois de tantos séculos, avanços no campo filosófico, sociológico, etc. ainda temos que repudiar, reeducar e convencer as pessoas de que é necessário acabar com tudo isso. É inacreditável que enquanto pensamos em explorar Marte, questões tão urgentes como o racismo ainda não estão resolvidas.

Para uma banda relativamente nova no cenário e já com bons trabalhos, como foi ser a banda de abertura do Sepultura? Conte-nos como chegaram a esse feito, como foi o show e a receptividade dos fãs com sua música.

Headspawn: O bom trabalho é fruto de uma vida inteira de aprendizados e uma dedicação que excede o conceito de qualquer vocábulo, nós sempre tivemos muita confiança naquilo que produzimos e de que tudo isso nos levaria a desbravar novos horizontes. Quando o Sepultura anunciou o show na nossa cidade, imediatamente compramos o ingresso, ficamos muito empolgados em poder ver nossos ídolos de perto e claro que tínhamos o desejo de estar no mesmo palco que eles mostrando a todos o nosso trabalho e representando a cena local. Mas foi uma surpresa enorme quando nossos fãs invadiram as redes sociais da organização do Imagineland reivindicando nossa presença no evento, o que levou a aprovação imediata da nossa contratação pro lineup. Sobre o show, foi uma experiência fantástica! Muitas pessoas com a camisa de Headspawn cantando a plenos pulmões nossas músicas, gente que veio em excursão de outros Estados estavam tendo contato com nossa música pela primeira vez e passaram a nos acompanhar, tivemos um feedback extremamente positivo, destacando Greysson (baterista do Sepultura) que acompanhou nosso show de cima do palco e curtiu bastante nossa apresentação.

“You Are”, novo videoclipe da banda foi lançado no mesmo dia que vocês fizeram o show com o Sepultura. Como está sendo a receptividade dele e quais os próximos passos da banda?

Headspawn: O clipe tem sido bastante elogiado, foi algo esmerilhado em autocrítica, procuramos uma afinidade maior entre a simplicidade das ideias e boa produção. Acreditamos muito no potencial do nosso álbum e nada melhor do que um vídeo bem repercutido para dar alcance à nossa obra fonográfica. Agora, nosso próximo passo é trabalhar numa boa turnê de divulgação levando nosso show para nossos fãs e apresentando nosso trabalho para quem ainda não conhece.

Vocês mencionaram que o “Parasites”, é uma verdadeira biografia musical de cada membro da banda. Como isso se refletiram nas composições e no som do álbum?

Headspawn: Acho que tem muito a ver com o tempo que passamos juntos, trocando playlist, mostrando artistas um pro outro. Eu, por exemplo, passei a ouvir mais Tool em razão de ver JP com mais frequência, Marconi e eu ouvíamos clássicos dos anos 80 quando estávamos juntos, etc. Quando você entende melhor as referências de quem toca contigo, o nível de comunicação e conexão ganha um novo patamar, a gente sabia o que pedir do outro e já chegava dizendo. A transmissão de ideias ganha uma fluidez enorme e faz com que você possa fazer cada vez mais experimentos com as músicas, todas as faixas do Parasites sofreram modificações ao longo do tempo, a lapidação foi uma parte muito legal de se fazer. O Parasites foi um trabalho que mostrou as nós mesmos o quanto podemos fazer coisas diferentes juntos, nos deu a segurança de que nossa identidade é a característica mais forte do nosso som, seja qual for a textura sonora escolhida por nós. Tudo que se faz presente nesse trabalho, fez parte de nossa formação musical.

Qual é a maior ambição do Headspawn para o futuro, especialmente e atualmente com primeiro álbum full “Parasites” a agenda de shows?

Headspawn: Nossa maior ambição é a de pisar no palco de festivais Brasil afora. Quanto mais, melhor. Nosso foco é tornar a banda autossustentável, acho que todo músico sonha firme em viver da sua arte e estamos trabalhando fortemente para que isso aconteça o quanto antes. Estamos preparando uma turnê de divulgação do Parasites, o Brasil é enorme e as despesas com transporte são astronômicas, não importa como você decide ir (carro, ônibus, avião), no final das contas é caro pra caramba. Mas vai rolar essa tour sim e confiamos muito no resultado desse giro, quem for a um show de Headspawn tenha a certeza de que vai se deparar com uma apresentação de responsa.

Queria agradecer o tempo cedido, e deixar esse espaço para uma mensagem da banda ao público d’O SubSolo.

Headspawn: Primeiramente agradecer pelo contato de vocês, agradecer ao público pelo apoio e para quem não nos conhece ainda pode pesquisar a gente na sua rede social favorita e na sua plataforma de música favorita, estaremos lá com toda a certeza. Quem curte a banda, chega na galera que organiza rolê na sua cidade e pede pra levarem Headspawn que a gente chega com tudo! Um grande abraço, stay heavy!!

Gremista, catarinense, gamer, cervejeiro e admirador incessante do Rock/Metal. Tem como filosofia de vida, que o menos é mais. Visando sempre a qualidade invés da quantidade. Criou o site 'O SubSolo" em 2015 sem meras pretensões se tornando um grande incentivador da cena. Prestes a surtar com a crise da meia idade, tem a atelofobia como seu maior inimigo e faz com que escrever e respirar o Rock/Metal seja sua válvula de escape.