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Especial: King Diamond e a grotesca história de The Puppet Master

Lembro-me como se fosse ontem quando descobri duas bandas que entrariam de imediato para a minha lista de favoritas da vida inteira, Venom e King Diamond. Quem as me apresentou foi o meu querido amigo Marcos Paulo Miotti, que, na época, enveredava os gostos musicais para áreas da música mais extremas.

E foi então que tive contato com o Black Metal, sendo as primeiras experiências, os álbuns Black Metal do Venom e o trabalho que disseco hoje neste texto, o The Puppet Master, lançado originalmente em outubro de 2003.

Sei que esta talvez não seja a obra mais impactante ou notável da carreira do cantor dinamarquês, como é o caso do clássico Abigail, de 1987. Por isso lhe digo, caro amigo leitor, que a escolha para resenhar este trabalho vem do carinho e nostalgia que sinto toda vez que aperto o play em meu modesto radinho toca CDs.

O que mais me fascina na obra de King é o fato de cada álbum contar uma história diferente, como um livro de horror, outra paixão minha além da música. Assim, considero o lendário ex-vocalista do Marcyful Fate, a Dona Carochinha do Heavy Metal (no bom sentido da comparação). Acredite, as histórias que este cara conta em sua extensa discografia, além de incríveis, causam aquele famigerado frio na espinha, envolvendo temas como ocultismo, satanismo, entre outras doçuras mais.

Vale a pena lembrar que, por se tratar de um álbum conceitual, muito sobre a trama será contado nas linhas a seguir. Se você é do tipo que não curte spoilers, ainda menos os musicais, recomendo que ouça primeiro o trabalho e venha debater a respeito depois.

Então sem mais delongas, vamos nos aprofundar no décimo trabalho da carreira solo do Rei Diamante…

Reza a lenda que a inspiração para o conceito de The Puppet Master veio durante uma turnê que king realizava na Hungria, especificamente na capital Budapeste. Em uma data folgante, o vocalista aproveitou o dia para conhecer as ruas da cidade, quando se deparou com uma vitrine de uma loja, que continha uma horrenda marionete.

E o corriqueiro ocorrido fora o suficiente para incitar a já fértil imaginação do cantor e compositor…

O álbum inicia-se lentamente com a soturna Midnight, que se mostra perfeita para colocar o ouvinte no clima tenso e sombrio que o trabalho proporcionará. Assim como na maioria de suas obras, aqui King incorpora novamente a figura de narrador e também personagem da trama, que se passa na cidade de Budapeste em uma época em que as festas de fim de ano se avizinham.

A história começa com o nosso protagonista contemplando a neve que começa a cair. Essa visão soa nostálgica, ao mesmo tempo em que o aflige relembrando de um tempo, agora distante, em que ele se via livre, antes de algo terrível tê-lo acometido.

Essa é bem a cara daquelas histórias de terror que começam a partir de seu desfecho, revelando os acontecimentos passados aos poucos para os curiosos que a ela adentram.

Então, na sequência, somos apresentados aos riffs rápidos do lendário guitarrista e braço direito de King, Andy LaRocque, na faixa que intitula a obra. O fator flashback se torna presente, trazendo-nos a ida de nosso herói a uma apresentação de marionetes em uma gélida noite natalina. No evento, o homem se espanta ao entrar em contato com a apresentação, um misto de sensações o toma por completo ao admirar a aparência dos bonecos, que praticamente, ganham vida através do Mestre das Marionetes. A perplexidade é tanta, que ele pensa ver escorrendo das mãos dos pequeninos uma pequena gota de sangue…

A terceira faixa, Magic é uma das minhas favoritas deste registro.

Já fora do teatro após o término do show de marionetes, o Eu Lírico se convence definitivamente que o que acabara de presenciar se tratava do mais puro truque de magia. Ele não estava só, pois, além dele, uma jovem moça de nome Victoria também estava atenta aos mórbidos detalhes da apresentação. A letra leva a entender um possível encontro de ambos, o que acaba agregando mais de um sentido à temática da canção, em que podemos considerar que o protagonista, experimentava o mágico horror nos olhos dos bonecos, ao mesmo tempo, em que encontrava a doce magia do amor nos olhos daquela estranha encantadora.

Eis que novo personagem nos é apresentado na história com a chegada de Emerencia, o quarto petardo do disco.

À procura da jovem que tanto lhe fascinou, o protagonista volta à atenção para o mórbido teatro. Ao chegar, ele começa a investigar os arredores do local, e por entre as sombras da noite, acaba se deparando com a corpulenta Emerencia, esposa do Mestre das Marionetes. A mulher caminha munida de uma faca, uma carriola e um saco, saindo pela cidade a fora. Seguindo-a, o personagem de King é testemunha de um terrível assassinato, um dos hábitos noturnos da velha senhora. Ainda em seu encalço, ele a vê adentrar com o cadáver coberto na carriola, rumo aos porões do teatro. Nos profanos e obscuros corredores, ao perder o rastro daquela maléfica criatura, ele é surpreendido por um golpe na cabeça, perdendo completamente a consciência.

Em Blue Eyes, o narrador, se recuperando da pancada e com os olhos ainda se adaptando ao escuro cativeiro, percebe-se amarrado e rodeado por malignos fantoches. Esforçando-se para encarar esses miseráveis seres, logo um lampejo de certeza paira sobre a consciência dele: aqueles supostos brinquedos eram realmente feitos de corpos humanos.

O pavor o toma por completo ao perceber que um deles possuí os mesmos olhos azuis tão característicos de sua amada Victoria…

O refrão dessa música carrega a aura muito presente nas obras do diretor Tim Burton, tornando a faixa mais um ponto alto do trabalho. A música ainda conta com passagens de órgãos que fariam inveja ao Fantasma da Ópera.

O Mestre das Marionetes e Emerencia adentram ao fétido local e aqui se inicia a parte mais macabra do álbum.

The Ritual, como o próprio nome explicita, traz o detalhadamente processo de transição do protagonista no mais novo boneco da coleção do maldito casal. Primeiro, o velho tenta um antigo feitiço para domínio mental do rapaz, que desesperadamente se contorce, batendo com os pés em uma prateleira próxima, derrubando um jarro cheio de sangue humano. O rito continua e a alma do rapaz é finalmente tomada pelo feiticeiro.

O pior ainda está por vir em No More Me.

Agora amarrado a uma maca, o narrador está sendo preparado para a segunda e última parte do ritual. Em frente a ele, com bisturis em mãos, o casal retira os olhos e depois a pele do rapaz, colocando os glóbulos oculares nas órbitas de um boneco, completando assim o trabalho.

Eles o colocam em uma prateleira junto com os demais fantoches, enquanto Emerencia se prepara para fazer o descarte dos restos mortais que sobraram dele…

Os riffs contagiantes de LaRocque trazem a cadenciada Blood to Walk. 

Renascidos como meras marionetes, o rapaz e Victoria finalmente se encontram. Ela está em uma prateleira em frente à dele. Ambos só conseguem se comunicar através do olhar, e se questionam o que fizeram para merecer tamanho horror.

Eis que o Mestre das Marionetes adentra o fétido porão, ansioso para treinar seus novos brinquedos, a quem afetuosamente chama de filhos. O Casal recebe injeções de sangue, o que lhes dá mobilidade novamente, podendo atender assim as vontades do novo senhor. Depois que as injeções os reanimam com sucesso pela primeira vez, eles são colocados de volta às prateleiras.

Na densa Darkness, o ensaio para a estreia dos novos bonecos continua. O velho ventríloquo deseja que Victoria dance sem o apoio das cordas de sustentação, mas a marionete é incapaz de realizar o feito. Em uma das inúmeras quedas, a boneca acidentalmente quebra seis dos preciosos jarros de sangue do mestre, que enfurecido, decide vendê-la para um teatro de fantoches de Berlim.

A desgraça do infeliz casal de protagonistas é retratada na faixa So Sad. Os bonecos se despedem entreolhando-se, fazendo juras de amor eterno. O narrador promete encontrar Victoria seja ainda em vida ou na eternidade.

O clima natalino toma conta de Budapeste. E é chegada a hora de o mais novo boneco servir ao propósito de seu criador.

Em Christmas, o público da cidade comparece em peso para ver o espetáculo natalino do incrível Mestre das Marionetes. O desgraçado escravo, perdido e melancólico depois da perda de Victoria, decide utilizar as suas últimas forças para arruinar a apresentação, não obedecendo aos comandos do algoz e quebrando o pequeno tambor de fanfarra que carregava como parte do número.

O desfecho da história é chegado em Living Dead. 

Após o fiasco da apresentação, o ventríloquo enfurecido, decide vender o narrador para uma loja de antiguidades, onde o boneco é pendurado à parede com um prego na garganta para fixá-lo.

Descobrimos então que 18 anos se passaram desde que o protagonista fora colocado ali. Retornando ao início da história, o álbum termina com os amantes eternamente separados perguntando-se a si próprios por onde o outro deve estar…

É impressionante como uma ideia bem executada é capaz de transmitir com maestria todas as nuances e sentimentos de uma obra. E posso dizer sem nenhuma dúvida que The Puppet Master realiza isso de forma satisfatória, fazendo com que a imersão ao trabalho seja plena, ainda mais se o ouvinte acompanhar as letras das canções enquanto aprecia a música.

King Diamond trouxe à tona uma história que consegue despertar aos mais atentos uma avalanche de sentimentos distintos. Junto à vocalista Livia Zita, que ingressava à banda na época, o vocalista chegou ao ápice da teatralidade, trazendo interpretações impecáveis e convincentes à obra. Inclusive, uma versão especial do trabalho fora lançada, contendo um segundo disco, onde o próprio King conta toda a história que discorri ao longo do texto.

Infelizmente, como citei no início deste texto, o álbum ao que parece passou batido, não possuindo nem ao menos um DVD de registro da turnê ou um videoclipe de algum single.

Assim, como em toda a sua extensa discografia, King Diamond entrega em The Puppet Master um álbum bastante singular e com uma história pra lá de atrativa, tendo em vista álbuns como The Graveyard ou The Spider Lullaby, considerados por muitos como os mais fracos de sua carreira. É um trabalho que merecia, e muito, uma adaptação para o cinema ou mesmo uma série.

Eu particularmente me contentaria se um dia King decidisse lançar uma antologia de livros, assim como temos com autores como Poe e Lovecraft, contendo todos os contos macabros que permeiam os álbuns.

Bom mas por hora, fiquemos com a música!

TRACKLIST:

1-Midnight

2-The Puppet Master

3-Magic

4-Emerencia

5-Blue Eyes

6-The Ritual

7-No More Me

8-Blood To Walk

9-Darkness

10-So Sad

11-Christmas

12-Living Dead

LINK DO VÍDEO: https://www.youtube.com/watch?v=fHMV7AGSXwA

Nascido no interior de São Paulo, jornalista e antigo vocalista da Sacramentia. Autor do livro O Teatro Mágico - O Tudo É Uma Coisa Só. Fanático por biografias,colecionismo e Palmeiras.