Existe um certo método que gosto de utilizar ao entrar em contato com uma banda que acabo de conhecer. Primeiro, busco ouvir o disco na íntegra junto às letras, para depois entrar em contato com o release do grupo para entender melhor a trajetória, inspirações e os conceitos por trás dos trabalhos já lançados.

E posso dizer sem dúvidas que a minha surpresa fora grande ao descobrir que a banda que apresento a vocês hoje, se trata de um projeto de um homem só. Sim meus amigos, o The Ogre é uma criação da mente fértil do guitarrista Diogo Marins, que no longíquo ano de 2010, começou a explorar e aprender por conta própria, os segredos e técnicas sobre o processo de gravação e produção musical. Foi ao tomar gosto por essas atividades que o ogro criara vida.

O primeiro registro veio em 2015 com o debut Idol Icon Black, seguido por Dead In The Water (2018), Entity (2019) e o mais recente trabalho que dissertarei a seguir, Aeon Zero de 2021.

We Ride With Demons, a faixa que abre o álbum é tão visceral que, sem demagogia, me causou certos momentos de arrepio. Tudo aqui é muito rápido, mas, ao mesmo tempo, é possível identificar muito bem as nuances de cada instrumento. O vocal por mais que de início, me proporcionou certo estranhamento, talvez por esperar algo levando em consideração a arte da capa (belíssima, diga-se de passagem), algo voltado para o gutural. Mas não pense que ele não aparece, e em momento certo, fazendo um contraponto muito interessante com essa abordagem vocálica a lá Tom Araya.

Na sequência Polybius apresenta uma atmosfera soturna e bem cativante, que faz uma antítese para a frase que se repete no decorrer da audição, “Don’t Worry, Be Happy”.  Essa deixou um retrogosto de “quero mais”.

A porradaria volta a tilintar os ouvidos com Crawling Chaos Underground. Destaque para os riffs iniciais de guitarra, que realmente passa a sensação de algo se movimentando de forma arrastada, porém rapidamente. O refrão passa a ideia de uma espécie de culto cantando em louvor a uma entidade maligna. Nesta terceira pedrada, é perceptível uma nova variação vocal, fazendo um excelente meio termo entre o gutural do Death Metal e o estilo mais ríspido do Thrash Metal. Outro ponto que causa mais arrepios, sãos as passagens de um calmo dedilhado para um retorno esmagador do ritualístico refrão que se repete até o encerramento da música.

Apesar do nome The Horrible é sensacional. Trazendo uma introdução mais arrastada e totalmente climática, é questão de segundos para que tudo se dissolva em mais momentos de pancadaria frenética. Destaque para o belíssimo trabalho de guitarras no solo, trazendo uma melodia cativante que faz ponte para o retorno ao tormento. Musicão!

Destoando das faixas anteriores, o que já afirmo, não é um demérito, Datadeity possui uma temática cibernética, tanto na sonoridade futurista, quanto no teor da letra, demonstrando uma faceta do The Ogre ainda não explorada no disco, mesclando de forma homogênea o peso da banda com o uso de sintetizadores e teclados. Senti uma ”vibe” de Stranger Things em certas passagens. Sem sombra de dúvidas, a faixa mais longa do disco é outro ponto altíssimo nessa audição, tendo quase uma abordagem progressiva.

Forgotten Mills retorna a sonoridade mais tradicional, apresentando nos primeiros Riffs algumas nuances que me lembraram do poderoso Death. Uma faixa poderosíssima que chicoteia com fúria os ouvidos do ouvinte, que, sem sombra de dúvidas, a esta altura já estará rendido à banda devido à qualidade e brutalidade impressa no trabalho.

O contrabaixo se faz presente no hipnótico início de Neon Sun, que resgata a mesma densidade sonora e meio dissonante de Polybius. A faixa chega a ser um quase diálogo entre o instrumento e a voz, que faz a ponte para o momento final do disco.

The Mountain of the Cannibal God, que baita título!

Talvez fora a faixa que me induziu ao erro ao pensar que o The Ogre se tratava de uma banda de Death Metal (o que seria uma conclusão muito básica da minha parte).  Talvez a rápida olhada na parte de trás do disco, quando meus olhos bateram logo de cara nesse título tenha se convertido nessa interpretação.

Em relação à música, só consigo afirmar: que final épico para este disco. A Atmosfera aqui, ao mesmo tempo em que soa grandiosa, traz um clima opressor, como se o próprio Deus canibal do título, estivesse berrando do alto da montanha, em uma música com uma forte pegada que me remeteu em partes aos gregos do Septicflesh.

Ah meus amigos, como é bom e fácil escrever um texto quando o material que se tem em mãos, ou, em ouvidos (risos), apresenta uma qualidade ímpar. Ressalto ainda, o quão é gratificante termos uma banda como o The Ogre para chamar de nossa!

O disco é extremamente cativante e não se limita a uma única vertente do Metal Extremo, conseguindo unir o peso, com experimentalismos, sem soar de forma forçada. Ao final Aeon Zero resulta em um trabalho onde a diversidade impera com força brutal e qualidade ímpar.

A mixagem é prá lá de competente, e como mencionado em parágrafos anteriores, faz com que o ouvinte consiga captar plenamente cada nuance de cada instrumento utilizado. Em relação ao material físico há um grande fator a se considerar.

Recebi o cd graças à prolífera parceria que temos com o pessoal do Som do Darma, que me proporciona essas experiências tão singulares com as bandas que lutam em nosso tão prolífero underground nacional.

Mesmo sendo uma edição simples, este trabalho do The Ogre compensa a simples embalagem (fora com o conteúdo incrível sonoramente falando e a belíssima arte de capa), com adesivos e uma palheta, artefatos simples, de baixo custo, mas que deixam marcas profundamente positivas a quem recebe, ou adquire o material da banda tornando esse pequeno gesto em uma experiência memorável.

Aeon Zero é um trabalho memorável para àqueles que amam todas ou grande parte de tudo o que o Metal abrange. É mais um cala boca vindo do vórtice infinito do underground brasileiro, para os imbecis que clamam a plenos pulmões que o Heavy Metal nacional se resume a apenas algumas bandas (que literalmente, não são nem a metade do que um dia foram) ou então que o gênero jaz morto em terras tupiniquins.

Atualmente, Marins uniu forças com o baterista Alfredo Carvalho e o baixista Gabriel Salgado, para trazer à tona todas as multifacetadas camadas que envolver a sonoridade do The Ogre. Espero que um dia este que vos escreve possa ter a oportunidade de presenciar esse verdadeiro caos sonoro.

RECOMENDADÍSSIMO!

Tracklist
1- We Ride With Demons
2- Polybius
3- Crawling Chaos Underground
4- The Horrible
5-  Datadeity
6-Forgotten Mills
7- Mills Neon Sun
8- The Mountain of the Cannibal God

 

Nascido no interior de São Paulo, jornalista e antigo vocalista da Sacramentia. Autor do livro O Teatro Mágico - O Tudo É Uma Coisa Só. Fanático por biografias,colecionismo e Palmeiras.