Ter um disco em mãos é sempre um diferencial, mas ter um disco físico da Alkanza em mãos é mais especial ainda, principalmente tendo recebido ele diretamente da banda após uma exibição do trabalho para um seleto grupo de convidados. Obviamente que ações como essa, que a Alkanza sempre trata de proporcionar para com a mídia dedicada a cena Undergroud, rendem pontos adicionais a banda, então já ouvimos o disco com uma atenção redobrada e escrevemos nossas resenhas com um cuidado quase fraternal. Lembrar da recepção que tivemos (com boas e geladas cervejas) e do tratamento recebido (com conversas francas e salgadinhos) nessa audição só provou que sempre que estamos com a Alkanza estamos em festa, e isso puxa o emocional a flor da pele e torna a banda especial para nós.




Quando ouvi Caos Codificado pela primeira vez, no estúdio, minha reação foi de “uau“. Fiquei impressionado, de cara a banda demonstrou uma grande evolução em consideração aos trabalhos anteriores, mas ao mesmo tempo notei, principalmente ouvindo repetidamente nos dias seguintes, que a banda ainda se prende a velhos vícios. Apesar de ter se soltado mais na criatividade das linhas de guitarra e ter mostrado riffs realmente dilacerantes ao longo do disco, vejo que a banda teve uma queda quanto a questão letrística, rebuscando excessivamente a utilização de termos já usados anteriormente e também de jargões um pouco clichês. Entendo, no entanto, que as letras deixam claras as mensagens que a banda desejou passa nesse disco, tratando de conceitos mais intimistas, apresentando a visão da banda quanto a sociedade. Em Colonizados Pelo Sistema, o foco foi a manipulação imposta pelo estado frente a sociedade. Já em O Céu da Boca do Inferno a banda se colocou junto a sociedade para enxergar o caos em que estamos afundados. Outro ponto que me incomodou foi que a banda abraçou uma fórmula e a utilizou em boa parte das composições: intro, primeiro verso, refrão, segundo verso, refrão e outro. Esperava ver esse padrão quebrado mais vezes, trazer o inesperado com mais frequência ao ouvido, pois as vezes que a banda resolveu arriscar e romper esses paradigmas musicais eles acertaram em cheio (neste e em discos anteriores).

Mas isso não ofusca o mérito que é que Alkanza deu um salto técnico e criativo com seus novos guitarristas, Renato Lopes e Pedro Souza, enquanto Thiago Bonazza gravou linhas de baixo seguras e sem firulas, coisa seca e precisa, além de ter aprimorado monstruosamente seu vocal, muito mais compreensível ao ouvido mas não menos agressivo, muito pelo contrário. É notório ver como a banda progrediu ao passar a contar com composições de mais de uma mente, entrando ideias diferentes em cada música e resultando numa mistura insana e funcional. Como dito por Bonazza, “é o primeiro disco da Alkanza, e não apenas meu”, declaração que enfatiza também a confiança do líder da banda em seus companheiros. Além disso, vale ressaltar o mérito do trabalho de Orland Bússolo Júnior, que comandou a produção e todo o after no Orland Studios e colocou a banda em outro patamar. Gravação de primeira linha, moderna e que dá gosto em ouvir. Tudo perfeitamente alinhado e afiado, baixo surgindo bem para segurar os cortes das guitarras, vocal muito bem trabalhado com diversas trilhas que se encontram perfeitamente, e claro, um trabalho de bateria executado com primor pelo ex-membro da banda Ramon Scheper.

A faixa de abertura é a que dá o primeiro choque de realidade no ouvinte, já deixando clara as novas tendências do grupo. “Vala ou Viela” já era forte ao vivo e ganha mais força ainda abrindo Caos Codificado. “Por Todos Nós” tem um tremendo início e sublinha que o ponto forte nas novas músicas são justamente os riffs de abertura. Apesar de rebuscar a fórmula já mencionada, a banda mestra ela e sabe como introduzir suas canções. Outro destaque fica na forma como a banda trabalha as saideiras, sendo nesses momento que ela busca e consegue quebrar expectativas, como vemos especialmente em “Desistir? Jamais!”, já que era totalmente inesperado uma pegada toda trabalhada no doom sabbathico que muitos amam para encerrar a primeira trinca do disco.

“Colonizados” foi a faixa que mais manteve as antiga faceta da banda, principalmente por trazer em seu título um termo que se tornou marcante na história da banda, o que gera uma sensação nostálgica. Mas a faixa seguinte foi a que me ganhou desde sua primeira execução ao vivo. Número 5 no álbum, “Enganando o Destino” é caótica e sinistra desde seu começo (ouça no vídeo a seguir). Tem uma construção pesada e violenta, até que encontra a segunda sessão de solo no disco, tendo sido os primeiros (executados por ambos os guitarristas) na faixa #2. A ausência de solos pode causas estranheza a alguns ouvintes, mas vejo como uma tendência contemporânea que a Alkanza se adequou: músicas diretas, sem encheção de linguiça, mostrando o peso que tem que mostrar e fim de papo.



“Primitivo Canibal” é outra trilha fortíssima e agressiva apresentada em Caos Colonizado. O vocal e o refrão é o chamariz aqui, tendo muita pegada e que já provou funcionar muito bem ao vivo. “Moendo Ossos” quase deu nome ao disco, e creio que a razão disso seja pela intensidade da faixa, que é sem dúvidas uma das melhores do álbum. Ótimos riffs, um refrão para ser cantado pelas massas e inclusive com uma letras que faz boas analogias e reflexões.

A faixa #8 é uma que chama atenção desde o primeiro instante em que lemos o título: “Alkanza”. Obviamente que para o hino da banda esperamos algo que seja com a mesma intensidade que já conhecemos do grupo, mas é aí que somos surpreendidos. Um groove bem puxado pro blues rock com altas doses de distorção fazem a base para os versos que narram do posicionamento de resistência da Alkanza, que se coloca mais do que uma banda, mas um grupo que tem o Metal como religião, que bate forte e segura o rojão. Ah, e não ache que a banda ia deixar de colocar pancadaria no seu hino, não. São três minutos e a banda não ia deixar que pelo menos o último não fosse uma trocação de soco na sua mente.

O começo sombrio e tenso de “Mundo Insano” traz lembranças de bandas gigantes do imaginário popular, mas a realidade é que temos uma tremenda canção da Alkanza pela frente. Nessa aqui o destaque fica na explosão caótica que é o refrão. Falando em destaque, nenhuma música do disco bate a bestialidade que é a finaleira experimental “Entre Órfãos e Bastardos”, faixa que bebeu doses daquilo de melhor que o Metal contemporâneo oferece e lhe deixa de queixo caído logo nos primeiros segundos. A faixa é um som que ainda faltava na coletânea da Alkanza e é um espetáculo técnico das guitarras e da bateria, que somam de forma tão cavalar peso e qualidade que me fazem lamentar ter apenas 2:47 de duração. Fica a expectativa de que a banda volte a seguir esse caminho em composições futuras por se isso foi apenas um teste, pode ter certeza que funcionou.

É um disco difícil de se falar pouco, mesmo tendo rápidos 31:45. Conhecendo a banda a anos e tendo acompanhado de perto os passos turbulentos e intensos dados pela Alkanza ao longo desse tempo, posso afirmar que a banda alcançou um novo ápice e tem tudo para alcançar grandes vôos com Caos Codificado. É um disco que deve colocar novamente a banda como destaque do ano em inúmeros portais, já que soube trabalhar com louvor seu estilo próprio, inspirações tradicionais e influências modernas em um álbum que marca o fim de um ciclo e a abertura de um novo portão de desafios para a Alkanza.

FORMAÇÃO
Thiago Bonazza – contra-baixo e voz
Pedro Souza – guitarra e backing vocal
Renato Lopes – guitarra e backing vocal
Ramon Scheper – bateria

TRACKLIST
01. Vala ou Viela
02. Por Todos Nós
03. Desistir? Jamais!
04. Colonizados
05. Enganando o Destino
06. Primitivo Canibal
07. Moendo Ossos
08. Alkanza
09. Mundo Insano
10. Entre Órfãos e Bastardos
Onde há espaço para escrever, tenha certeza que irei deixar minhas palavras. Foi assim que me tornei letrista, escritor e roteirista, ainda transformando minha paixão por música em uma atividade para a vida. Nos palcos, sou baixista da Dark New Farm, e fora deles, redator graduado em Publicidade e Propaganda para o que surgir pela frente.