Existem bandas que a cada novo trabalho lançado, faz o ouvinte se perguntar se há a possibilidade de que o que acabara de ouvir pode ficar mais pesado. E é com esse sentimento que embarco em mais uma sanguinolenta, mórbida e cruel viagem, ao cerne do universo do Daimonos, com o novo disco, Murder.

Tudo começa com BLOOD SPLATTER. Um início groovado, com Riffs arrastados, que logo abrem espaço para a saraivada vocálica de Mirella Jambo, enquanto as guitarras estridentes de Lucas Daniel ecoam ao fundo. Aqui, a vocalista parece encarnar a figura de um perito criminal que acaba de adentrar a cena de um mórbido crime, onde uma mulher é extremamente violentada por uma faca, tendo uma moeda de cinquenta centavos deixada ao lado do corpo. Destaque para o cativante breakdown que toma conta da faixa do meio para o final. Mal terminara de ouvir a música, e já corri para pesquisar se de fato existe, ou existia, um sádico com esse modus operandi. Pessoalmente, adoro quando a temática lírica me faz sair dos âmbitos musicais a procura de informações que complementem a mensagem, ou mesmo, me mostrem a inspiração para a letra.

Na sequência, somos arrebatados com a mordaz faixa título. MURDER mordisca os ouvidos com seus riffs galopantes. É impossível não imaginar os famigerados mosh pits, quando os vocais se iniciam, apresentando um diálogo entre vítima e assassino. E aqui temos uma prova da versatilidade de interpretação de Jambo, que sozinha, consegue emular perfeitamente ambos os personagens de forma distinta.

THE 213 CANNIBAL fora o primeiro single lançado pela dupla para divulgar o trabalho. A faixa, coloca o ouvinte “frente a frente” com o serial killer Jeffrey Dahmmer que narra todas as atrocidades que cometeu, como se estivéssemos ouvindo aquelas icônicas fitas de depoimentos vistas em inúmeros filmes ou documentários True Crime.

Em KILLER CLOWN, Mirella adiciona certas pitadas de pig squeals nos vocais, enquanto encarna a persona de outro maníaco, dessa vez John Wayne Gacy.

A angustiante AUTOPSY OF A LIVING CORPSE pode até soar cruel em seus primeiros instantes, que mostram um aspirante a legista doente abrindo um indivíduo em carne viva. Mas, é prestando bem atenção em uma determinada passagem da letra, que se pode encontrar um verdadeiro plot twist, que pode, ou não, justificar tal ato (tudo depende do seu senso moral).

ANTROPOPHAGY possuí uma bela introdução cheia de Swing e riffs de uma malignidade ímpar. E é justamente essa malignidade que casa perfeitamente com à ode, quase uma veneração ao ato de degustar a carne humana alheia, contida nos versos da faixa.

O pescoço balança com gosto com a rítmica introdução de NECROPHILIC VIOLATION, que pelo menos ao meu ver é a faixa mais veloz de todo o disco. Um grito de ódio incontido de um assassino que confessa ter aniquilado um molestador de crianças. A letra funciona quase como uma jura de nunca descansar até a última migalha dos restos mortais do maldito não forem violadas, assim como o mesmo fazia em vida com as suas vítimas.

Em INTRANCANIAL TRAUMA o Daimonos segue a tradição dos feats. E o convidado da vez é Djavan Fernandes, vocalista da Grindcore Godzilla Extravaganza, cujo último álbum, também lançado em janeiro de 2024, Reflexos da Ignorância Humana, teve a colaboração de Lucas na parte instrumental das composições. O trio presente na faixa, também integra o excelente Captain Spaulding’s Kitchen, uma cria bastarda resultante da cruza entre as sonoridades e influências de ambas as bandas. Ao final, pode ser que esteja enganado, mas a música me remeteu a algo meio Krisiun.

Estando quase ao final do caminho, é difícil decidir quais faixas mais me agradaram até então, mas sem sombra de dúvidas, a que mais me marcou fora HUMAM DEFILEMENT. Justamente por talvez ter um refrão mais grudento, que cativa logo de primeira. Em relação a temática, posso afirmar que nunca o termo “lobo em pele de cordeiro” fez tanto sentido quanto neste exemplo citado na canção.

Por fim temos a apoteótica SCALPED AND STRANGLED, que funciona quase como um poema sádico escrito por um maníaco, declamado entre um instrumental arrastado e doloroso, assim como as barbaridades descritas nos versos que compõem a última pedrada do disco. Destaque pelo interessantíssimo lick que surge em meio aos urros em 02:08…
Lançado oficialmente em 14 de junho de 2024, o sexto registro do Daimonos fora gravado em dois momentos distintos, sendo os instrumentos todos gravados por Lucas em 2023 e os vocais de Mirella em abril deste ano. A mixagem, cada vez mais evolutiva, diga-se de passagem, ficou a cargo de Yves Pimentel, parceiro de longa data do estúdio Insanity Death Records.

Já a incrível arte de capa, é cortesia de Bruno Oliveira, que além de atuar como designer também atua como baixista nas apresentações ao vivo da banda.

Quem acompanha o meu trabalho, sabe o quanto estimo e respeito Daniel e Jambo. Por isso, é sempre um prazer ser surpreendido com cada lançamento anual da banda, que parece desconhecer o significado de bloqueio criativo. De verdade, eu gostaria muito de saber de onde advém todo o sadismo e perversidade, que inundam cada verso de cada canção, sempre com mais e mais intensidade, além de é claro, todas as ideias mirabolantes de riffs, Grooves de baixo e pegadas de bateria.

Mais do que peso, Murder consegue acima de tudo, transmitir angustia, graças aos lamuriantes timbres de guitarra de Lucas (que por alguma razão me remeteram a icônica Freedom of Expression de J.B Pickers) em certas passagens distintas no decorrer de cada composição. Tudo isso embalado com a atmosfera típica de um bom livro, filme ou podcast sobre crimes da vida real. A mixagem, como já mencionado anteriormente, é primorosa, conseguindo extrair todo o poderio sonoro da banda, com clareza e peso.

Respondendo a minha própria pergunta do início deste texto, sim, o Daimonos pode sim se superar a cada novo registro, e com Murder não seria diferente. Claro que tudo é ainda melhor, quando se presenciam novos elementos, tanto vocais, quanto instrumentais, que proporcionam um tempero a mais e aguça a atenção do ouvinte para novas audições…

Tracklist:
1- BLOOD SPLATTER
2- MURDER
3- THE 213 CANNIBAL
4- KILLER CLOWN
5- AUTOPSY OF A LIVING CORPSE
6- ANTROPOPHAGY
7- NECROPHILIC VIOLATION
8- INTRANCANIAL TRAUMA
9- HUMAM DEFILEMENT
10- SCALPED AND STRANGLED

 

Nascido no interior de São Paulo, jornalista e antigo vocalista da Sacramentia. Autor do livro O Teatro Mágico - O Tudo É Uma Coisa Só. Fanático por biografias,colecionismo e Palmeiras.