Pode ser que, nas últimas semanas, você tenha sido impactado(a) por um lançamento em específico que chamou a atenção, sobretudo pela curiosa narrativa do projeto Hungrs, unindo não só duas gerações, mas também pai e filho.

Formado por Marcos (44) e Lucca (16), o projeto, que teve início no segundo semestre de 2024, é, em partes, a continuação de um antigo sonho com um novo propósito. Isso porque, segundo Marcos, em sua juventude, ele já havia tido bandas e sonhava em trilhar um caminho na música, mas, assim como para uma grande parcela de pessoas, a vida e suas demandas vão desenhando outros espaços, que muitas vezes colocam esse desejo na prateleira.
O tempo, assim como a vida, trouxe a Marcos uma nova perspectiva através de Lucca, uma forma de se ver reconectando a esse universo, inicialmente naquela expectativa e desejo de poder compartilhar com o filho os mesmos gostos, como a música e os shows. Porém, o tempo foi ainda mais generoso, criando também curiosidade e vontade musical, aliadas a um grande talento, que se tornou uma janela de oportunidade para um recomeço: era um momento em que Marcos via a possibilidade de não só incentivar seu filho, mas, com maior maturidade, poder se ver tirando da prateleira seu grande sonho de outrora.
Com isso, nasceu a Hungrs, projeto em que Marcos assume os vocais e Lucca mostra toda a potência da nova geração, ao assumir a bateria, guitarra e baixo. Mas, mais do que uma chamativa capa de livro, o mais interessante não está apenas em sua bonita narrativa, mas na realidade sonora à qual somos convidados a imergir, à medida que o álbum se desenrola.
Simbiose inicia com algo simples, às vezes esquecido, porém sempre certeiro: um prelúdio lento com cadências crescentes e um pequeno monólogo abafado (soslaio), que prende a atenção justamente por ser forte o suficiente para capturá-la, mas ao mesmo tempo sem revelar para qual direção o ouvinte será levado ao longo da obra. Em uma transição sinistra e direta, Live Again chega como um petardo no ouvido, com o peso do new metal entre suas batidas e riffs pesados que imediatamente te fazem bater a cabeça e lembrar de nomes como Slipknot, Korn, Deftones e Tremonti, somados às alternâncias entre a voz gutural pesada e a voz limpa de Marcos, que, em alguns momentos, chega a transmitir todo o peso de um sentimento de agonia que vai se dissipando em seus gritos, como alguém que realmente experiencia suas palavras sobre estar “vivo novamente”.
E se você acha que apenas essa primeira música te dá uma boa ideia do que esperar, The Seeker te mostra o contrário, acelerando ainda mais entre um início provocativo que já diz: “Prontos ou não, aqui vou eu”. Com um refrão que gruda na cabeça, é interessante perceber como a parte limpa da voz de Marcos muitas vezes se assemelha a um spoken word, que ganha muito ritmo nas linhas e batidas de Lucca, despontando em um forte breakdown seguido de um solo que praticamente materializa um mosh na sua frente.
Com um Groove envolvente, Somebody Says parece uma mensagem a todos aqueles que desacreditam e descreditam os sonhos e percepções alheias, com gritos potentes de Marcos que parecem ser um apontamento direto a tais “vozes”. A faixa se encerra diminuindo sua cadência em uma coda que leva a um estado de tranquilidade à medida que a desaceleração ocorre.
Far From Home inicia então em um ritmo mais lento, trazendo até a percepção de ser a “balada” do álbum, com um ritmo que vai crescendo até despontar em seu refrão, que vai da voz limpa ao gutural e, mesmo em uma música mais lenta, não deixa de fora os elementos agressivos e marcantes da sonoridade do Hungrs. Já em Entwined, a velocidade e pancadaria retornam, com uma percussão e linhas frenéticas rolando até certas pequenas pausas ao longo da música, que criam esse espaço de tensão antes do breakdown principal, reforçando o quão difícil é ouvir o som sem se pegar movimentando a cabeça.
Born and Raised é outra que começa extremamente agressiva, com as batidas da bateria já dando essa ideia de que é outro título de grande força, representado ainda em gritos, falas mais graves e guturais por Marcos, em contraposição a outras faixas em que talvez essas partes teriam sido cantadas em voz limpa. Outro destaque se dá pelo próprio tema abordado na música, que faz referência e crítica à tecnologia, como inteligência artificial e as mídias sociais.
Em Shades of Sorrow, temos também um prelúdio de vários elementos sonoros, somados à crescente da bateria, em um movimento de desaceleração/aceleração presentes na voz ao longo da música, que causa uma “quebra” em relação ao que talvez se passaria a esperar das outras músicas, mostrando a contínua diferenciação dos ritmos encontrados ao longo do álbum.
Guilt From Yesteryear é outra faixa que toma seu tempo até as primeiras letras saírem da boca de Marcos, em uma crescente sonora e, assim como em Born and Raised, mantendo uma voz mais grave na maior parte, até algumas partes mais limpas no refrão, que gruda na cabeça rapidamente, antes de chegarmos a um breakdown com direito ao clássico “GO”, presente em algumas músicas e que sempre casa muito bem ao ritmo, em meio a riffs e uma cadência sinistra de Lucca.
Wordless é outra pedrada que mal te dá tempo de respirar, do início ao fim, com muita agressividade, viradas e talvez uma das mais pesadas do álbum, muito em conta, talvez, por um som mais abafado em alguns momentos na voz de Marcos.
Chegando para dar um respiro, Mono No Aware traz uma batida mais lenta e melancólica, quase como que preparando o ouvinte para o derradeiro fim, onde um dos destaques fica também por conta das linhas de orquestra que, assim como em Far From Home, são feitas por Vithor Moraes, do Armiferum, dando um elemento diferencial em contraposição às outras músicas do álbum.
Fechando com Simbiose, música que carrega o nome do álbum, temos ainda uma grata surpresa, não apenas pela continuidade da orquestração, mais em evidência, mas por toda a produção da faixa enquanto algo puramente instrumental, flertando com um progressivo que parece dar a ideia de que ainda existem muitas cartas nas mangas do projeto e que este começo, apesar de ter sido extremamente assertivo no que tange a dar um cheiro sobre o que é o Hungrs, ao mesmo tempo te mostra que há muito a ser explorado.
Segundo uma rápida definição, Simbiose é: “Uma relação ecológica intensa e duradoura entre dois organismos de espécies diferentes. Essa interação pode ser benéfica, neutra ou prejudicial para os envolvidos.” Após conhecer a história de pai e filho e ver a união de ambas as gerações (magistralmente representadas nas artes tanto dos singles quanto da capa do álbum, feitas por Bidin Katipoğlu), fica claro que esta é uma relação que transcendeu a convivência e passou a se manifestar também nos campos da expressão e simbolismo musical, onde tanto um passa a retomar um sonho pausado quanto o outro passa a navegar em um novo mundo ao lado de alguém de grande confiança. E o resultado final é, sem dúvidas, um grande álbum que vale a pena dar um play.