Começamos minha primeira resenha de 2023 com uma banda apresentada a mim pela prolífera parceira com meus amigos do Som do Darma.

E o universo pelo qual enveredarei, é pertencente a uma banda que reside em uma cidade muito próxima a este que vos escreve. Advindo de Americana, São Paulo, hoje apresento a você amigo leitor, o som do Deep Memories.

Formada em 2016 por apenas um único integrante, a banda consolidou-se como um dos principais nomes do Melodic Death/Doom Metal brasileiro pela originalidade sonora e complexidade melódica.

O criador Douglas Martins é um velho conhecido da cena metal brasileira. Entre 1996 e 2005 fez parte da banda Desdominus (Melodic Death/Black Metal). Atuando como guitarrista e vocalista, gravou o primeiro álbum do grupo intitulado Without Domain lançado em 2003.

Após um hiato na carreira musical, Douglas  voltou a ativa com o Deep Memories através do lançamento de um EP com duas canções intitulado In Too Deep…, que trouxe grande visibilidade à banda, possibilitando a assinatura de contratos para o lançamento mundial do futuro álbum  de estreia.

Trabalho este, que veria a luz do dia em 2018. Rebuilding The Future causou uma impressão muito positiva, recebendo na época elogios e altas avaliações da imprensa especializada, tornando-se em pouco tempo em um grande classico do Doom Metal brasileiro.

Em junho de 2019, o Deep Memories participou de uma compilação em DVD chamada Imperative Music Compilation Vol#16 ao lado de bandas como o Belphegor, Vader e Suffocation.

Pois bem meus amigos, eis que agora tenho em mãos o segundo trabalho do projeto. Te convido a vir pelos próximos parágrafo junto a mim e juntos descobrirmos o que este disco pode nos oferecer…

O disco começa de forma bastante melodiosa, com licks de guitarra que podem passar a sensação de estarmos em um túnel escuro prestes a sermos acertados por um trem vindo em nossa direção. E a explosão da entrada definitiva de Enslaved by Reciprocity Obligation desperta o ouvinte, como quando acordamos abruptamente de um pesadelo.

A temática da canção parece uma espécie de guia vindo de uma versão futura do próprio eu lírico para sua encarnação passada. Quase um diálogo de frente para um espelho, porém o reflexo do outro lado estando em uma época passada.

Uma faixa belíssima que carrega três elementos distintos, mas muito bem utilizados durante toda a audição do álbum. São eles: a melancolia, o peso fúnebre do Doom Metal e belíssimas melodias. O duo de vozes que se alternam entre guturais e passagens mais limpas, causam mais um contraste interessantíssimo, como um embate entre luz e sombra. Excelente começo de audição!

Please Do Not Close The Coffin! chega na sequência com um riff mais arrastado, carregado de algumas nuances mais felizes, que gosto de pensar que foi utilizada aqui com certo sarcasmo. Aqui, temos uma belíssima reflexão sobre a morte e todos os ritos de passagem que nos acometem em momentos em que ela nos assola.

Se não fosse pelo retorno dos guturais no decorrer da canção, esta faixa tem toda uma aura e certas linhas melódicas dos vocais mais limpos, que me remeteram a Opus Eponymous, disco de estreia dos suecos do Ghost.

Get Away From Poison logo de cara apresenta um belíssimo dueto de guitarras em uma atmosfera densa, como a chegada repentina de uma tempestade em meio a um dia de sol, em que o céu azul de outrora é lentamente consumido pela escuridão.

E é este contraste que se faz presente na temática da canção, apresentando inúmeras reflexões sobre as escolhas que tomamos ao decorrer dos anos, que hora nos fortalecem e outrora se tornam feridas que podem nunca serem estancadas…

Outro momento belíssimo e melancólico se aproxima com as primeiras melodias de Uncontrolled Cells Multiplication. Logo, outra explosão sonora arrebata o ouvinte e os vocais guturais de Martins entram em cena, parecendo destilar ainda mais ódio e desespero do que visto em faixas anteriores.

E meus amigos, que faixa linda!

Afirmo isso tanto pela sonoridade fantástica que exala da música, quanto pelo conteúdo da letra. Aqui somos apresentados a outra triste situação que muitos de nós já passamos, ou ainda infelizmente teremos de passar: ver aqueles que amamos sofrerem por uma enfermidade, sem ao menos podermos fazer algo a respeito.

Destaque para o incrível refrão onde vocais limpos e guturais novamente se encontram em uníssono. Sério, acompanhem a letra atenciosamente e, com toda certeza, sentirão os mesmos arrepios que senti ao descrever este momento da audição.

DEEP MEMORIES: primeiro lyric video retirado de 'Rebuilding The Future' é lançado - Roadie Crew

De forma complementar a temática da faixa anterior, Why Do We Suffer? traz uma atmosfera acústica pra lá de cativante, com uma pegada quase western, que devido a sua curta duração, deixou este que vos escreve  com o anseio de permanecer imerso por muito mais tempo nesta climatização.

Prerrogatives or Exceptions apesar de não se tratar da última faixa do álbum, ao menos coloca uma conclusão a toda a temática que engloba o trabalho. Ela Traz a afirmação de que o sofrimento é algo cíclico e sem fim, começando a partir do momento em que  geridos nos úteros de nossas mães, passando pelo decorrer da vida, até a morte e o reinício de tudo com em outras encarnações. Sofrer é o principal fator por trás de cada ação, glórias e quedas, sendo também um preço que poucos são capazes de pagar…

Enquanto digerimos tudo que acabamos de receber de forma tão competente e cativante, instrumental A Rocket To Homeland aos poucos nos vai trazendo de volta a realidade.

Lançado em setembro de 2022, Why Do We Suffer? foi concebido no AJM Studio na cidade de Americana, São Paulo. Já o lançamento em CD foi realizado pelo selo Heavy Metal Rocks, parceiro de longa data também pertencente a cidade, em uma tiragem de 500 cópias.

A gravação de todos os instrumentos, vozes, produção do disco e masterização ficaram a cargo de Douglas Martins. Já a capa do álbum é obra do artista iraniano Agreen Paymazd, simbolizando a carga emocional gerada a partir do sofrimento humano.

Em suma meus amigos, posso dizer sem sombra de dúvidas, que Why Do We Suffer? do Deep Memories é um disco riquíssimo em musicalidade, diversidade, climatizações, lirismo e muito mais.

É evidente o empenho e habilidades de Martins na construção da obra, trazendo além da execução, uma produção sólida que consegue evidenciar todos os elementos sonoros e temáticos que o projeto demanda, tornando-o assim mais um exército de um homem só que o underground brasileiro pode orgulhosamente chamar de seu.

Embarque sem medo a este turbilhão de emoções, munido de bons fones e sempre com as letras em mãos . Recomendadíssimo!

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Tracklist
1- Enslaved by Reciprocity Obligation
2- Please Do Not Close The Coffin!
3- Get Away From Poison
4- Uncontrolled Cells Multiplication
5- Why Do We Suffer?
6- Prerrogatives or Exceptions
7- A Rocket To Homeland 

Nascido no interior de São Paulo, jornalista e antigo vocalista da Sacramentia. Autor do livro O Teatro Mágico - O Tudo É Uma Coisa Só. Fanático por biografias,colecionismo e Palmeiras.