Quando uma banda decide se reunir para uma turnê comemorativa trazendo todos os integrantes de volta ao palco é sempre um evento catártico. Esse fenômeno apesar de muito comum no exterior ainda caminha a passos lentos em território nacional. E meus amigos, depois de presenciar (mesmo do sofá de casa) o que foi a última das três noites de apresentações dos Titãs no Allianz Parque, não pude me conter para escrever as minhas impressões.

Quem acompanha meu modesto trabalho aqui n’O Subsolo, sabe que o grupo paulista é a minha banda favorita do Rock brasileiro, devendo essa ser a minha terceira ou quarta resenha sobre eles. Ah, e qual foi a minha satisfação ao divulgar de forma totalmente eufórica quando o anúncio da turnê Titãs Encontro fora feito em novembro do ano passado. E como o tempo voa meus amigos, junho parecia estar tão distante…

Bom, consequências do mundo moderno a parte, aqui vale citar a redenção do canal Multishow em relação à transmissão do evento, situação mil vezes melhor do que a ocorrida em 2012. E esta foi uma daquelas situações onde o clássico dito popular “há males que vem para o bem”, pode ser aplicado com perfeição, tanto para o canal quanto para o grupo. A apresentação daquela noite, que ocorrera nas imediações do Espaço das Américas,de fato fora bem irregular. Primeiro, pois a banda não priorizou de certa forma o reencontro, colocando os antigos membros em segundo plano, com um set a parte. Segundo, verdade seja dita, peloo desempenho com Arnaldo Antunes, Charles Gavin e Nando Reis tudo parecia não ter sido muito bem ensaiado, mas essa sensação pode ter sido passada, devido aos inúmeros problemas técnicos enfrentados naquele dia em especial.

Encerramento do show de comemoração de 30 anos em 2012.

Para corrigir de forma magistral os erros cometidos e comemorar os quarenta anos de existência, em parceria com a produtora 30e (que está de parabéns pela iniciativa, tendo em vista um país com um cenário totalmente avesso a tal estrutura), os sete membros originais entraram em uma turnê que rodou o país inteiro e ainda se aventurará por terras estrangeiras. Dessa forma a banda teria tempo hábil para ensaios, entrosamento e testar tudo o que poderia funcionar ou não na hora do vamos ver. Para suprir a vaga deixada pelo saudoso Marcelo Fromer  nas guitarras, o septeto acertadamente recrutou o lendário músico e produtor Liminha, figura importantíssima, amigo de longa data e responsável pela produção dos grandes discos da carreira dos Titãs, cujas faixas permeiam o repertório do espetáculo. E por falar nisso, o palco é outro ponto pra lá de positivo, com uma estrutura de ponta, que se não me falha a memória, nenhum artista do nicho jamais teve antes, o que demonstra ainda mais respeito tanto para o artista quanto para o público pagante.

Obviamente, todo o uso da parafernália e a logística necessária para levar e montar o palco da turnê Encontro refletiu-se no valor dos ingressos. Infelizmente, não foi dessa vez que pude conferir o evento da pista. Por outro lado, ver da TV não foi totalmente uma má ideia, tendo em vista as baixas temperaturas que nos acometeram nas últimas semanas…

O show se inicia com a programação rítmica de Diversão,com cada integrante subindo a extensa passarela que sobrepunha o palco, destacando as siluetas tão singulares de Arnaldo, Branco, Britto, Charles, Miklos,Nando e Bellotto. Vale destacar que todas as canções executadas na noite, foram reproduzidas fielmente às versões originais presentes nos discos.

Na sequência, a clássica puxada de bateria para os riffs de Lugar Nenhum é executada, e ah meus amigos, como é f#oda ver essa faixa sendo cantada por Antunes, que até deu algumas derrapadas no andamento, mas que em nada tirou a satisfação deste que vos escreve por ouvira a célebre frase: “Brasileiro o quê? Brasileiro é o Caralho, o Caralho!”. Fechando a trinca inicial de músicas de Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas (1987), Desordem trouxe a vitalidade inabalável de Sérgio Britto em mais uma execução deste clássico atemporal.

Eis que o Titã de nove vidas Branco Mello assume o microfone. Recuperado de uma batalha longa contra um câncer, ele celebrou a vida e mesmo com a rouquidão proporcionada pelo tratamento, a voz agora cavernosa do cantor trouxe um toque a mais para outra pedrada, Tô Cansado de 1986.  E por falar em cansaço, este parece que passou longíssimo da banda. Nem parecia que a noite de ontem fora a terceira apresentação seguida no célebre estádio Palmeirense.

Nando Reis. Está aí um “cara” que merece todo o meu aplauso. Reconheço que ele sempre fora o meu membro menos predileto dos Titãs, talvez pelas canções em que este aparecia nos registros, sempre traziam uma sonoridade que “destoava” (com muitas aspas), do peso que a banda buscava imprimir a partir do terceiro trabalho de estúdio, sempre trazendo algo que flertava com Ska ou Reggae. Mas ontem, o que vi não fora o artista dos grandes hits melosos da atual MPB Pop em voz e violão (essa faceta ainda aparecia no decorrer do show). Na noite de 18 de junho (assim como nos shows anteriores, creio) aquele era o icônico baixista e vocalista do grupo, munido com o lendário baixo Factor vermelho e tocando com vigor e alegria iminente todas as linhas que o consagraram como uma das melhores “cozinhas” do Rock brasileiro ao lado de Gavin. Nando simplesmente arrasou tanto nos clássicos pesadíssimos como Igreja, Nome aos Bois e Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas, como nas sonoridades mais amenas inclusas mais a frente no repertório.

Por falar em Charles Gavin, posso dizer que o desempenho do baterista fora impecável. Andei avistando muitos comentários internet a fora, a respeito do semblante sempre sério do mestre das baquetas durante a turnê. Mas amigos, pela visão privilegiada que tive, pude constatar que o que chamaram de seriedade, chamo de concentração absoluta.

Homem Primata trouxe o coro enlouquecido daqueles que vivem e se perdem no cotidiano da selva de pedra na capital paulista. Já Estado Violência trouxe uma pitada Funk ao Rock do grupo, tendo mais uma vez o contrabaixo de Reis como destaque.

A poesia concreta também teve seu espaço com O Pulso e Comida. E fechando a primeira parte do espetáculo com chave de ouro, Branco canta Eu Não Sei Fazer Música e a ritualística Cabeça Dinossauro, com direito a presença de Expressão de um Homem Urrando de Leonardo Da Vinci nos telões.

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Com o rápido apagar das luzes, o palco sofrera algumas modificações para o segundo ato.Quando acesos novamente, os canhões de luz agora iluminavam um pequeno cenário para a retomada da banda, que agora iniciaria uma pequena homenagem ao Acústico MTV, registro de sucesso estrondoso que alavancou ainda mais os Titãs,  apresentando a obra do grupo para as novas gerações no final dos anos 90.

Naquele momento a banda ficou ainda mais próxima das cerca de 50 mil pessoas presentes no estádio. O mega hit Epitáfio abriu o set eletro acústico, com direito a uma belíssima onda luzente que partia dos celulares da platéia, como se milhares de vaga lumes preenchessem cada espaço do Allianz Parque. O coro no refrão da canção tornou ainda mais apoteótica a execução da música em um efeito pra lá de catártico.

Pra Dizer Adeus veio na sequência trazendo Miklos de volta aos vocais dessa faixa, que nos últimos tempos, era cantada esforçadamente por Tony Bellotto. A empolgação de todos em cima do palco era tamanha, que poucos minutos foram o suficiente para que mesmo em formato acústico, os integrantes da banda ficassem em pé novamente.

Como homenagem ao lendário Marcelo Frommer, que nos deixou em 2001, Arnaldo Antunes retornou ao palco trazendo a filha do eterno guitarrista, Alice. Juntos executaram Toda Cor, Não Vou Me Adaptar e Ovelha Negra, outra singela homenagem a cantora Rita Lee, que infelizmente, também nos deixou há pouco.

Com o encerramento do set, os titânicos artistas agora adentram ao terceiro e último ato da apresentação, trazendo além de uma nova saraivada de clássicos como Marvin, Porrada, Bichos Escrotos, Flores, Policia e mais homenagens, como a Erasmo Carlos em É Preciso Saber Viver e também à poesia de Torquato Neto em Go Back.

Outra grata surpresa na noite foi o retorno nostálgico das vozes dos queridos repentistas Mauro e Quitéria, eternizados na introdução de Miséria do álbum Õ Blesq Blom (1989). E Como foi gratificante ver este dueto entre Paulo Miklos e Sérgio Britto!

Sonífera Ilha, o primeiro grande sucesso dos Titãs, trouxe fim à maravilhosa apresentação, com direito até mesmo a clássica coreografia que caracterizou o inicio da carreira do grupo.
Em suma meus amigos, o que o Allianz Parque presenciou em três noites consecutivas de ingressos esgotados foi a performance histórica e impecável de um dos maiores grupos do Rock Nacional de todos os tempos. A atemporalidade das canções apresentadas é incontestável e ainda se fazem necessárias nos dias de hoje.

Foi emocionante ver todos juntos de corpo e alma, por vezes se revezando em alguns instrumentos, como Miklos tocando Piano e Saxofone em determinadas músicas, somados a uma platéia mista, trazendo fãs da velha e da nova guarda. Igualmente satisfatório foi ver uma banda brasileira com estrutura e qualidade de som que em nada devem aos inúmeros grupos gringos que nos visitam anualmente.

Espero de coração que cada momento desta turnê esteja sendo gravado, e que todo esse material venha ser lançado em um DVD com Box Deluxe com todo o tipo de bugiganga possível para que nós, os fãs, possamos ter guardado este pedaço tão importante da história desta banda tão visceral e criativa que foram, são e sempre serão os Titãs. Seria incrível ver uma reunião desse nível com os Engenheiros do Hawaii, por exemplo, trazendo Gessinger, Licks e Maltz novamente aos palcos.

Ver um novo trabalho com essa formação seria uma utopia ainda maior, até mesmo porque, todos os que já “saíram” do grupo já possuem carreiras e atividades bem consolidadas, e dificilmente, encarariam todo o processo louco e democrático que uma banda exige, uma vez que, já sabem o sabor de tomar as próprias decisões por si mesmos. Minha preocupação fica mesmo em relação a como o trio remanescente continuará quando a turnê de reunião se encerrar, mas creio que esse desafio é só mais uma etapa na carreira deste grupo que sobrevive firme e forte a quatro décadas de existência.

Infelizmente não foi dessa vez que fiz minha estréia na sessão de cobertura do site, mas esta é uma pendência que estou prestes a resolver, me aguardem…

Vida longa aos Titãs!

Setlist

Diversão
Lugar Nenhum
Desordem
Tô Cansado
Igreja
Homem Primata
Estado Violência
O Pulso
Comida
Jesus Não tem Dentes No País dos Banguelas
 Nome Aos Bois
Eu Não Sei Fazer Música
Cabeça Dinossauro
Epitáfio
Os Cegos do Castelo
Pra Dizer Adeus
Toda cor (Alice Fromer no vocal principal)
Não vou me adaptar (Alice Fromer no vocal)
Ovelha negra (cover Rita Lee) (Alice Fromer no vocal
Família
Go Back
É Preciso Saber Viver (cover Roberto Carlos)
32 Dentes
Flores
 Televisão Porrada
Polícia
AAUU
Bichos Escrotos
Introdução por Mauro e Quitéria
Miséria
Marvin
Sonífera ilha

 

 

Nascido no interior de São Paulo, jornalista e antigo vocalista da Sacramentia. Autor do livro O Teatro Mágico - O Tudo É Uma Coisa Só. Fanático por biografias,colecionismo e Palmeiras.