Will Ramos é um músico e luthier com um nome bastante consolidado não apenas em Santa Catarina, mas em todo o meio musical nacional, especialmente através de suas marcas R.Nandi Luthieria e R.Nandi Guitars. Tivemos a honra de trocar uma ideia com Will que nos contou tudo sobre os desafios da sua profissão e suas percepções valiosas sobre nosso atual cenário da música. Confira:
Agradecemos a disponibilidade em conversar com O SubSolo, é um prazer para nós. Nada mais justo do que de início saber como começou a sua trajetória. Como você entrou no meio musical e decidiu que sua vida seria dedicada a essa profissão?
Meu início musical foi mais ou menos como o da maioria dos guitarristas. Lá pelos meus 12 ou 13 anos comecei a ter lições de violão, passando logo depois para a guitarra.
Essa influência veio de meu tio Gilson, excelente músico e líder da banda Sentapua. Até hoje meu ídolo musical. Como a referência veio de alguém muito próximo, eu pude observar e pensar: “ei, essa coisa de tocar em palco com uma banda, viajar e estar em lugares diferentes parece ser ótimo”. A partir daí meu destino estava traçado, e eu iria viver como um guitarrista de banda. Eu tinha em torno de uns 14 ou 15 anos.
Um detalhe interessante é que eu não pensava em “estrelato”, ou em tocar em bandas nacionais autorais. Não, não. O que era popular na época eram as bandas de baile, então meu foco foi procurar uma delas para tocar. O raciocínio me parecia óbvio: além de permitir estar na estrada todo final de semana, tocando com músicos feras e conhecendo muita gente do meio (o networking da época), ainda me pagavam muito bem. Perfeito para um garoto de 16 anos.
Qual foi o momento de sua vida em que teve a realização de que poderia ser luthier? E como foi o início?
Atuei como músico de baile de 1997 a 2002. Logo no começo desse percurso eu comecei a me apaixonar pelo ofício da luteria. As coisas não eram como hoje em dia, em que a informação cai no seu colo. Você tinha que ir atrás, buscar quem já atuava na área para conversar e se informar, pesquisar muito, importar ferramentas… Fui fazendo tudo isso entre 98 e 99. No final de 1999 eu já estava montando minha primeira oficina em Laguna, cidade em que nasci. Dali em diante a paixão só aumentava, mas sempre conciliando com aquela outra: tocar em banda. Em 2001 percebi que a paixão pela luteria virou amor, e assim fui preparando a transição para atuar apenas na luteria.
Até pegando um gancho, além da parte de consertos e conservação de guitarras e violões, quando você iniciou fabricando seus próprios instrumentos e por qual motivo começou?
De certa forma eu iniciei já com o interesse em fabricar. Existiu aquele período em que eu comprava instrumentos, desmontava, fazia modificações… mas logo em seguida já foquei em produzir algo parecido com o que que eu desmontava (e às vezes quase destruía…rs). No ano de 2000 eu já estava construindo meus próprios instrumentos.
Como nossa região sempre teve muitos músicos, a prestação de serviços (reparos, revisões, ajustes e melhorias) acabou sendo o curso natural, mas sempre com a fabricação encabeçando o meu interesse no ofício.
Hoje a marca em si da ‘R.Nandi Guitars’ é reconhecida no meio musical, pela tamanha dedicação. Além dos serviços em instrumentos e fabricação, conta também com acessórios de limpeza e conservação. Olhando para trás, como você vê toda essa trajetória?
É uma pergunta interessante, pois eu sempre via o meio musical e o da luteria como sendo muito acessíveis a quem quisesse fazer a diferença com ideias e abordagens. Logo me senti “em casa” aplicando minhas ideias e utilizando-as nas diversas áreas que atuo.
Se fosse nos serviços e regulagens de instrumentos, eu buscava maneiras mais eficientes e que me dessem mais resultado. Se fosse na fabricação, buscava métodos para criar instrumentos fora da curva. Até que eu vi que o setor de acessórios tinha uma defasagem de boas ideias. Ou seja: um oceano azul para navegar.
Em 2008 eu dei início à uma das marcas que mais tenho carinho: Inlay & Cia.
A Inlay & Cia fabrica acessórios voltados à ornamentação de escalas de guitarras, baixos, violões… Sabem aqueles “passarinhos” que a guitarra PRS tem? Ou aqueles florais que os modelos de guitarra do Steve Vai tem no braço? Produzimos modelos assim. São marcações para quem quer customizar seu instrumento, e com elas atendemos do luthier ao músico.
Tudo começou com uma necessidade minha para usar em um de meus instrumentos. Vi que ninguém fornecia no Brasil, e os que eram importados não me atendiam bem. Fui atrás de como produzi-los, em que material e equipamentos eram feitos, quais as limitações e possibilidades. Hoje em dia, com materiais especiais e cortes computadorizados, estamos atendendo a maioria dos fabricantes nacionais, e com isso somos a primeira marca na cabeça das pessoas quando o assunto é marcações para braço de guitarra.
Seguindo essa ideia de acessórios, deixei acontecer uma outra que eu tinha mas que relutava em colocar em prática: acessórios guitar care, que são aqueles produtos de limpeza e conservação para instrumentos musicais. Hoje pela R.Nandi tenho a linha de limpeza para corpo e braço, linha de condicionador para escala e também o mais recente deles – Steel-X. Um limpador e conservador de cordas. Um detalhe sobre esses produtos é que eu desenvolvi para meu uso, dentro da oficina de lutheria, apenas para meus trabalhos. Foi pela insistência de alguns amigos que decidi colocá-los como um produto acessível a todos. Se algo estava dando certo pra mim há anos, então certamente seria bem recebido. E assim foi. Sou muito grato a todos que sempre estiveram comigo nesses empreendimentos e me ajudaram e motivaram a realizar essas ideias.
Acredito fielmente que influências sempre ajudam em qualquer meio. E as suas, quais referências dessa área mais o inspiram? E quem você vê como mestres para quem estiver interessado em saber mais?
Eu uso um termo que é “pessoas que emocionam”. São aquelas pessoas que quando entram em cena criam um universo paralelo, e que fazem você refletir sobre tudo. Fácil entender com exemplos: Leo Fender (fundador da Fender – dispensa apresentações), Floyd Rose (criador do sistema de tremolo Floyd Rose, que permite fazer aquelas estripulias com a alavanca da guitarra), Bob Taylor (fundador da Taylor, fábrica de violões), e por aí vai. Todos esses (e outros que não citei) estão no patamar de um Steve Jobs. Foram pessoas que mudaram o jeito de pensar sobre o instrumento, e consequentemente o jeito de pensar sobre música. São pessoas que emocionam. Todas as pessoas que eu admiro são disruptivas de alguma forma, mas não precisa ser apenas com a mão na massa. Tudo começa no mundo das ideias, e esses construtores de instrumentos e acessórios um dia tiveram “apenas” uma ideia. Essa ideia gritou tão forte na cabeça deles que ficou impossível ignorar, e então temos o mundo em que vivemos.
Não há dúvidas que você tenha diversas guitarras e violões, mas deve ter aquela especial, não? Tem alguma guitarra em sua coleção que você considera seu xodó? Quais histórias você já viveu com ela?
Então… É algo difícil de responder quando você pode ir ali e fabricar o que quiser, né rsrs. Tem uma coisa importante que tenho que explicar. Alguns sabem, outros não:
Eu sempre atendi dois segmentos: o dos acústicos (violões e similares) e o dos elétricos (guitarras/baixo e similares). Até 2016 estavam todos sob uma marca apenas, mas a partir daquele ano eu decidi separar: os violões estão sob o olhar criterioso da W. Ramos, e as guitarras sob as asas da R.Nandi.
Na época muitos me perguntaram qual o sentido de separar em duas marcas, sendo que todos eram instrumentos fabricados por mim. A resposta passa por vários aspectos, que incluem mercado, marketing, matéria-prima, modo de atender o cliente, e por aí vai…
Hoje eu vejo outros fabricantes fazendo o mesmo, e assim como eu, obtendo bons resultados. Fico feliz em ver que essa abordagem também deu certo no trabalho de colegas que se permitiram uma visão mais expansiva.
Mas respondendo sua pergunta, eu fabriquei todos os tipos de instrumentos que me interessavam e inspiravam, sejam acústicos ou elétricos. Hoje me divirto bem mais, e não necessariamente preciso ter um instrumento que eu fabriquei. Meu passatempo nesse quesito tem sido guardar um tempo pra pensar em minha coleção de guitarras. Ali tem Fender, Ibanez, Epiphone e outros instrumentos que me interessam, e com os quais tive oportunidade de viver algo e deixar alguma vibração neles.
Ah, não tenho um especial, mas quem me conhece sabe da grande chance de ser alguma guitarra que comece com a letra I e termine com Z.
Qual sua visão sobre o futuro da música, de acordo com tudo que você já vivenciou e ouviu enquanto músico e luthier?
É um assunto no qual eu penso bastante.
Sabe, eu sou do tempo de Eddie Van Halen, Steve Vai, Jason Becker… Quando penso em músicos ou bandas, nada mais natural do que pensar em capacidade de realização, energia, novidade, “pessoas que emocionam” e toda a gama de coisas incríveis que um ser humano pode realizar. Agora me responda: existe algo assim hoje em dia? Não há. Isso não é um problema em si, pois ninguém nasce sabendo, e o natural é que tudo tenha um período de maturação. O problema está em que, aquilo que está sendo realizado já é considerado o produto final! Sério?!? Só temos um monte de ideias frágeis, timbres ocos oriundos de Impulse Response e execuções broxantes.
Está faltando dedicação e foco nessa geração de músicos e bandas e, acima de tudo, vontade de aprender e realizar feitos maiores. Assumir que o que realizou hoje ainda é pequeno perto do que podem criar. Todos estão na média, mas é aí que está o problema.
Sinceramente, quero viver para presenciar a mudança, e como estou nesse meio, no que eu puder ajudar será sempre um prazer. Sou do tempo em que você tinha que trocar um captador queimado na passagem de som e torcer para nada mais dar errado. Depois do show todos se ajudavam e ficavam pensando em como melhorar na próxima noite. Esse é o espírito!
Sobre o cenário musical. O que você ouve e tem ouvido de novo nos últimos tempos, e que poderia indicar para nossos leitores?
Bem, não sou do tipo pessimista, e acho que no meio de muita coisa sem graça tem gente fazendo trabalho de primeira. Não por coincidência, são músicos e bandas com humildade, espírito inovador, vontade de melhorar e uma disposição absurda para realizar feitos cada vez maiores. Felizmente, esses eu consigo contar nos dedos de uma mão.
Olho muito para os rapazes da AlkanzA, que sem dúvida alguma é a nossa melhor banda de metal da região. O nível dos caras é de outro mundo, mas claro que isso não é novidade para quem acompanha o trabalho deles. É natural que eu esteja mais ligado na região Sul do Brasil, e em Floripa tem o pessoal da Armada85, que conheci por um grande amigo meu também de lá.
Mais um pouco acima, no Paraná, me chamou a atenção o pessoal da Embrio. Meu pai morou em Toledo, então ainda tenho algum contato com o que acontece por lá.
Uma das bandas mais clássicas que você faz parte é a banda de Rock autoral chamada Sentapua, que já existe há muito tempo. Como você entrou na banda e como ela se encontra hoje?
Eu costumo dizer que a Sentapua é um negócio de família e amigos. Gilson Ramos, vocalista e compositor da banda, é irmão de minha falecida mãe. A banda é de 1985. Entre idas e vindas, nos últimos 15 anos iniciou um forte trabalho com música autoral. Agora pense comigo: Eu era o garoto de uns 6 anos de idade que acompanhava seu tio ensaiando na garagem de casa com um bando de caras legais, com guitarras e toda aquela bagunça que uma criança adora. Hoje em dia eu faço parte dessa “bagunça”. Simplesmente é uma realização para mim!
A Sentapua tem um intenso trabalho com gravações, clipes musicais e produções em geral. Eu e o Gilson já tivemos um podcast e também um programa de TV, e isso torna meu mundo musical e artístico bem movimentado. Ah, uma curiosidade: produzimos o jingle do Rock Laguna edição 30 anos. Aquele riff foi criado com uma Ibanez Joe Satriani numa tarde de quinta-feira, dentro de uma luthieria. Participar desses acontecimentos não tem preço. É exatamente pra isso que estamos nesse planetinha: deixar um legado!
Will, quero primeiro elogiar por sempre ser um cara que nos atendeu com muito carinho e respeito. Queremos deixar esse último espaço para deixar uma mensagem para nossos leitores.
Acho que a gentileza e vontade de fazer mais pelos outros é o que move a humanidade. Se uma pessoa escolhe a música como sua companheira e não consegue vivenciar essas duas coisas, então tem algo muito errado com a filosofia de vida desse cara. Seja gentil, dedique-se ao que você ama e acredite nas pessoas. Assim é.