Por Rafael Freitas
Há 13 anos o Tool, banda norte-americana de heavy metal progressivo, lançava o ousado disco 10,000 Days. Este trabalho solidificou ainda mais o status da banda, que ganhou notoriedade no início dos anos 90, em meio a polêmicas e censuras, como um dos grandes ícones do rock moderno. Desde então o Tool permaneceu colhendo os frutos das obras lançadas, fazendo algumas turnês entre projetos paralelos de alguns integrantes e sobrevivendo com a promessa de um novo álbum. O tempo passou. A promessa começou a parecer um blefe. A mística em cima da banda, criada pelos fans, começou a ficar cada vez maior. Constantes alertas falsos despertavam a esperança e a frustração da legião fiel ao organismo chamado Tool.
Chegamos ao início de 2019, e o que parecia promessa começou a se confirmar e eis que agora é real. Fear Inoculum, o quinto álbum do Tool está entre nós para ser amado e odiado, e aposto que os fans ainda estão tentando entender tudo o que isso significa. Conheci o Tool em 2012 e desde então virei um fiel admirador dos caras pela proposta única dentro do estilo progressivo, mesclando grunge, new metal, post punk e jazz. No início me decepcionei com as faixas que saíram antes do lançamento do álbum. Como fan esperava algo inovador e a coisa de início soou como uma repetição de padrões já explorados em outros trabalhos. Mas é aí que mora a pegadinha, porque Fear Inoculum é um tradicional álbum do Tool, com a maioria dos elementos que já são habituais da banda, porém mais refinado e maduro.
Nitidamente Fear Inoculum vem com a proposta de ser um trabalho que deve ser absorvido em sua totalidade, como um álbum conceitual. A faixa título, que abre o disco e que também foi escolhida como single, é só a ponta do iceberg. Tudo o que vem a seguir mostra que 13 anos de espera não foram por acaso. A riqueza e nitidez dos timbres; as variações rítmicas desconcertantes; cada transição e cada detalhe da mixagem elevam a audição deste álbum a uma experiência profunda, intimista e em muitos momentos causando até sensações físicas, como arrepios na espinha.
Aqui a agressividade abre espaço para climas mais profundos e viajantes, onde na maior parte do tempo é o instrumental que assume o protagonismo da história. Essa suavidade do trabalho também se reflete bastante na performance vocal de Maynard James Keenan, que se apresenta com uma vibe mais serena e emocional, com timbres quase angélicos, criando as pontes entre as partes instrumentais, colocando tudo em perfeito equilíbrio.
A bateria de Danny Carey brilha lindamente em todo o álbum, no melhor estilo Neil Peart com anabolizantes, com muitos momentos cadenciados e sutis, explorando beats eletrônicos e elementos percussivos do oriente médio, característica bastante explorada no álbum anterior.
A mesma perfeição de timbres e riqueza de detalhes é inegável no baixo de Justin Chancellor e na Les Paul icônica de Adam Jones, com frases cortantes e transições melódicas magníficas.
Uma curiosidade sobre Fear Inoculum é que a versão oficial do disco contém 7 faixas: “Fear Inoculum”, “Pneuma”, “Invincible”, “Descending”, “Culling Voices”, “Chocolate Chip Trip” e “7empest”. Diferente da versão disponível online, que contém mais 3 faixas bônus inseridas como transições entre as faixas principais. Eu particularmente achei que a sequência oficial com 7 faixas deixa o álbum mais conciso e prazeroso de ouvir. Duas das faixas adicionais – “Litanie contre la Peur” e “Legion Inoculant” até funcionam como momentos de transição, mas a última faixa bônus “Mockingbeat” (track que fecha o álbum na versão digital) achei bastante desnecessária. Ela funciona apenas como uma “corta vibe” de tudo o que foi apresentado anteriormente e parece que obriga o ouvinte a voltar a uma realidade frustrante, fora do universo sonoro e místico do que é o Fear Inoculum. Talvez essa realmente tenha sido a proposta. Outra interpretação que pode fazer sentido para “Mockingbeat”, é que ela seja uma crítica da banda a pirataria digital e ao fato de ainda usarmos a tecnologia para coisas primitivas e destrutivas.
Posso destacar entre os momentos mais brilhantes de quase 1h30min de música, a faixa “Invincible” – uma das mais lindas e progressivas obras do Tool – , “Chocolate Chip Trip” – que é praticamente uma Jam de bateria que mostra a força e toda a desenvoltura polirrítmica do monstro Danny Carey – , e “7empest” – a faixa mais pesada e agressiva do álbum, cheia de transições com muito punch e melodias apoteóticas. Uma faixa tempestuosa, de fato, como eles deixam claro na letra, “We know your nature”, pois o Tool conhece seus fans e resolveu dar este presente.
Chegando as considerações finais do que consegui absorver até agora, pois Fear Inoculum é um trabalho que faz revelações a cada audição, como fan, que sente-se grato por estar presenciando este momento da música progressiva vejo este álbum como um trabalho muito honesto e verdadeiro, uma evolução em relação aos trabalhos anteriores, não tão inovador como muitos esperavam, mas mantendo a essência e a proposta de tudo o que o Tool representa, tanto na complexidade sonora quanto na acidez das mensagens que colocam o ser humano, com suas falhas e potencialidades, como figura inspiradora para a arte apocalíptica, pesada, técnica e transcendental criada por estes quatro personagens do rock contemporâneo.
Como dito anteriormente, cada música mostra melhor a sua verdadeira face se o álbum for ouvido na íntegra, como partes de um quadro maior. Fica proposto então o desafio! Coloque seus melhores fones de ouvido e deixe que Fear Inoculum percorra todas as suas ligações nervosas e o seu coração humano.
* Redigido, conferido e enviado por Rafael Freitas.
TRACKLIST
01) Fear Inoculum
02) Pneuma
03) Litanie contre la peur
04) Invincible
05) Legion Inoculant
06) Descending
07) Culling Voices
08) Chocolate Chip Trip
09) 7empest
10) Mockingbeat
FORMAÇÃO
Maynard James Keenan – vocais
Adam Jones – guitarra
Justin Chancellor – baixo
Danny Carey – bateria, sintetizador
Danny Carey – bateria, sintetizador