Participar de eventos de metal é sempre divertido. Estressante, cansativo, exigente… mas divertido, na maioria das vezes. Dificilmente outros adjetivos se encaixam tão bem como esse. A primeira edição do Floreaperfest, que aconteceu no dia 14 de novembro de 2024 foi muito mais do que isso. Mas antes da resenha, um pouco de contexto. Sou guitarrista/vocalista da banda Cujo Death Metal, aqui de Florianópolis, e em meados de março desse ano, recebemos a notícia que estávamos sem baterista. Quem tem banda sabe como essa posição é primordial e difícil de ser ocupada, temos poucos músicos, tudo é caro, complicado.
Em Death Metal, cada uma dessas dificuldades é elevada a décima potência. Eis que depois de longos dois meses, reencontramos o Johnny Santana. Natural de Manaus, o amigo Johnny sempre fazia questão de nos falar sobre a sua antiga banda Hypnose Death, a cena Manauara, e bandas como a Platoon, Evil Syndicate, entre outras. Aos nossos ouvidos, tudo poderia parecer exageros, lendas e saudosismo. Pula para junho, com a banda já ensaiando com a nova formação, primeiros show já marcados e a coisa começando a andar. Johnny me envia o cartaz da Abissal Warfare Tour, por Caveira Velha, Bruxa Verde e Iron Fist produções com a seguinte legenda: “consegue pra nós abrir esse show?”. Respondi com um “vou tentar”, e lá fui eu incomodar um dos caras que mais tem agitado a cena aqui em Florianópolis, o Matheus da Bruxa verde. Após algumas negativas, acabamos chegando em um acordo, pois ambas as partes entenderam como essa conexão Floripa/Manaus poderia ser especial e proveitosa.
Ficamos responsáveis por buscar no aeroporto/rodoviária e conseguir um local para os amigos das bandas Platoon, Evy Sindicate e Antroforce (essa última de SP) passarem a noite. Alguém pode até estranhar a ideia de receber pessoas desconhecidas na sua própria casa, mas estamos falando de uma tradição de décadas do metal. Metal é irmandade, família, companheirismo, e por que não, hospitalidade. Sempre foi, sempre será. Pense como um intercâmbio relâmpago muito barulhento.
Madrugada de quarta pra quinta feira, uma hora depois do Johnny ter levado a Platoon inteira para dormir na oficina dele, eu paro meu carro ao lados de dois cabeludos de preto com instrumentos e camisetas de banda. “Não tem com errar” – pensei. Da parte deles também não, afinal não havia nenhum outro carro com Torture squad estourando as caixas de som as 2h da manhã por ali. Headbangers se conhecem/reconhecem sempre. Seguimos para a rodoviária buscar mais uma “visita”. Quase 3h horas da manhã encontramos mais pessoas de preto. Era o Matheus Bruxa Verde com o meu terceiro convidado, Ephrain, baixista da Antroforce.
Já na minha casa, comemos pães com mortadela e fomos dormir. Alojei meus novos amigos no quarto da minha filha em um beliche, colchão no chão, entre bonecas, ursos de pelúcia e um ambiente mais rosa do que eles estão acostumados, imaginei na hora. De manhã, dou por falta da minha gata, Nina, e descubro que ela encontrou um canto junto ao Miguel, vocalista da Evil Syndicate.
Quinta feira, dia 14 de novembro, enfim o dia do tão esperado Floreaperfest. Recebemos a notícia de que tudo corria bem, a Platoon fazia muitas fotos no costão do santinho, os demais integrantes da Antroforce haviam chegado bem, e a Pacta Corvina dormia na sede da Bruxa Verde. Almoçamos em um PF de preço justo e partimos pra praia, onde conheceríamos o Gaúcho, o garçom mais headbanger de Canasvieiras. Muitas cervejas depois, voltamos pra casa, pra nos prepararmos para a maratona de 5 shows.
Cujo Death:
Como bons anfitriões que somos, assumimos a função de abrir o evento e ser a primeira banda, o que se revelou uma grata surpresa. Ver o público em sua grande maioria já presente desde cedo pra prestigiar a banda da casa foi muito estimulante. Fizemos um set mais curto pra evitar ao máximo o atraso e prejudicar as bandas seguintes, e sem tempo pra muito papo, partimos pra brutalidade com as “novas” The lying art e Parasitas, e já emendamos em uma do primeira disco, Smell os fear. A resposta do público foi muito boa, e confesso que me enchi de orgulho ao ver o pessoal de todas as bandas nos aplaudindo e vibrando com nosso som.
E falando em emoções, fizemos uma pequena homenagem a cena manauara através de dois covers da Hipnose Death: A morte e Morte acidental. Foi incrível ver como os integrantes da Platoon e Evil Syndicate sabiam as letras. Agradeci aos presentes, bandas e produtora como sempre faço e aproveitar pra enaltecer a minha esposa, não só por aguentar a bagunça em casa, mas pelo apoio que sempre deu a banda, sendo nosso quarto integrante. Finalizado nossa participação, agora era curtir o evento e prestigiar os amigos com o público que estava curioso com essas bandas que atravessaram o país pra nos trazer brutalidade musical.
Platoon:
Uma das bandas mais tradicionais de Thrash Metal de Manaus, a Platoon já conta com uma história de mais de 15 anos de luta pela cena, e possui uma demo de 2017, Pelotão da morte, e o disco Máquina de extermínio de 2019, além de participações em diversas coletâneas. Atualmente estabilizada como um trio, a banda já teve diversas formações, e em sua primeira vinda ao sul, chegou com artilharia pesada pra fazer uma noite inesquecível.
O show começou com a curta e grossa Soldados do Apocalipse e já emendou sem dó nem piedade a paulada Ataque brutal invasor. É interessante como, apesar do metal ser uma linguagem universal, podemos notar o contraste entre as bandas de lá e de cá. Um “sotaque” diferente nas músicas, podemos dizer. Toda a temática da banda gira em torno de guerras e seus horrores, o que fica ainda mais nítido nas faixas Guerras secretas (que já vinha circulando por aqui nas redes sociais) e Pelotão da morte. Pausa para uma breve explicação sobre o conceito da banda, onde o vocalista Emerson Sousa esclarece que trata-se de uma homenagem ao lendário diretor Stanley Kubrick, e que eles “admiram mas não concordam”.
Destaque para o baterista Sid Lima, praticamente uma metralhadora humana, responsável pela velocidade e clima de batalha da banda. Sid trouxe um influência Death Metal ao War Thrash Metal deles, elevando a brutalidade a um nível que representa muito bem os horrores das guerras narradas nas letras da banda. Para fechar, as clássicas Máquina de extermínio e Metal Destruição que possuem riffs contagiantes do guitarra Elderson Oliveira, levaram o público a loucura, deixando todos os presentes com um gostinho de quero mais. Bandaça!
Evil Syndicate:
Death Metal curto e grosso, sem frescuras, sem rodeios. Esse é o som da Evil Syndicate, também de Manaus. Mas não se engane, o som é extremamente bem trabalhado, e os músicos muito técnicos. Se trata de uma banda muito profissional e bem ensaiada. O trio que atualmente se apresenta sem baixista no palco (utiliza o baixo pré gravado saindo de um VS) compartilha o baterista Sid Lima da Platoon.
Após uma breve introdução orquestrada, a banda entra com tudo na música Hell on Earth, que representa muito bem o quão extrema seria a apresentação. Riff que apresentam influencias de um Blackned Death Metal, com influências de Krisiun e um refrão contagiante que fica na cabeça. Na sequência, a banda manda Face your Enemy e a clássica Slaves of War, que agradou em cheio tanto os fãs de longa data, quanto os que estavam conhecendo a banda naquele dia.
Importante destacar o trabalho do Guitarrista Anderson Souza, que criava camadas de sons com acordes diferentes, fora do óbvio e solos muito criativos e técnicos, além de ter um timbre pesadíssimo de guitarra e uma presença de palco intimidadora.
Evil Syndicate é um exemplo de dedicação, trabalho duro e respeito ao público, e essas coisas são visíveis no palco. Nada fora do lugar, tudo parece ter um motivo, do visual ao som, o propósito é entregar um show inesquecível e criativo, passando por diversas influências e referências sem perder a originalidade e a cara da banda.
Tyranny, do mais recente EP, e a clássica Skull and Bones começar a preparar o público para um o final apoteótico com In Anciet Times.
Antroforce:
A Antroforce é uma banda Paulistana de Speed/Thrash Metal oitentista, formada em 2006, e possui influências de bandas brasileiras como Dorsal Atlântica, Tautus, Anthares e Mutilator. O power trio começou com seu número instrumental, e logo parte para Sombras da guerra, e Malditos egoístas, de seu disco mais recente, Antropocaos de 2024.
O som da banda, é extremamente rápido e sólido, com o baixo de Ephrain Ferreira marcado e pulsante, na pegada Anthrax. O vocalista/guitarrista Laerte Dutra é um show a parte. Além do vocal forte e cavernoso no melhor estilo oitentista, a guitarra não é deixada de lado, destilando riffs matadores e solos na velocidade da luz. Dutra, além disso tem um estilo de tocar muito peculiar, com uma pegada diferente e contagiante, que parece ser autodidata e muito autoral.
O próximo número a ser executado é um mashup de três sons próprios, seguidos por Palhassassinos e A fortaleza. Pausa na próprias para homenagear o falecido Paul Di’anno com um trecho de Transylvania, música instrumental do primeiro disco da banda inglesa executado com muito vigor em um momento muito emocionante. E para fechar a apresentação com chave de ouro, Honre o metal nacional e Sinfonia do Diabo: Momento do baterista Ivan Silva (Djavan como foi apelidado) brilhar, e encantar todos com uma pegada muito oitentista nacional. Sensacional!
Pacta Corvina:
E pra fechar o primeiro Floreaperfest, o tom mais sombrio da noite, Pacta corvina da cidade de Rio Grande, o último power trio do evento. A banda começa com A internacional comunista tocando bem alto, já pra mostrar a que veio. Aqui o som é, não apenas pesado, mas cheio de ódio de classe, e de posicionamento político claro. Apesar de se tratar de uma banda de Black Metal, é possível ver influências claras de Death Metal em faixas como Campesino vermelho e Iconografia da vergonha, e Doom Death em Às margens do lucro e A ONU grilou a terra prometida.
As letras em português, carregadas de mensagens antifascistas ganha muito com os dois vocais de timbres extremamente contrastantes, ao mesmo tempo que soam modernos em acordo com a bateria que explora cadencias e levadas que vão muito além do Black Metal tradicional. Sabe aquele som tão pesado que você ouve fazendo careta? Pacta corvina é tudo isso, e muito mais, quem viu, viu. Não perca da próxima vez!
Muito além de um evento sensacional, temos uma cena unida, com intercâmbios e talentos de sobra. O público compareceu, as bandas fizeram a sua parte, o esforço notável de cada um na organização, e o interesse muito acima do ego é o que sustenta a cena do Rock/Metal nesse pais. Que continue assim pra sempre. Da minha parte, posso dizer que tenho orgulho de fazer parte desse momento histórico.