Início Coberturas Cobertura: TOTO (São Paulo/SP)

Cobertura: TOTO (São Paulo/SP)

As décadas de 70 e 80 foram palco das produções musicais mais emblemáticas da indústria, com diversos hits que moldaram, em especial, a Geração X, composta em sua maioria (como no meu caso e talvez no seu), pela geração de nossos pais, formando o legado musical que hoje se traduz no Rock, Metal e todas as suas vertentes.

Nomes que vão de Led Zeppelin a Queen, Earth, Wind & Fire, Journey, Genesis, Rush, Bauhaus, Elton John, Kool and The Gang, ABBA e, bem, uma interminável lista. Para fazer jus a todos os artistas que deixaram sua marca, isso se transformaria de uma cobertura para uma mistura de enciclopédia com história. Parece exagero, mas é a realidade. Para além da sorte que possamos ter em ainda encontrar alguns desses grandes nomes em atividade, se você perguntasse para qualquer músico ou banda mais “jovem” e contemporânea, as chances de um nome dessa época não estar na lista são, bem, impossíveis.

E certamente, um nome que se destaca em meio a verdadeiros gigantes que deixaram sua marca de forma a transcender gerações é um nome composto por quatro simples letras: TOTO. Um conjunto formado em 1977 que reuniu grandes músicos e instrumentalistas em um projeto que rapidamente ascendeu nas paradas da época e que, até hoje, reverbera seu legado a plenos pulmões.

Se você pertence a essa “era de ouro”, o nome já dispensa comentários, provavelmente com ligações afetivas de faixas como Rosanna, I’ll Be Over You e, claro, África. Se você, assim como eu, já é pertencente à era digital e da internet, provavelmente sintonizando na rádio K-DST em GTA: San Andreas em algum momento, enquanto fazia aquela missão de fuga, ou só instaurava o caos no jogo ao som de Hold the Line, te trago boas novas: você também sofreu influência do Toto.

A TOTOmania não para por aí, mas vou me reservar o direito de comentar mais sobre sua influência na cultura pop à medida que falo sobre o show da banda, que retornou ao Brasil após 17 anos desde sua primeira e última vinda, para dois shows: um em São Paulo, no dia 24 de novembro, e outro no Rio de Janeiro, em 26 de novembro. Marcado para acontecer no Espaço Unimed em SP, o anúncio resultou em uma feliz surpresa para muitos, garantindo “casa cheia” em partes, devido à configuração da pista adaptada com uma estrutura para proporcionar conforto àqueles que quisessem desfrutar da apresentação em mesas, acompanhados de uma boa bebida.

Já na fila, era possível identificar, ainda que com uma mescla de idades, uma grande maioria sendo composta por aqueles que viveram os tempos da brilhantina, exibindo com orgulho suas camisas pretas com as letras da banda e a característica espada, entre sorrisos e animosidade para um domingo que seria um verdadeiro túnel do tempo. Com a abertura dos portões, apenas alguns poucos minutos após às 19h, as pessoas rapidamente começaram a se enfileirar e tomar seus lugares, esbanjando juventude e mostrando que ninguém ali se intimidaria em aguardar mais um pouco antes do tão aguardado momento.

Marcado para às 20h, tivemos como abertura o artista convidado Saudade, pseudônimo de Saulo von Seehausen, que, junto aos seus “amigos” – como ele mesmo os chamou – trouxe toda a MPB e aquele ritmo tropicalista que trazia uma sensação de tranquilidade, ao mesmo tempo em que nos fazia imergir nos complexos sentimentos, tal qual o nome do artista se refere.

Em um primeiro momento, parecendo mais contido, o carioca foi se soltando à medida que o show corria, se aproximando do público e se conectando mais ao mostrar sua própria vulnerabilidade ao comentar o quão nervoso estava se sentindo e tremendo, dado o significado e a importância do dia, tanto pela apresentação em casa lotada quanto por abrir para uma banda que lhe era de grande referência.

Na sequência, Saudade tocou seu maior hit, Vou-me Embora de Mim, fazendo com que algumas pessoas valseassem de um lado para o outro com suas cabeças, mantendo a mesma cadência e boa harmonia do começo (ainda que ele tenha falado sobre seu nervosismo), mas cada vez mais com um semblante de quem ia indo embora de si mesmo e se permitindo apenas ser, naquele momento. Fazendo ainda uma surpresa ao público, ele convidou ao palco Natália Carreira, artista com quem havia gravado uma nova música intitulada Domingo, que foi cantada pela primeira vez por ambos, antes da estreia oficial da mesma.

Partindo para a saideira, tivemos Se for para ir contigo, eu vou e Maria Comprida, seguindo bem essa sonoridade que te transporta para a beira do mar, com o pé enfiado na areia, preenchendo o espaço com tranquilidade. Seguido pela introdução da banda de apoio, o músico finalizou com Do Avesso, outro hit e faixa de seu último álbum: Bem-vindo, Amanhecer. Certamente, um show que até pode fazer o nariz de alguns “camisetas pretas” se torcerem, por talvez não ser uma sonoridade tão familiar no dia a dia, mas que com certeza trouxe a brisa da maresia, ornando bem com a noite, relaxando e preparando os corações para o que viria a seguir.

E tão logo, poucos minutos após às 21h, as luzes caíram, anunciando o início de um espetáculo que com certeza ninguém estava preparado para experienciar. A produção do Toto já se destacava pela disposição dos equipamentos ao longo do palco: dois teclados, uma elevação com percussão e instrumentos de sopro, espaços para guitarra e baixo e uma bateria mais lateralizada à direita. Ligeiramente recuado, mais ao fundo do palco, este seria o único ponto ruim, ainda que, ao longo da noite, os músicos andassem de um lado para o outro.

Chegando forte já em Girl Goodbye, a banda mostrava que não estava ali para brincadeira, à medida que esbanjavam sorrisos pela reação do público com sua entrada. Para alguns, uma banda que é um eco do passado, devido à presença de apenas Steve Lukather (guitarra/vocais) como um dos membros fundadores, mesmo com David Paich (teclados/vocais), ainda vivo, porém sem realizar turnês. Mas essa é claramente uma fala que se distancia da qualidade entregue, tamanha a capacidade e bagagem de cada integrante: com Joseph Williams nos vocais, como membro oficial, tendo passado pela banda de 86 a 88 e retornado de vez desde 2010, o cantor “só” é a voz do Simba adulto e o responsável pela voz original daquela musiquinha chata chamada Hakuna Matata; e os músicos de turnê: Greg Philliganes, um mago dos teclados que já tocou com nomes como Michael Jackson, Mick Jagger, Stevie Wonder, Bee Gees, Eric Clapton, Donna Summer, dentre muitos outros; Warren Ham na percussão, sax, gaita, flauta, back vocal (e a lista vai longe), já tendo realizado turnês com nomes como Kansas e sendo membro da banda de Ringo Starr; Shannon Forrest, já tendo integrado a bateria de grandes nomes como Taylor Swift, Willie Nelson e Carrie Underwood; John Pierce nos baixos, amigo pessoal de Joseph e Luke desde sempre e integrante de outra grande banda cheia de hits dos anos 80 e 90, Huey Lewis & The News; e por último, porém não menos importante, Dennis Atlas, o mais jovem membro, assumindo os teclados, apesar de também ser multi-instrumentalista e dotado de uma absurda voz com agudos que fariam qualquer vocalista de Power Metal sentir inveja.

Foi preciso fazer essa segunda contextualização da banda que realiza as turnês do Toto para ressaltar o quanto, em cima do palco, tínhamos a mais pura nata de músicos que, desde a primeira batida, já tinha totalmente o público nas mãos, nos fazendo correr com os olhos em todas as direções. Afinal, a qualidade sonora era tamanha que, para qualquer integrante que você centrasse seu olhar, veria um show à parte. E que qualidade de som, diga-se de passagem. Um show em que realmente você conseguia ouvir cada instrumento e nota, reforçando a importância dada pela banda à qualidade de seu som.

Mal nos recuperamos da entrada, e já chegava Hold the Line como segunda música, fazendo o público ir à loucura e cantar junto, fosse nas letras ou nos woah, woah, wow. E a sequência de hits clássicos não cessou, com 99 e Pamela sendo os próximos, mantendo o público como um coro uníssono em harmonia, para a alegria da banda, que olhava em admiração para a cena, com Luke indo de um lado para o outro do palco, assentindo com a cabeça e se conectando pelo olhar com as pessoas presentes, mas sempre de uma forma bem pontual e rápida. Joseph se assemelhava um pouco nesse quesito, mantendo óculos escuros que usou ao longo de todo o show, o que dificultava a conexão direta com o público, mas não deixou de ir também de um lado para o outro, acenando, animando, recolhendo lembranças jogadas ao palco e mostrando toda sua energia e incrível voz.

Outros momentos que valem destaque se deram nos solos tanto de Greg, quanto de Shannon, mostrando toda a precisão, energia e grandeza dos músicos, além da presença de dois covers: o de The Jimi Hendrix Experience, com Little Wing, e de The Beatles, com With a Little Help from My Friends. Com tantos outros hits como Burn, I’ll Supply the Love e Georgy Porgy, é extremamente difícil tentar descrever alguns dos momentos de um show tão grandioso e etéreo que gerou um poderoso fascínio em quem estivesse ouvindo.

Um ótimo momento também aconteceu após Dying on My Feet, quando tivemos a introdução de cada membro da banda, realizada em sua maioria por Lukather, sempre seguido de alguns segundos de músicas icônicas às quais eles participaram, indo de Beat It (Michael Jackson) a I Keep Forgettin’ (Michael McDonald) e The Power of Love (Huey Lewis & The News). Marcado pelos sentimentos e pelas emoções, as apaixonantes músicas do Toto não tinham como não causar uma sensação tão gostosa e um senso de nostalgia que é muito curiosa, pois era quase como um sentimento coletivo, mesmo que muitos ali (eu incluso) não tenham vivido essa época, mas que, em sua característica sonoridade, transpareciam tão bem essa sensação.

Mas sem dúvidas, o melhor veio no final, quando tivemos a dobradinha mais poderosa da noite, com Rosanna e África em duas versões estendidas de tirar o fôlego, certamente o momento mais antecipado por muitos, que ali firmou não apenas a noite como um dos melhores shows do ano, mas certamente fez muitos se reconectarem com inúmeros momentos e épocas diferentes de suas próprias vidas, em uma deliciosa jornada musical pelo tempo, através dos 47 anos de carreira de uma das bandas mais tradicionais do mundo.

Após rasgar tantos elogios, se fosse para fazer algum contraponto negativo, talvez fosse em relação a apenas alguns poucos momentos da iluminação da própria banda, que continha feixes de luz branca que praticamente cegavam qualquer chance de uma visão clara do palco. Por sorte, uma situação que ocorreu poucas vezes ao longo da apresentação. Mas que, de um modo geral, fica extremamente pequeno perto de todo o contexto apresentado e performado. Quem esteve ali, viveu e respirou um pouco da história, ficando, é claro, o desejo de um breve retorno.

Como uma querida amiga disse: “A abençoada chuva que caiu em África, veio dos nossos olhos”.

Setlist Saudade

  1. Interação Mente-Matéria
  2. Ah, que maravilha
  3. Bem vindo, amanhecer 1
  4. Meu mundo e nada mais
  5. Vou-me embora de mim
  6. Domingo
  7. Se for para ir contigo, eu vou
  8. Maria Comprida
  9. Do Avesso

Setlist TOTO

  1. Girl Goodbye
  2. Hold the Line
  3. 99
  4. Pamela
  5. Jake to the Bone
  6. Solo de Teclado ( Greg Phillinganes; tocando um trecho de “I Won’t Hold You Back” )
  7. Burn
  8. I’ll Be Over You
  9. Stop Loving You
  10. Little Wing (The Jimi Hendrix Experience cover)
  11. Solo de bateria
  12. I’ll Supply the Love
  13. A Thousand Years
  14. Georgy Porgy
  15. Dying on My Feet (seguido da introdução a banda com trechos de Beat It, I Keep Forgetting, The Power of Love e outros)
  16. Home of the Brave
  17. With a Little Help From My Friends (The Beatles cover) 
  18. Rosanna (versão estendida)
  19. Africa (versão estendida)