Hoje trazemos uma entrevista bem especial. Conversamos com Fábio Altro, conhecido pela cena como Nenê Altro, vocalista do Dance of Days. Nenê fez parte do Personal Choice, é um excelente compositor e um ótimo escritor, tendo em seu currículo obras como “Os Funerais do Coelho Branco” e “O Diabo sempre vem para mais um drink”, foi zineiro e blogueiro, fez também parte de várias bandas de Hardcore, Gothic Rock e Punk.
Cara, um prazer estar conversando com um cara com uma história como a sua. Para iniciarmos, nos conte como você começou a escrever?
Nenê Altro: Eu que agradeço pelo espaço. Comecei a escrever logo cedo, na escola sempre adorei as aulas de português e de redação. Li muito na adolescência também e foi assim que comecei a desenvolver o gosto. Não me considero intelectual, nunca me considerei e nem tenho conhecimento assim para tanto, mas tenho muita afinidade com a palavra e encanto pela poesia, coisa que aplico mais em meu trabalho como compositor do que em livros.
Todos são influenciados por algo. Quais suas influências na hora de escrever?
Nenê Altro: Eu sou de fases, tive a minha juventude intensa e dramática como muitos, adorava Wilde e Baudelaire, Augusto dos Anjos, quanto sofrimento… Tirei disso o bom, porque a maestria com as palavras desses poetas é inegável e o resto o tempo fez amadurecer. Tive a fase Offbeat também, já gostei muito desse tipo de poesia, mas hoje esse segmento não me diz muita coisa além do aspecto que é convergente com tantos outros segmentos de poesias que tem na flor da pele o encanto pelos detalhes belos da vida urbana. Enfim, eu gosto muito quando isso acontece, principalmente quando o que não faz bem me perde o sentido, pois sinto que não fiquei parado e estou sempre em busca de meu próprio caminho.
Por falar em influência, você acreditava que seria influência de alguém um dia? Tenho amigos que tem frases suas tatuadas. Como é a sensação de presenciar isto?
Nenê Altro: É um lance delicado porque acima de tudo eu sou humano e cheio de imperfeições. E como sou transparente e como artista acabo tendo de certa forma uma vida popular, peso muito o que causei nesse sentido quando por vezes me deixei levar por minhas fraquezas. Mas de certa forma isso também aconteceu comigo quando mais novo e sob influência de meus ídolos, é um ciclo. Todavia também penso que minha vida de batalhas e minha luta por vencer os obstáculos da estrada por outro lado hoje sirva de exemplo para quem me acompanha e isso me dá muita força.
E como surgiu o Dance of Days e quais foram os primeiros passos?
Nenê Altro: O Dance of Days surgiu em 1996 no olho do furacão do hardcore paulista, com o final do Personal Choice. Sempre foi um projeto pessoal meu, confessional, e mesmo com o passar dos anos ainda carrega essa essência intacta. Eu tinha umas músicas prontas, chamei amigos de outras bandas e começamos a ensaiar ainda sem nome definido. Em 1997 gravamos o primeiro ep, “6 First Hits” e finalmente dei nome à banda. Foi assim que tudo começou.
Mesmo com as trocas de formação, nunca deixaram cair a intensidade. O que causa esse padrão na sonoridade da banda desde 1997?
Nenê Altro: Mudar de formação é algo normal e faz parte de ter uma banda com longevidade. Nessa primeira fase de 1996 a 1998, por exemplo, sei lá quantas formações tivemos, foram três bateristas, dois baixistas e depois um sem número de mudanças após a gravação do A História Não Tem Fim em 2000. A essência nunca se perdeu e a intensidade nunca caiu porque a ideia que formou o conceito Dance of Days sempre se manteve a mesma, que é essa coisa forte e carregada em primeira pessoa em torno do que tudo foi construído desde o princípio. E é óbvio que cada um que passou pela banda trouxe também um pouco de si no aspecto musical em cada fase e todos tem seus méritos nesse sentido.
A discografia do DoD é de dar inveja em muita gente, tem algum disco que tu gostaste mais de compor, aquele com gostinho especial? (Poderia nos falar um pouco sobre a sua escolha?)
Nenê Altro: A Valsa De Águas Vivas de 2004, mas gosto do processo de composição e gravação, não do capítulo que iniciou após o lançamento do álbum. Mesmo hoje sendo outra pessoa (o que agradeço) esse momento de criação foi meu ápice na evolução dos dois primeiros trabalhos em português e o último antes de começar uma das fases mais tristes de minha vida. Gosto da força que consegui registrar no Valsa e sinto que, uma década depois, principalmente após minha evolução gradual nos eps de 2013 a 2015 e com as letras do Amor-Fati, consiga corrigir o desvio e retomar aquela mesma esperança e credulidade na vitória, ou coisa que o valha. É o que desejo para o próximo álbum da banda.
E sobre o cenário musical. Você é um cara bem ativo na cena, já fez coletâneas e diversos materiais para auxiliar bandas. Como você vê o cenário atualmente?
Nenê Altro: Acho que a música brasileira sempre foi muito rica. E fico feliz que o rock nacional esteja finalmente se tornando algo mais aberto a influências e mudanças. Do hardcore como cena, apesar da história do Dance of Days levar pra sempre essa raiz lá nos anos 90, eu já me desliguei faz muitos anos, mas tem sempre uma juventude empolgada gravando, tocando e que sempre vai criar suas próprias histórias. Eu gosto muito do que tenho visto, o pessoal da música tem sido mais autossuficiente e isso pra arte é muito bom. Pra quem espera tudo cair do céu a cena musical sempre vai ser injusta, “cheia de panelas” e vai estar uma merda. Mas pra quem tem coração de músico todo lugar é palco desde que tenha receptividade e alma.
Dividisse o palco com muitas bandas. Tem algumas que indicaria para ouvirmos? E quais te marcaram?
Nenê Altro: Puxa, é uma pergunta difícil porque apesar de eu ter 30 anos de palco eu vivi muitas fases e em especial nos últimos anos eu fui muito recluso, muito bicho de caverna e curti um momento só meu com minha esposa e musa Nicolle. Tirei esse tempo maravilhoso para me analisar e redescobrir. Ainda não toquei junto, mas gosto do Nando Reis, do Humberto Gessinger, do Paulo Miklos. Recentemente toquei no mesmo festival que o mestre Edgard Scandurra, mas não consegui ver o show, coisas da estrada… Estou mais nessa praia agora, é o que tenho escutado.
Quais são os planos futuros do Dance of Days e ainda mais, sobre a sua carreira solo? Algo que possa nos adiantar?
Nenê Altro: O Dance of Days vai gravar um DVD acústico com sucessos das duas primeiras décadas em releituras para teatros e audiências que envelheceram junto com a banda e também não tem mais pique de aguentar gente caindo dos palcos nas cabeças. Estamos trabalhando somente nisso nesse semestre, fazendo poucos shows e nos dedicando aos arranjos. A ideia é gravar ainda esse ano, mas não quero fazer nada com pressa, vamos ver como as coisas vão rolar. A minha carreira solo também está num momento bem legal, lancei meu álbum de estreia “Classe de 1972” em Maio pela Monstro Discos, já fiz o grande Goiânia Noise Festival, vou fazer Hangar nessa sexta, um passo por vez. Minha ideia é divulgar esse primeiro disco e já trabalhar no segundo para não ter que seguir tocando sempre músicas antigas do Nenê Altro & O Mal de Caim para completar um tempo mínimo de show.
Nenê, obrigado pela parceria e disponibilidade. Pode deixar uma mensagem para os nossos leitores?
Nenê Altro: Mais uma vez agradeço ao O Subsolo pelo espaço e peço desculpas pela demora, pois tenho vivido cada vez mais fora da internet e deixado minhas redes e meu tempo nelas apenas para divulgação de meus trabalhos artísticos. Agradeço também aos que estão dando suporte divulgando as faixas do meu primeiro álbum solo. É um trabalho que estou fazendo com muito carinho e muita coisa boa ainda está por vir. Muita força a todos!