A junção do Heavy Metal com a Música Clássica se tornou um elemento natural e recorrente na música pesada, especialmente a partir da fórmula criada nos primeiros trabalhos dos suecos do Therion e da consolidação do gênero com os primeiros álbuns do Haggard, Nightwish e Within Temptation, tudo isso na década de 90. O que não é comum, no entanto, mesmo nos dias de hoje, é que essa veia orquestral do Heavy Metal seja criada e executada de maneira orgânica, como no caso da banda catarinense, No One Spoke.

A No One Spoke é uma banda de Symphonic Metal que tem seus elementos orquestrais essencialmente orgânicos, representados pelas figuras da soprano Carla Domingues, da violinista Iva Giracca e do tecladista Thiago Gonçalves, que quando somados ao peso avassalador da guitarra de André Medeiros, do baixista Artur Cipriani e do baterista Gabriel Porto, resultam em uma sonoridade absolutamente única, grandiosa e explosiva.

Conversamos com a vocalista Carla Domingues e o baterista Gabriel Porto, que nos contaram sobre suas extensas relações com a música, o Heavy Metal, e especialmente a sua trajetória e próximos passos com a No One Spoke. Confira:

Passado 1 ano do lançamento de Nine Mirrors, finalmente a No One Spoke conseguiu realizar o show de estreia do disco. Nos conte um pouco sobre esse retorno aos palcos e sobre poder finalmente tocar as músicas do álbum juntos e para o seu público.

Carla: Durante todo o período de pandemia, no qual estávamos preparando as gravações do álbum, ficávamos imaginando se seria possível realmente tocá-lo ao vivo. Foi um período de muitas incertezas, sobretudo para o meio artístico, e o distanciamento do palco, das aglomerações, nos fez realmente perder a ideia de como seria a recepção do álbum por uma plateia. Então, de certa forma, o show de estreia foi carregado de uma emoção única e nós pudemos ter certeza que não foi só de nossa parte. O público que compareceu estava muito animado por estar ali de volta a um show e também por estar nos vendo tocar aquele CD ao vivo, foi realmente mágico!

Gabriel: Para mim foi muito gratificante, pois na época que lançamos o álbum estava no auge da pandemia, então sabíamos que não iríamos conseguir fazer shows. Mas quando a gente escutava as músicas sempre vinha aqueles pensamentos do tipo “pô, a gente tinha que tocar isso ao vivo”, “imagina essa aqui ao vivo que massa que ia ficar”, esse tipo de coisa. Então foi muito legal ver a recepção do público, que conhecia as músicas, foi tudo aquilo que a gente esperava mesmo. Então foi um prazer enorme poder tocar essas músicas ao vivo mesmo depois de mais de um ano do lançamento, foi muito especial.

Vocês têm lançado algumas músicas das gravações desse show no canal da banda no YouTube. O show foi gravado integralmente? Se sim, a pretensão da banda é lançar a apresentação completa?

Gabriel: Sim, o show foi gravado na íntegra, mas infelizmente teve algumas falhas na captação do áudio e estamos trabalhando para tentar publicar isso da melhor forma possível. Estamos lançando alguns vídeos das músicas separadamente e depois pretendemos lançar o show na íntegra, mas antes precisamos resolver essas questões técnicas. De qualquer forma, mesmo que tenha alguns trechos com áudio da câmera apenas, pretendemos lançar sim.

Nine Mirrors foi gravado, produzido e lançado durante a pandemia. Nesse período a banda também produziu videoclipes e vários outros conteúdos audiovisuais. Como foi realizar todo esse trabalho em um período tão delicado?

Carla: Por um lado nos sentíamos muito receosos de estar em contato uns com os outros, nós realmente nos cuidamos muito durante todo o período de isolamento. Por outro lado, sentíamos uma necessidade muito grande de continuar produzindo material, era uma questão de sanidade mental, então tentamos fazer tudo da melhor maneira e do modo mais seguro possível.

Gabriel: Pois então, como a gente falou no documentário Behind the Mirrors, as músicas já estavam prontas no final de 2019, início de 2020, então nós já tínhamos a ideia de gravar em 2020 o álbum. Veio a pandemia e todas as mudanças que ela acarretou, mas nós tentamos manter a ideia ativa e começamos a trabalhar na pré-produção das músicas de maneira remota (alguns nem tinham equipamento ainda e tiveram que ir atrás). Durante o financiamento coletivo acabamos fazendo bastante material de vídeo também, nesse mesmo molde de cada um gravando em sua casa e depois eu editava. Foi assim que fizemos o vídeo da Blue Way, com imagens que cada um captou da sua rotina durante a pandemia. O áudio também foi gravado cada um em sua casa, e depois eu juntei tudo isso e editei o áudio e vídeo. Fiquei muito contente com o resultado. Além disso, realizamos algumas lives com o Thiago, a Iva e a Carla. Fizemos também um vídeo de chamada que acabou rendendo um só de erros de gravação, que ficou bem divertido. Então essas foram formas que nós tivemos de nos mantermos ativos e também de conseguir realizar a proposta de gravação do álbum. Sem essas ações para o financiamento coletivo nós não conseguiríamos gravar o álbum, pois devido a pandemia todos tivemos bastante dificuldades tanto financeiramente quanto de logística. 

Os elementos sinfônicos são uma constante nas composições da No One Spoke, mas o instrumental no que tange ao Heavy Metal também é um destaque, indo desde o Prog Metal até o Metal Extremo. Como vocês conciliam a composição desses gêneros musicais e como funciona o processo criativo da banda?

Carla: A música da No One Spoke reflete as influências de cada um dos integrantes. Temos gostos bastante diferentes e como nosso processo de composição é quase totalmente em conjunto, isso acaba aparecendo no nosso som. De minha parte, eu sou bastante sazonal, tem épocas que curto mais metal e outras que a minha trilha sonora diária é praticamente toda de música erudita, mas acho que entre minhas principais influências e que se refletem em Nine Mirrors estão: Anneke van Gierbergen, sobretudo nos trabalhos com o The Gentle Storm e Vuur, Riverside, Soen, Lacuna Coil, Epica e muita ópera.

Gabriel: Acredito que seja um processo natural devido às diversas referências e gostos dos integrantes. Temos elementos que remetem à música erudita como o violino, o piano e os vocais por vezes líricos da Carla, e temos também uma influência muito forte do Rock Progressivo clássico, do Metal Progressivo e até mesmo de vertentes mais extremas do Metal. Então acredito que seja algo bem natural, embora desde o início a proposta da banda já tenha sido bem definida que pretendíamos mesclar elementos de música erudita com o metal em suas mais variadas vertentes, mas também trazendo alguns elementos de nossa cultura latino-americana e brasileira. 

E quais são suas principais influências, tanto dentro quanto fora do Metal?

Gabriel: As minhas influências são as mais diversas, embora essencialmente dentro do Rock e do Metal. Eu sempre busco escutar quase tudo e me manter sempre atualizado. Com relação à bateria, na minha formação tive bastante influência de bateristas de Rock Clássico como John Bonham, Neil Peart, Ian Pace, Nick Mason, Cozy Powell, Bill Brufford, Phil Collins, entre outros, e de Metal nomes como Dave Lombardo, Pete Sandoval, Iggor Cavalera, mas também tive bastante influência de alguns bateristas de jazz/fusion como Buddy Rich, Vinnie Colaiuta, Dave Weckl e até mesmo de brasileiros como Cuca Teixeira e Kiko Freitas.  Na atualidade poderia citar como referências Gavin Harrison, Marco Minnemann, Mario Duplantier, Baard Kolstad. No tocante ao estilo da No One Spoke, eu tento trazer todas essas minhas influências e raízes para dentro dessa proposta de linguagem meio fusão de Metal, Progressivo e Latino.

Milonga para las Reinas é uma espécie de grito de resistência e homenagem à força da mulher. Como vocês enxergam a presença feminina no Metal hoje em dia e como ocorreu a ideia e a realização daquele videoclipe tão especial para essa música?

Carla: Acho que a presença da mulher no metal cresceu muito nas últimas duas décadas, sem dúvida. Hoje a mulher tem um papel protagonista tanto no palco quanto no público, mas obviamente temos várias questões que ainda precisam ser discutidas. A ideia da Milonga, com esse título, partiu do nosso ex-guitarrista, fundador da No One Spoke, o Marcelo Rosa. Ele foi responsável pelo conceito e a partir dele eu escrevi a letra e quando estava nesse processo eu já ficava imaginando a mensagem visual que queria passar. A ideia inicial era fazer na praia, talvez nas dunas da Joaquina, depois, por uma questão de logística, preferimos o parque do Rio Vermelho. A produtora Oito Três, que foi responsável pelo vídeo, soube captar a essência da mensagem que queríamos passar e isso foi fundamental para o resultado final. Mas nada seria possível sem a receptividade daquele time incrível de mulheres ao nosso chamado. Foi incrível!

Apesar da No One Spoke ser uma formação mais recente, vocês estão na estrada há muito tempo, até mesmo juntos em outras formações. Qual é a origem da No One Spoke e qual o caminho de vocês para chegarem até aqui?

Carla: O Gabriel faz parte de uma das primeiras formações da banda gaúcha de Dark Metal, a M-26, a qual eu passei a fazer parte em 2000. Nessa época tocamos no River Rock duas ou três vezes e nesse festival eu pude me apresentar também com outra banda que eu tive, a Vetitum. Quando nos mudamos para Florianópolis, em 2007 e 2008, primeiro o Gabriel e depois eu, começamos a pensar em fazer um projeto por aqui, e então surgiu a Enarmonika, com a qual lançamos um EP, Duality, e que foi sem dúvida o projeto precursor da No One Spoke, pois ali já tínhamos a colaboração da Iva Giracca. Gabriel teve experiências com outras bandas também e eu me dediquei muito à música erudita, e o Rock’n Camerata com a Camerata Florianópolis foi muito importante para meu amadurecimento no palco, então sim, a trajetória é bem longa já.

Fear of Regret recebeu um videoclipe bastante complexo e com um roteiro e execução absolutamente grandiosos. Como surgiu a ideia desse clipe e como foi atuar em suas gravações?

Gabriel: O roteiro surgiu pelas ideias da Carla, ela pode explicar melhor. Eu já conhecia o trabalho do Renan Casarin, da Pulso Produtora e gostava bastante. Apresentamos para ele a ideia, ele topou e depois fomos correndo atrás das questões logísticas para tentar realizar o que o roteiro propunha. Eu já tinha visto alguns vídeos de outras bandas em que os integrantes participam como atores e trouxe essa ideia, até porque nosso orçamento já estava bem apertado. Quanto à minha atuação, prefiro deixar para vocês avaliarem (risos), mas foi uma experiência bem legal atuar, espero fazer mais no futuro.

Carla: Da mesma maneira que aconteceu com a Milonga, quando eu terminei de escrever a letra da Fear eu já tinha em mente uma ideia de clipe, então um dia, já com uma pré produção da música em mãos eu comecei a escutar e a esboçar o roteiro. Mostrei primeiramente pro Gabriel e depois pro pessoal da banda e todos disseram que eu era maluca! Realmente era uma ideia bacana, mas com certeza com custo alto. Fomos conversando com várias pessoas e vendo as possibilidades e chegamos a um acordo com o pessoal da Pulso e foi muito bacana o trabalho que eles fizeram. Ficou um resultado de alto nível. Sobre nossas atuações, bem, acho que precisamos de mais estrada nesse quesito (risos).

Como vocês enxergam a cena do Metal em Santa Catarina? Vocês se sentem impactados como banda por não estarem em São Paulo, por exemplo?

Carla: Sempre achei a cena metal em SC muito interessante. Os festivais open air sempre foram incríveis e foram crescendo muito com o passar dos anos, nós vinhamos do RS somente para o festival e era um evento super aguardado. Espero que aos poucos os festivais voltem a acontecer. Sobre estar na capital, acho sim que faz uma diferença, mas nos dias de hoje, com a facilidade de locomoção e a tecnologia permitindo a comunicação mais veloz, eu não sei se faz realmente muita diferença. O que vejo é que o Brasil ainda tem pouquíssimo espaço para o crescimento de bandas do nosso gênero, o que realmente é uma pena.

Gabriel: Com certeza o fato de não estar num grande centro dificulta bastante as atividades de uma banda autoral, ainda mais num estilo que não é tão popular no Brasil como o Metal. A cena em Santa Catarina não considero tão ruim. Antes da pandemia tínhamos diversos festivais open air e shows com bandas de diversos lugares do país e até mesmo  do exterior, entretanto ainda falta espaço e apoio para que as bandas locais e o público tenham uma melhor comunicação, acredito que faltam meios para que o público, que não é pouco, venha a conhecer as bandas da região e apoiá-las. Com certeza em um centro maior as coisas acontecem de modo mais rápido, pois há maior exposição e oportunidades de atingir um público maior e produtores.

E quais são os próximos planos da banda? Já podemos esperar por novos shows ou mesmo por um segundo álbum?

Carla: Nós estamos num momento de dedicação a projetos pessoais e retomando algumas coisas do pós pandemia também, então temos sim ideia de um segundo álbum, mas não sabemos quando irá acontecer. De momento também não temos nenhum show agendado, mas convites são bem vindos.

Gabriel: Devido a diversas atividades em paralelo dos integrantes, não temos planos a curto prazo de realizar shows ou até mesmo de lançar o material novo. Passando esses compromissos, talvez mais para o final do ano ou início do ano que vem, iremos nos reunir para traçar os planos futuros.

Agradecemos à vocês pela disponibilidade e gentileza em atender O SubSolo e o espaço está aberto para deixarem uma mensagem aos nossos leitores.

Carla: Agradeço muito o espaço! Sigam nossas mídias sociais, interajam, para todo o artista esse feedback é muito importante! Acompanho o trabalho d’O Subsolo e sei que é uma referência no meio, então obrigada por apoiar nosso trabalho e até breve!!!

Gabriel: Muito obrigado ao pessoal d’O Subsolo pelo espaço cedido, é uma das principais mídias aqui do estado de Santa Catarina e do país, que vem fazendo um trabalho excelente para divulgação das bandas independentes de metal da região. Aos leitores, apenas digo que continuem apoiando as bandas independentes, pois esse apoio faz com que a gente continue tendo algum gás para continuar trabalhando. Não é fácil manter uma banda de metal ativa aqui no Brasil, pois devemos conciliar com diversas outras atividades, então o apoio de vocês é essencial para que a cena continue existindo. Compre material, mostre para os seus amigos, interaja nas redes sociais, seja o que for, qualquer ação ajuda bastante. 

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Ouça o álbum Nine Mirrors aqui:

A Hell Yeah Music Company surgiu em 2020 a partir do sonho de dois amigos, Luis Fernando Ribeiro e Leandro Abrantes, que se conheceram há 15 anos por meio do Heavy Metal e tomaram-no como trilha sonora de suas vidas e matéria prima de sua arte. Respeito, valorização, criatividade e amor pelo que fazemos são nossos pilares. A #HYMC nasceu para quebrar padrões, ignorar estereótipos e dar suporte às bandas brasileiras que compartilham do mesmo sonho que nós. Baseada em Florianópolis, SC, a Hell Yeah atende bandas de todo o Brasil e de Portugal. Hell Yeah Music Company, música como experiência.