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História & Metal – The Candelária Massacre (LAC) #08

“⁠Os historiadores são os memorialistas profissionais do que seus colegas-cidadãos desejam esquecer.
Eric Hobsbawm

Salve Headbangers, inicio nosso texto com essa citação pois é fato que o Brasil faz um grande esforço para esquecer a sua história e por isso mesmo esta fadado a repetir muitos erros e calar muitas vozes. Vamos rememorar um episódio extremamente pesado e que mostra que se passaram quase três décadas e ainda tratamos crianças e adolescentes como o mesmo descaso. Vamos falar do Massacre da Candelária (RJ), fato presente também no som “The Candelária Massacre”, da banda LAC.


O local da chacina que será descrita aqui é a Igreja de Nossa Senhora da Candelária, qual a sua construção foi um pagamento de uma promessa feita por Antônio Martins de Palma, que ao ser pego por uma tempestade em alto mar prometeu que caso saísse vivo iria construir uma capela para a santa de sua devoção. As obras demoraram 123 anos, sendo inaugurada em julho de 1898.

Quase cem anos depois, esse cenário foi palco para um massacre. Em 23 de julho de 1993, cerca de setenta crianças e adolescentes em situação de rua dormiam aos arredores da capela, o horário era próximo da meia noite quando dois carros pararam nas proximidades (que, de acordo com relatos de testemunhas, tinham as placas encobertas) e cinco policiais desceram dos carros e dispararam a queima roupa, executando imediatamente quatro jovens, e ainda com um quinto que, ao tentar fugir, acabou também sendo assassinado. Outro menino, apelidado de Come-Gato, acabou morrendo alguns dias depois no hospital.

Não contente com a brutalidade até aí, os policiais capturaram mais tres moradores de rua, dentre eles Wágner dos Santos, de 21 anos, que foi alvejado com quatro tiros. Outros dois menores de idade capturados foram mortos, mas o que os policiais não contavam era que Wágner iria sobreviver, tornando-se assim uma testemunha ocular do massacre.

Totalizando, tivemos oito mortes, valendo destacar a faixa etária das vitimas: Paulo Roberto de Oliveira, de 11 anos; Anderson de Oliveira Pereira, de 13 anos; Marcelo Cândido de Jesus, 14 anos; Valdevino Miguel de Almeida, 14 anos; “Gambazinho”, 17 anos; Leandro Santos da Conceição, 17 anos; Paulo José da Silva, 18 anos; e Marcos Antônio Alves da Silva, de 19 anos.


Com uma grande repercussão nacional, foram investigadas quais seriam as razões para tal ação policial. A conclusão da investigação apontou um desentendimento entre o policial militar Marcos Vinicius Emmanuel e o líder do grupo dos rapazes, o já citado Come-Gato. Desconfiado que estava ocorrendo uso de cola de sapateiro entre os adolescentes, o policial decidiu fazer uma abordagem e levar Come-Gato para a delegacia, o que despertou a revolta dos rapazes que atiraram pedras na viatura.

Nesse período, o uso de cola de sapateiro não era considerado crime para apreensão, então Come-Gato foi liberado. Porém, a troca de insultos e ameaças entre eles já tinham ocorrido, e inspirado uma futura retaliação.

Uma outra teoria muito forte é a formação de esquadrões da morte, já que era fato recorrente que o 5° batalhão de polícia do Rio de Janeiro tinha ligações com o crime organizado.

O caso teve repercussão mundial a investigação apontou sete policiais como suspeitos principais. Três foram inocentados, um deles foi morto durante o processo (queima de arquivo) e por fim foram condenados: Nelson Oliveira dos Santos Cunha, Marcus Vinícius Emmanuel Borges e Marco Aurélio Dias de Alcântara.

Porém, sabemos que o sistema judicial do Brasil apresenta muitas falhas, por isso que Cunha e Alcântara foram soltos após cumprirem quatorze anos da pena. Emmanuel foi solto em 2012, no entanto, a decisão foi revogada e ele se encontra foragido desde então.

Se preferir uma visão mais sobrenatural, podemos dizer que o destino dos sobreviventes da Chacina não foi nem um pouco fácil, e como uma coincidência macabra, muitos voltaram a estampar as paginas policiais. Sandro Barbosa do Nascimento fez dois reféns em um ônibus, protagonizando o conhecido caso do sequestro do ônibus 174, em junho de 2000, culminando em tragédia com a morte da refém Geisa Gonçalvez, quando um policial errou a mira do tiro e acabou a acertando. Já Sandro foi asfixiado e morto no camburão.

Em 1997, João Fernando Caldeira da Silva foi morto a tiros próximo à igreja da Candelária. Thiago Veríssimo, o Thiaguinho, morreu por uma bala perdida em 2013, no Complexo da Maré. Gina, que tinha oito anos no dia da chacina, morreu em 2014, após passar anos em um manicômio judiciário.

 


Fato é que tal evento não prova apenas o despreparo da policia, que já trabalha em situações de estresse, com reduzido recursos, salários baixos em uma cidade que o crime organizado está em todas as raias do poder, como também demonstra a falta de compromisso do governo com crianças e jovens. Situações essa que poderiam ser evitadas caso ocorresse uma intervenção sócio educacional mais efetiva.


E o Som ?

“The Candelaria Massacre” é a sexta faixa do album The Core of Disruption lançado em 2013 pela banda carioca Lacerated And Carbonized (LAC), um trabalho irretocável que já chama atenção pela belíssima capa feita por Caio Mendonça. Sendo o segundo trabalho da discografia dos cariocas eles superaram o debut e mostraram que não são apenas uma promessa do Death Metal nacional.

A faixa citada aqui é, por assim dizer, uma das mais melódicas, analisando os padrões da banda, e conta com a participação de Guilherme Sevens (Painside) contribuindo com essa atmosfera. Destaque também para a produção sempre assertiva de Andy Classen. Resumidamente, “The Candelaria Massacre” é um clássico recente da musica extrema brasileira.


Segue a tradução da letra:
O Massacre da Candelária

Quando não têm pastor
Anseia para guardar o rebanho
E o frio da noite cai


Limites quebrados de vergonha
Nunca terminando dor
Deixe o sangue descer


Vou queimar todas as suas lágrimas
E conceder-lhe o fim
Para recordar as cenas em cada ferida


Compaixão eu repreender – Repudio
Em você eu não vejo a humanidade


Corpos espalhados nas escadas
Será que o seu cuidado deus?
Eu escrevo em linhas tortas
E lançou a última pedra


Quando pensamos das mentiras
Gire a roda do acaso
Carnificna sem arrependimentos
Colocado para o lixo


Remover o pó para justificar
Seus caminhos hediondos


Meus sonhos destruídos levantar memórias
Todos se extraviaram
Recuou com medo meu destino está selado
Aniquilação brutal


Não mais cego
Descobrindo a despeito
O estigma que suportar
É bem nos olhos


Quando pensamos das mentiras
Gire a roda do acaso
Carnificna sem arrependimentos
Colocado para o lixo


Candelária, as ruas estão em chamas
Candelária, um império implacável
O último grau

Candelária



É possível ver que de forma bem poética a banda expõem a dualidade entre o lugar “sagrado” e o massacre sem pastor, sem Deus para evitar a crueldade e carnificina. Uma aniquilação brutal de um olhar que não transmite empatia, o resultado são corpos espalhados na escadaria.

Paulista e um dos maiores amantes do Metal Extremo, principalmente se tratando do nacional. Professor de Geografia e História, é também formado em Matemática e Filosofia, Pai da Naylla e do Dhemyan. Foi colaborador de algumas mídias, antes de fundar o site Underground Extremo, o qual tem um laço de irmandade com O SubSolo. Acompanhava o trabalho d'O SubSolo a alguns anos e passou a contribuir e fazer parte da equipe, a qual é honrado em colaborar com o desenvolvimento desta grande mídia do Rock/Metal, sendo o responsável pela parte das escritas mais extremas do site.