É com muito prazer que trago a primeira resenha do ano de 2022, desejando a todos que acompanham e apoiam o nosso trabalho aqui n’O Subsolo, muita paz, saúde e prosperidade.

Pois bem meus amigos, existem aquelas bandas, que mesmo possuindo obras que influenciaram a criação de determinadas vertentes dentro do Rock ou do Metal, não são tão populares ou mesmo tão palatáveis ao grande público. E hoje, falarei de um verdadeiro exército de um homem só. O poderoso Bathory!

Fundado em 1983 em Estocolmo, na Suécia, pela lenda  Thomas Börje Forsberg, (mais conhecido como Quorthon) a obra deste multi-instrumentista foi responsável pela criação de duas importantes vertentes do Heavy Metal, sendo elas, o Black Metal, ao lado dos ingleses do Venom, e o Viking Metal. O nome da banda, como já é de se supor, veio da icônica condessa húngara Elizabeth Bathory considerada uma das mais famosas serial killers da história.

 

 

Os quatro primeiros registros, Bathory (1984), The Return… (1985), Under The Sign of The Black Mark (1987) e Blood Fire Death (1988) (este já com um pezinho no estilo viking) sem sombra de dúvidas, foram as musas inspiradoras para toda aquela galerinha batuta da Noruega dos anos 90 como o Mayhem, Darkthrone, etc.  Fora a partir de Hammerhart (1990) que os Blast Beats e as letras satânicas, foram substituídas por melodias mais lentas, pesadas e temáticas completamente voltadas à grandes batalhas e todo o folclore que envolvem a mitologia nórdica. A antiga abordagem retornaria futuramente nos álbuns Requiem (1994) e Octagon (1995) somada a pitadas do Thrash Metal vigente da época.

Dessa roupagem Viking surgiram mais dois trabalhos. O excelente Twilight of The Gods (1991) e a obra que dissecarei no texto de hoje, o épico e conceitual, Blood on Ice. Uma curiosidade a respeito do álbum que vale a pena ressaltar, é que apesar de ter sido lançado apenas em abril de 1996, este trabalho fora gravado em 1989, pouco tempo após o lançamento de Blood Fire and Death.

Porém, Quorthon ainda não o havia terminado completamente, e ainda temia uma possível rejeição por parte do público a uma mudança tão drástica na sonoridade do Bathory, guardando-o assim para a posteridade.  Esse desejo de mudança, não partira simplesmente de uma hora para outra. O músico sentia a necessidade de respirar outros ares, menos satânicos vamos assim dizer.

Entretanto, a banda na época era ainda tida pela imprensa e pelo público como “a banda satânica da Suécia”. Para se ter uma ideia, os fãs mandavam cartas e mais cartas, perguntando ao músico se ele realmente sacrificava virgens, devorava bebês e outras tantas abobrinhas que permeiam a imagem do Black Metal.

 

Todo o conceito por trás das letras de Blood on Ice, veio da paixão de Quorthon pela obra do compositor Alemão Richard Wagner, em específico a obra Götterdämmerung. O músico buscou as mesmas fontes que inspiraram Wagner para escrever toda a história do disco.

Somadas a essa paixão pela música clássica, estão os quadrinhos de Conan – O Bárbaro, e a total dedicação às mitologias Escandinava e Alemã. Outro fator curioso, é que toda a narrativa fora escrita primordialmente por puro lazer e só depois pensada para o formato musical.

E antes de finalmente adentrarmos ao álbum como um todo, um destaque para a belíssima arte da capa (um fator predominante em toda a discografia do Bathory) uma ilustração do artista sueco Kristian Wåhlin (que já realizou trabalhos para King Diamond, Emperor,entre outros) sintetizando toda a saga que permeia a obra.

 

Sons de cavalos em disparada e gritos ao fundo, fazem a ponte da introdução com a faixa título do trabalho. De forma épica a canção possuí toda a teatralidade que um álbum conceitual pede, apresentando coros incríveis que acompanham praticamente todos os riffs de guitarra. A interpretação de Quorthon é outro destaque. Na história, ele assume o manto de vários personagens, entre eles o protagonista, um garoto de dez anos cujo nome não nos é revelado.

Blood on ice retrata toda a carnificina sofrida por um pequeno vilarejo por um exército de cavaleiros malignos a mando de uma entidade conhecida como Besta Fera. Desta chacina, apenas o frágil menino aparentemente sobrevive e o fim daquele fatídico dia é anunciado no encarte do cd (até mesmo por que para se entender um trabalho como esses, é necessária sim à leitura aliada à audição, como o folhetim de uma ópera). Se você não possuí o bom e velho físico, existem vários sites de letras na internet que irão lhe ajudar nessa jornada. Basta um pouquinho de pesquisa…

Quinze anos se passaram desde os acontecimentos na vila. E em Man of Iron somos apresentados a uma melancólica melodia de violão. Aqui, o herói nos conta os anos que vivera em total solidão em meio às gélidas florestas, aprendendo dentre muitas coisas, a linguagem dos animais.

A agressividade da fase clássica do Bathory se faz presente na faixa One Eyed Old Man. Aqui o jovem clama aos deuses, questionando-os sobre os acontecimentos do passado, o futuro e qual será o destino reservado a ele no fim das contas. Eis que neste momento, a sonoridade da canção se altera, e em um clima mais soturno, somos apresentados a mais um personagem, O Velho Homem de Um Olho Só. Vi alguns comentários internet afora, que afirmava que o personagem fora interpretado por Börje Forsberg, pai de Quorthon. Até o momento não consegui validar a informação, mas caso se mostre verdadeira, a curiosidade está aqui.

Agindo como uma espécie de mestre dos magos, falando de forma enigmática, o misterioso ser, revela ao jovem que ele é O Escolhido pelos Deuses, herdando assim um cavalo e uma espada mágica, itens essenciais para que a vingança contra o exército e a Besta Fera que dizimara o antigo povoado seja completa. Nesta fala do velho, tudo é acompanhado por teclados que garantem a total imersão a este trecho. A partir do momento em que o homem sem nome descobre o que o destino lhe preparou, um urro invade a música e as guitarras distorcidas retornam triunfantes para fazer o encerramento da faixa com maestria.

Seguindo a descrição no encarte, sabemos que a espada mágica ainda seria construída. E isso de fato acontece em uma manhã ensolarada descrita em The Sword, carregada de outro riff épico. O mais interessante ao entrar em contato com a canção, é que se prestarmos atenção, poderemos ouvir o som do martelar de bigornas. O aparato encantado foi forjado no fogo e no gelo, resultando na mais bela e letal ferramenta de vingança.

Já a nobre montaria que guiará o herói até o destino final é descrito na galopante e cadenciada The Stallion. Aqui o narrador detalha todo o esplendor da criatura, um belo espécime branco como a neve, de força e músculos de aço. E se engana quem pode imaginar que a letra da canção se refere a um mero cavalo comum. Em certo ponto da música descobrimos que se trata do lendário Sleipnir, a montaria do poderoso Odin, cujo jovem herói “batiza” com o próprio sangue. E assim se segue a noite…

Enquanto se deita e contempla as chamas de uma fogueira que acabara de fazer, o herói se depara com a visão de uma vil criatura, descrita na faixa The Woodwoman. Após segui-la noite adentro, a horrenda feiticeira, uma das visões mais grotescas já vistas pelo personagem, oferece um acordo. O coração do rapaz em troca da imortalidade. Este seria o único poder capaz de resistir aos ataques da temida Besta Fera. Sedento pelo desejo de vingança, o trato fora firmado…

Toda a sonoridade desta faixa tem um quê de feitiçaria, uma aura de misticismo, acompanhada pela criativa linha melódica da voz e os já citados corais. E que solo mais bem encaixado meus amigos!

O som da água e um belo dedilhado marcam o inicio da oitava faixa, The Lake. E se canção anterior o protagonista sacrificou o coração, nesta, ele sacrificará a visão. E pode ser que eu esteja errado, mas a partir dessa letra me pareceu revelar que o Homem de um olho só, é na verdade, o próprio Odin. Talvez eu não tenha pegado a referência de primeira, por não ser um aficionado na mitologia nórdica.

O Deus nórdico mor atirou um dos olhos neste mesmo lugar, também conhecido como O Poço de Mimir para obter a multivisão. O Herói buscando a visão para além da infinidade sacrifica os dois glóbulos, sendo agora auxiliados pelos dois corvos de Odim, Hugin e Munin. Aqui temos mais uma demonstração da habilidade de Quorthon em construir músicas épicas, em um refrão catártico.

Gods of Thunder of Wind and of Rain é quase uma faixa de Power Metal e carrega altas doses de uma energia pra lá de cativante. A letra é uma oração do Herói, que roga aos deuses que o guiem com toda a sua glória para a batalha que se avizinha contra a Besta Fera.

Com isso chegamos às duas últimas faixas e o desfecho desta história para lá de criativa e cheia de ricas referências. The Ravens é a faixa mais curta do trabalho, mas com uma bela melodia tanto vocal como dos violões. Aqui, o protagonista pede aos seus fiéis corvos que voem para o local onde o confronto irá acontecer, reconhecendo melhor o território da batalha e guiando melhor o caminho para lá.

E com a incrível sensação cíclica, The Revenge of the Blood On Ice traz a mesma introdução do início do álbum, onde o massacre a vila e o início da jornada do garoto teve início. Um breve retrospecto de toda a caminhada é retrato na letra da canção, como se estivéssemos na pele do protagonista relembrando a árdua estrada até o momento do último entrave. Ele caminha rumo aos portões de Hel, o inferno da mitologia nórdica, para o encontro com a Besta Fera. No meio da canção podemos ouvir, assim como no começo do disco, o som do cavalgar de cavalos, porém, dessa vez é o inimigo que sofrerá o ataque, sentindo a toda a fúria impiedosa da vingança do sangue no gelo…

Tradicionalmente a maioria dos trabalhos na discografia do Bathory se encerram com uma pequena faixa intitulada The Winds of Mayhem. E é justamente como o fechar de cortinas que essa grandiosa obra chega ao fim.

Meus amigos, que álbum fantástico. Admito que ainda tenho alguns trabalhos da banda ainda a conhecer como é o caso do Destroyer of Worlds (2001) para frente. Mas a partir de tudo o que ouvi da obra de Quorthon até Blood On Ice, posso afirmar que este é o melhor trabalho do Bathory, mesmo gostando muito de albums como o Twilight of The Gods, por exemplo. Definitivamente ele não é o mais conhecido, ou o mais destacável pela mídia ou os fãs, mas digo sem demagogia nenhuma, que o conceito e tudo o que este trabalho engloba me surpreendeu e muito.

Temos uma obra rica, tanto liricamente como musicalmente falando. A história desse trabalho poderia facilmente ser inserida em qualquer Game da franquia The Elder Scrolls, inclusive é uma ótima trilha sonora enquanto você desbrava o vasto mundo de Skyrim.

É impressionante o quanto Quorthon conseguiu extrair de seus instrumentos e da própria capacidade criativa de encaixar os corais do álbum seguindo com maestria as passagens mais marcantes de guitarra e demais instrumentos.

Em suma, uma joia perdida dentre uma vasta discografia. O Bathory ainda revisitaria os temas vikings/nórdicos poucos anos antes do falecimento de Quorthon em 2004 com os álbuns Nordlands I (2002)  e Nordlands II (2003). Espero apreciar o restante da discografia deste músico gigante, tanto quanto tudo o que conheci até Blood on Ice

 

Tracklist

01)Intro
02) Blood on Ice
03) Man of Iron
04) One Eyed One Man
05) The Sword
06) The Stallion
07) The Woodwoman
08) The Lake
09) Gods of Thunder of Wind Ando f Rain
10) The Ravens
11)The Revenge of Blood on Ice
12) The Winds of Mayhem (outro)

 

Nascido no interior de São Paulo, jornalista e antigo vocalista da Sacramentia. Autor do livro O Teatro Mágico - O Tudo É Uma Coisa Só. Fanático por biografias,colecionismo e Palmeiras.