Por mais que gostamos de determinados artistas, ou bandas, as vezes pela correria do cotidiano e a enxurrada de coisas novas que chegam até nós, calha de pararmos de acompanhá-los com tanta veemência e afinco como de costume.
Ah, mas como é bom quando nos lembramos deles e partimos em busca de saber o que estão fazendo atualmente. E fora justamente assim, ouvindo um Podcast que descobri por acaso que o lendário Ney Matogrosso, além de uma cinebiografia prevista para estrear ainda em maio de 2025, lançara um novo disco. E melhor ainda, que este novo disco estava calcado profundamente ao Rock, gênero esse que revelou Matogrosso nos anos 70 com os Secos e Molhados.
Então, com essa informação “em mãos”, corri para o Spotify e me deparei com Canções Para Um Novo Mundo, álbum em parceria com o para mim ainda desconhecido Hecto, duo formado por Guilherme Gê e Marcelo Lader. Mas meus amigos, que prazer foi esse em conhecer essa junção, que já adianto, tem uma liga poderosíssima!
Então sem mais delongas, adentremos ao disco.
O disco começa direto e sem floreios com Pátria Gentil, que conta com a participação do baterista Will Calhoun do Living Colour. E aqui vai um adendo a àqueles mais sensíveis: a realidade do cotidiano brasileiro será jugada de forma nu e crua de formas diferentes no decorrer da audição, sendo essa incrível abertura, um leve aperitivo com sabor de prato principal, do que está por vir.
Aqui tenho que começar a enaltecer o talento de Hecto. Parece que a banda conhece muito bem tudo o que o Rock Brasileiro tem de melhor, condensando tudo em uma sonoridade única com referências bastante perceptíveis. Uma alta carga nos versos “Na Boca Que Tem Sede, Não Come” remete aos tempos áureos dos Titãs, por exemplo.
Na sequência Monólogo é o bater do martelo que decreta o quanto o disco ainda vai ter muito o que oferecer. Uma verdadeira balada épica e dramática que enaltece o poder da junção Hecto e Ney Matogrosso. A combinação de ambas as vozes, mescladas com a sonoridade da canção, proporcionam arrepios, enquanto parecem dissertar a respeito de todo cansaço físico e mental que assola o trabalhador ao final de cada dia. Simplesmente sensacional!
Teu Sangue é uma ode à igualdade que começa de forma mais soturna e culmina em um refrão gigantesco e esplendoroso.
E na quarta faixa, mais uma agradabilíssima surpresa. Em Solaris, participa ninguém mais, ninguém menos, que outro grande ícone do Rock Nacional, o grande Roberto Frejat. Além da potente voz, o Ex-Barão Vermelho ainda contou com a presença do antigo companheiro de banda Fernando Magalhães no épico solo de guitarra presente na canção.
Trazendo a presença feminina ao trabalho, O Amor Vem Antes de Tudo traz a participação de Ana Cañas com pitadas de Cítaras.
Em Troço, a faixa mais curtinha do álbum, despertou me uma certa reflexão. Será que estamos mesmo vivenciando todo o amor que tanto se prega nas redes? E não estou falando apenas no discurso político, mas em um contexto geral. Muito se fala deste sentimento, mas será que de fato ele se faz presente?
Mas parece que essas dúvidas logo me são respondidos com a faixa que dá título ao trabalho. Canções Para Um Novo Mundo, mostra que o amor se faz presente nas pequenezas de nossos atos e no nosso cotidiano e que jamais devemos ficar de braços cruzados esperando que esse sentimento nos atinja. Deixar o amor entrar é a chegada de um novo mundo.
Nosso Mundo traz o ouvinte novamente para o mundo real, longe das epifanias do amor, mostrando além do caos e as mazelas do discurso de ódio, a singularidade bela de cada indivíduo.
E fechando o disco de forma belíssima, Anonimato mostra a desilusão de um indivíduo que perdera tudo na vida e que agora sente a nostalgia de um tempo em que era alguém perante a sociedade. Uma bela poesia que parece sair do sofrido estilo do grande mestre Cartola.
Lançado oficialmente em 10 de janeiro de 2025, Canções Para Um Novo Mundo foi produzido por Guilherme Gê, com mixagem de Walter Costa e masterização de Ricardo Garcia. A distribuição nas plataformas digitais pela Som Livre. Acho pouco provável que uma versão em CD venha a sair, o que realmente é uma pena.
Autor das belas composições que permeiam o disco, Gê contou com a colaboração de grandes nomes como Paulo Sérgio Valle, Mauro Santa Cecilia, Déa Moura e Sérgio Britto (Titãs).
O disco fora o primeiro trabalho colaborativo lançado por Ney Matogrosso desde Vagabundo (2004) com Pedro Luís e A Parede.
Ah meus amigos, como é bom começar 2025 com um álbum de tamanha qualidade e valor inestimável. Ainda mais se levarmos em consideração toda a banalidade sonora que nos permeia ultimamente.
Posso dizer sem medo e exageros que Canções Para Um Novo Mundo é o melhor trabalho de Rock cantado em língua portuguesa lançado pelos menos nos últimos dez anos, sendo um encontro de gerações distintas, mas que sonoramente dão muita liga. Tudo soa bem encaixadinho, as guitarras são pesadas e a mixagem traz uma modernidade que as bandas dos anos 80 nunca puderam experimentar.
Os duetos entre Gê e Ney Matogrosso são perfeitos. O disco é bem enxuto, não deixando brechas para pontas soltas e proporcionando o famoso fator replay ao ouvinte.
Em suma, em tempos onde a música e a inteligência são artificiais, poder testemunhar o lançamento de um disco que bota o dedo na ferida e vai na contra mão do que é mais fácil e palatável musicalmente, é uma verdadeira dádiva.
Vida longa ao Hecto e vida muito mais longa a grande voz da musica brasileira, Ney Matogrosso!
Tracklist
1- Pátria Gentil
2- Monólogo
3- Teu Sangue
4- Solaris
5- O Amor Vem Antes de Tudo
6- Troço
7- Canção Para Um Novo Mundo
8- Nosso Grito
9- Anonimato