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Resenha: Dead Man’s Party – Oingo Boingo (1985)

Escrever a resenha de hoje é algo para lá de especial. Não que as demais produzidas até aqui não tiveram importância, muito pelo contrário, sem elas eu jamais chegaria até aqui.

Sim meus amigos, o texto de hoje é o quinquagésimo das minhas modestas colaborações aqui para O’Subsolo, trabalho este que comecei a desenvolver precisamente, no dia 07 de setembro de 2020, pouco tempo após o grande Maykon Kjellin me convidar para integrar a equipe do site. E bem, três anos depois, continuo por aqui.

E para comemorar esta marca tão expressiva, particularmente falando, decidi escrever sobre uma banda, que mesmo pertencente aos anos 80 só vim a descobrir recentemente. E caso você, amigo leitor, também ainda não conhecer o trabalho do grupo que disseco a seguir, essa resenha também pode servir como um Talvez Desconhecido.

E para começarmos, gostaria de lhe fazer uma simples pergunta: O que Os Simpsons, as adaptações para o cinema da enfadonha trilogia pornochanchada Cinquenta Tons de Cinza e Homem Aranha, tem em comum?

Bom, apesar dos três serem grandes clássicos da TV e do cinema, existe um único fator que conecta não apenas estes três exemplos, mas uma vasta lista de outros filmes e séries tão conhecidos na cultura pop, esse fator é a música. E por trás das trilhas sonoras destas obras está um homem. Seu nome, Danny Elfman.

Estadunidense de origem alemã, Elfman é uma das maiores lendas da história de Hollywood, tendo também contribuindo para trilhas sonoras no universo dos videogames, como em Fable (2005) e até mesmo com o Avenged Sevenfold nas orquestrações de A Little Piece of Heaven. Mas engana-se quem pensa que o trabalho dele se limita apenas a construir trilhas sonoras. A carreira musical de Danny, teve início ao ingressar em uma companhia de teatro de rua, mas que logo sofreria transmutações fascinantes tornando-se uma joia musical quase perdida, fruto do próprio período que a gerou.

E assim começamos nossa jornada pelo universo lúdico e louco do Oingo Boingo

A história do grupo teve início em Los Angeles no ano de 1972, quando o irmão mais velho de Danny, Richard Elfman, fundou a trupe teatral surrealista The Mystic Knights of Oingo Boingo, nome este inspirado por uma seita secreta pertencente a um seriado de TV chamado Mystic Knights of the sea. Já Oingo Boingo, é uma palavra de origem Swahili, (uma língua falada em Uganda) cujo significado, é “Pensando enquanto dança”(algo quase impossível nos dias de hoje, tendo em vista, que toda dança relevante atualmente se dança pensando com as genitálias).

Inspirados por Spike Jones e Frank Zappa, as apresentações da trupe consistiam em um repertório musical bastante eclético que ia de covers do cantor de Jazz Cab Calloway, à longas execuções de Gamelão Balinês (um estilo de música tradicional da Indonésia) e Ballet Russo. A maioria dos integrantes se apresentava com o rosto branco e maquiagem de palhaço. Nesta época o grupo contava com cerca de 15 pessoas, que tocavam mais de 30 instrumentos tradicionais, além de alguns de fabricação própria. Mesmo tendo algumas músicas autorais, que eram encaixadas neste repertório maluco, infelizmente, não chegaram a ser gravadas.

Mesmo com o grupo começando a ganhar notoriedade na cena local e aparições até mesmo em programas de Televisão, o interesse cada vez mais crescente de Richard por produzir filmes o levou a passar a liderança para o caçula, Danny, que acabara de retornar da África, onde passara um tempo tocando violino e estudando instrumentos de percussão.

Assim, Richard pouco tempo depois produzira o filme Forbidden Zone, que contava com grande parte da trupe atuando no elenco. As gravações ocorreram em 1978, mas a produção só seria lançada oficialmente em 1980.

Em 1979, após começar a introduzir com veemência mais composições originais no repertório do grupo, adicionando cada vez mais pitadas de Rock, os shows da antiga trupe teatral agora eram totalmente focados na música mais se assemelhando agora a uma banda, se apresentando em teatros e clubes ao redor de Los Angeles. Dessa forma, pouco tempo depois os Mystics Knights foram dissolvidos, agora dando lugar ao que viria se tornar definitivamente o Oingo Boingo, uma banda de Rock que se fundiria a um novo estilo que começava a se destacar, o New Wave.

E fora dessa forma que uma carreira de 17 anos se iniciava. Com sete discos de estúdios (oito se contarmos SO-LO (1984) primeiro disco da carreira solo de Danny Elfman que fora posteriormente considerado à discografia do grupo) sendo eles Only a Lad (1981), Nothing To Fear (1982), Good For Your Soul (1983), o alvo de nossa resenha Dead Man’sParty (1985), BOI-NGO (1987), Dark Of The End of The Tunnel (1990) e Boingo (1994).

Rotular especificamente a qual estilo musical o Oingo Boingo pertence em todos esses trabalhos mencionados, é uma tarefa quase impossível, para não dizer desnecessária. O que posso dizer é que a teatralidade do Mystic Knights e o Rock e a New Wave já citados em parágrafos anteriores, ainda são a tônica na obra da banda, que ainda flerta com elementos do Ska, Jazz, música eletrônica e World Music, resultando em um som altamente experimental (que em algumas ocasiões lembra muito as clássicas trilhas sonoras de desenhos animados clássicos), mas que ao mesmo tempo, conseguiu alcançar o público, conquistando uma legião de fãs ao redor do mundo.

Antes de adentrarmos ao disco que engloba a resenha, devo mencionar que as minhas interpretações que se seguirão, são tão, ou quase tão malucas, quanto o conteúdo e toda a cartunesca sonoridade que emana naturalmente da obra do Oingo Boingo. Então sinta-se à vontade para carimbar os parágrafos a seguir, com o selo de Viajada Na Maionese Confirmada.

There’s life underground…. É ao término desta curta frase, que o swing contagiante de Just Another Day se inicia, com uma junção perfeita do baixo de John Avila com a bateria de John Hernandez. Apesar do tom do dançante, a faixa de abertura ainda consegue perambular por uma estética quase Noir e algumas levadas hipnóticas pelo tom repetitivo do xilofone, que dá um toque do sempre caminhar em círculo, como se toda a situação descrita na letra, fosse algo fadado a eterna repetição. Vale ressaltar que ao menos em Dead Man’s Party, pelo que pude perceber, as letras de Danny tratam a fragilidade humana e a morte com certo sadismo e humor ácido. Não à toa, a capa do disco presta homenagem ao famoso feriado mexicano Dia de Los Muertos.

E por falar na letra, aqui Elfman descreve a rotina de um indivíduo que caminha por ruas cada vez mais violentas, e de quebra com um assassino perambulando as redondezas. Mas com o decorrer da canção, a impressão que fica é que o próprio personagem se trata do assassino. A suspeita se agrava em versos como, “Há navalhas na minha cama que saem tarde da noite. Elas sempre desaparecem antes da luz da manhã”. Há também a revelação do próprio eu lírico sonhar com um mundo em chamas, cuja água não era suficiente para apagar o incêndio e ao presenciar a morte de várias pessoas ao redor, tudo o que poderia fazer era sorrir. Assim, o Just Another Day do título da música, seria o assassino sempre preso ao devaneio doentio, enquanto acredita ser apenas uma pessoa comum, revivendo todos os crimes e os mesmos devaneios dia após dia.

Essa vem sendo a minha faixa favorita que vou ouvindo enquanto dirijo para o trabalho.

As guitarras estridentes de Steve Barket, arrastam o ouvinte para a dançante e cativante faixa título. Dead Man’s Party, é uma faixa que se encaixaria perfeitamente em qualquer animação de Tim Burton (que viria a se tornar um grande parceiro no mundo das trilhas cinematográficas). A música traz todo o humor ácido de uma viagem sobrenatural de um indivíduo que é atingido por um raio enquanto caminha pela rua todo arrumado, indo diretamente para “a terra dos pés juntos”, onde os mortos parecem festejar incessantemente, enquanto o número de convidados parece não ter fim. A segunda canção do disco, apesar da temática mórbida para alguns, é divertidíssima. Tenho certeza que você se pegara sacolejando alguma parte do corpo involuntariamente ao entrar em contato com essa festa do outro mundo (narrador da Sessão da Tarde feelings).

Heard Somebody Cry traz uma pegada um pouco mais voltada para algo dance. E o que dizer do refrão dessa música? Meus amigos é uma das coisas mais marcantes, incríveis e lindas que já ouvi em meus 28 meros anos de existência, algo que me faz ter vontade de ouvir a faixa milhares de vezes sem nunca me cansar. A letra da música conta a história de um indivíduo que parece ouvir choros e soluços dentro da própria casa durante a noite como se fantasmas habitasse o local. Mas ao decorrer da letra percebe-se que é o próprio eu lírico a assombração vigente na residência, que vaga incrédulo se questionando e lamentando por não estar mais entre os vivos.

O riff maquiavélico de guitarras e o uivo lamurioso de Elfman trazem à tona outro grande momento do disco, No One Lives Forever. Aqui o frontman do Oingo Boingo alerta a quem possa ouvir, como tudo está fadado a fenecer, e que não importa o quanto você corra, se divirta ou se preocupa enquanto vivo, o ceifador sempre estará à sua espera no fim da linha, afinal, como diz o título da música, ninguém vive para sempre. Toda a atmosfera dessa música traz à tona o sentimento de gato e rato, com a morte sempre a nossa espreita, esperando o menor de nossos deslizes para nos levar para o além-túmulo.

E é dessa forma que o primeiro “lado” do disco se encerra. Sem nenhuma faixa que te deixa parado. Tudo presenciado até o momento é frenético e com certeza, incapaz de deixar o ouvinte entediado.

Para dar um respiro com algo de sonoridade mais amena, eis que chegamos a Stay, talvez a música mais conhecida da banda em terra brasileiras, uma vez que a mesma foi hit nacional ao virar tema da novela Top Model. O apelo da canção fora tão grande em nosso país, que a banda lançou uma coletânea exclusiva para o Brasil, batizada com o mesmo nome da faixa que a originou. E de fato, a letra é algo que destoa de tudo até então presente nas temáticas das canções anteriores, partindo para algo mais popularesco romântico de refrão adocicado e grudento. Mas isso não torna a música menos memorável, pelo contrário, ela apenas soma outro ponto altíssimo para o trabalho.

Em Fool’s Paradise, o grupo consegue emplacar um ótimo swing dançante, formado por um baixo que estala incessantemente quase arrebentando nossos ouvidos. Quem não se atenta à letra pode até achar que ela se trata de algum assunto mais recorrente, que possa casar com o tema dançante do instrumental. Mas aqui temos uma reflexão para lá de poética, sobre o amor e a religião em uma busca constante por nosso próprio paraíso, o paraíso individual dos tolos que somos.

Na sequência somos apresentando ao riff galopante de Help Me, que se converte em poucos minutos em um refrão explosivo, é justamente nessa alternância que a música se desenvolverá. Destaque importantíssimo, para o contagiante trabalho de saxofones da dupla Sam Phips e Leon Schneiderman.  A letra da música disserta sobre alguém que sempre se isolou do mundo e agora busca se libertar para conhecer tudo o que a vida tem a oferecer.

Same Man I Was Before, traz novamente a atmosfera dançante, com uma pegada que mescla a seriedade quase robótica de grupos como o New Order, com o som caricato e louco do Oingo Boingo, resultando em mais uma faixa excelente e divertida do disco.

E fechando toda essa epopeia vagando entre os devaneios do post mortem e todos os sentimentos do mundo dos vivos, o disco se encerra com a divertidíssima Wierd Science, música que segundo Danny Elfman, fora escrita de forma espontânea dentro do próprio carro, após ter recebido uma ligação do diretor do filme que leva o nome da faixa (chegando em terras brasileira sob o título Mulher Nota 1000).   Segundo o músico, após a conversa e tendo todo o enredo sendo explicado, toda a concepção de letra e melodia pareceu brotar na cabeça, o que o fez correr rapidamente para o estúdio e gravar a primeira demo da canção que encerra o quinto registro do genial Oingo Boingo. A canção, junto à trilha sonora de As Grandes Aventuras de Pee-Wee (1985), fora o pontapé inicial para que Elfman ingressasse de vez ao mundo sonoro hollywoodiano.

Lançado em 28 de outubro de 1985, Dead Man’s Party é mais um daqueles fatídicos exemplos, onde um disco de estúdio mais se assemelha a uma coletânea. Todas as nove faixas diluídas em 41 minutos de audição, conseguem ser uma mais cativante do que a outra. E até aquelas menos grandiosas, como Help Me e Same Man I Was Before possuem lá seus bons momentos.

Além do megahit Stay em terras brasileiras, duas faixas do disco entraram para o Hot 100 da Bilboard, sendo elas Wierd Science (45º lugar) e Just Another Day (85°). O Disco também tem a assinatura de Danny Elfman e o guitarrista Steve Bartek na produção, rendendo ao trabalho, uma sonoridade impar até então nunca presenciada em obras anteriores. Desde então, Elfman passaria a acompanhar ainda mais de perto todos os processos de produção dos discos futuros.

Nos anos que se seguiriam, o Oingo Boingo lançaria em 1987 o eletrônico BOI-NGO, buscaria algo mais voltado as raizes do grupo em Dark of The End of The Tunnel no inicio dos anos 1990, para encerrar a discografia de forma mais melancolica, mas que a mesmo tempo, dialogava com os estilos de Rock vigente da década com Boingo de 1994.

Para fechar a carreira com chave de ouro, o grupo excursionou em uma turnê de despedida, que rendeu o excelente disco ao vivo e DVD, Farewell: Live from the Universal Amphitheatre, Halloween 1995 (1995).

Por muito tempo Elfman, descartou a possibilidade de um retorno da banda, tendo em vista receio por agravar um problema de audição adquirido com o passar dos anos, além da total aversão que o compositor sente por turnês de reunião, descrevendo-as como um encontro de mortos vivos. Em 2021 durante à Pandemia ele lançou Big Mess, segundo disco solo, que no ano seguinte ganharia uma versão de remixes intitulada Bigger Messier.

Em relação às trilha sonoras, ele segue firme e forte, tendo como trabalhos mais recentes o sucesso da Netflix, Wandinha e o blockbuster da Marvel, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura.

E para quem, que assim como eu, desejaria ver a banda ao vivo, Danny Elfman e os antigos companheiros de banda se reuniram para pequenos momentos de bis, tocando uma ou duas musicas dos tempos aureos, nos concertos que  o antigo frontman realizou tocando na íntegra  a trilha sonora de O Estranho Mundo De Jack.

Em suma meus amigos, nunca na minha vida utilizei ,ou mesmo utilizarei, alguma substância lisérgica ilegal, mas posso dizer sem sombra de dúvidas, que o efeito proporcionado por elas, sejam quais fossem, jamais me levaria à loucura, à psicodelia e a excitação, que toda essa loucura generalizada que o Oingo Boingo produziu, me proporciona. Estou completamente viciado e dependente destas obras que Elfman e cada uma dos inúmeros integrantes que passaram pelo grupo construíram. E não pretendo me desintoxicar tão cedo delas. Se muna de seus melhores pares de fones e venha conferir o que estou dizendo…

Tracklist
01 – Just Another Day
02 – Dead Man’s Party
03 – Heard Somebody Cry
04 – No One Lives Forever
05 – Stay
06 – Fool’s Paradise
07 – Help Me
08 – Same Man I Was Before
09 – Wierd Science

Nascido no interior de São Paulo, jornalista e antigo vocalista da Sacramentia. Autor do livro O Teatro Mágico - O Tudo É Uma Coisa Só. Fanático por biografias,colecionismo e Palmeiras.