Em um cenário hipotético onde eu escrevi um diário de quarentena, durante estes longos meses de pandemia, certamente seriam poucas páginas dedicadas à álbuns novos que descobri fora do mainstream. No entanto, justamente nos últimos meses dessa experiência de confinamento -quando também voltamos a sair da inércia da reclusão, me surge uma grata surpresa que toma rapidamente toda minha atenção: a banda Rivokill.

Como um sopro de esperança vindo de uma cena da qual não colocava meus ouvidos há muito tempo, o som da Rivokill é revigorante, fresco e surpreendente, especialmente por mostrar uma nova face dessa banda que já me era familiar, porém, como tributo de The Offspring e demais bandas de Punk e Hardcore. Daqui por diante, é preciso esquecer dessa fase e pensar no quarteto de Imbituba como algo integralmente novo.

A notícia de que a Rivokill iria se lançar em estúdio e promover seu álbum de estréia me encheu de ânimo e expectativa, e todo meu hype foi devidamente atendido. Inércia é um debut com pé direito, que mexe e gruda na cabeça de quem ouve desde a primeira vez, e quero lhe contar o porquê.

As primeiras considerações eu dedico para a arte do disco, assinada pelo artista Gibran Gomes, que deu norte à identidade visual em tons rubros adotada pela banda, além de ter sido a primeira impressão que tive, antes mesmo de conferir, em primeira mão, as oito faixas contidas no álbum. Outro detalhe técnico que merece destaque prévio é o trabalho de produção musical, feita pela própria banda, contando com gravação, mixagem e masterização feitas no Estúdio NK (Gravatal, SC) pelo produtor Javerson Exterckotter.

Dito isso, podemos submergir nesse curioso e encantador disco, que, como mencionado antes, deixa para trás todo e qualquer vestígio do passado conectado a bandas conhecidas por sua agressividade e rebeldia sonora. Com isso não quero dizer que você não deve esperar peso em Inércia, não, quero apenas alertar que seus ouvidos devem estar prontos para experienciar uma fabulosa e impressionante mescla de influências e musicalidades, que dificultam até a pseudo-tarefa de rotular a banda. Melhor para a Rivokill, que já estreia livre de tarjas, sendo livre para todos os públicos.

O disco começa pincelando os traços hardcore com o riff introdutório de Contradição, mas a melodia seguinte mostra que a banda realmente não veio para se amarrar em estruturas. O vocal sedoso de Lenita Cardozo preenche a música, com instrumentos bem alinhados ao fundo, com destaque especial para uma linha cativante no baixo de Ana Falchetti. A música cresce para seu refrão, que certamente é a razão de ter sido o primeiro single revelado. É uma letra de fácil memorização, com belas harmonias vocais em pontos cruciais, e com quebradas interessantes entre as passagens entre pontes e refrões.

A segunda faixa é introduzida dessa vez pela guitarra de Andreza Castro, mas na faixa-título novamente é o baixo que se destaca no verso, indo além de seu papel como base e formando ótimas frases, duetando com a guitarra antes de puxarem mais um forte refrão. Inércia se mostra mais gostosa e suave aos ouvidos, apesar de uma guitarra mais aguda em suas aparições. O contraponto é o baixo redondo e a voz aveludada de Lenita, que faz com que o resultado final seja agradável como um por-do-sol na praia.

Pode parecer repetitivo, porém o baixo é realmente um instrumento com grande destaque nesse álbum. Acidental tem uma inversão de papéis em relação à faixa anterior, já que uma boa melodia no baixo é responsável por introduzir a canção; dessa vez, o trabalho de conduzir o verso coube à Andreza, que reforça o timbre já característico de seu instrumento ao andar da música até chegar no refrão. Refrão este, que, ao meu ver, é o melhor de todo o álbum. O trabalho instrumental e vocal é impecável, e dou aqui méritos ao andamento imposto pela energética bateria de Vini Ferreira, que altera o balançar de nossas cabeças e surpreende com entradas e paradas no ponto. Inclusive, vale ouvir o álbum atentando-se em especial na forma como o baterista evita repetir interpretações nos versos distintos da música.

O exímio trabalho de Vini continua com Recomeço, onde as harmonias vocais entre Lenita e Ana dividem os holofotes com uma gostosa percussão proposta pela bateria. Apesar de ser um álbum sem solos de guitarra, aqui a banda soube encaixar uma agradável passagem instrumental, conectando de forma inteligente o refrão e o verso seguinte. Ressalto o trabalho de vozes nas gravações, começando por Lenita, que não demonstra dificuldade nenhuma em proclamar as poesias que dão letras às canções de Rivokill. Sua voz é apoiada por uma assombrosa naturalidade e sinergia pela cama vocal tecida por Ana, auxiliando a brilhar nas frases certas. De fato, uma impressionante química vocal entre a dupla, e quem agradece são os ouvidos.

A proposta mais agressiva de Rivokill surge na quinta trilha, Cada Um Por Si. Toda a banda entende a pegada acelerada e Hardcore, permitindo enfim assimilações com as influências mais vorazes do quarteto. A dupla guitarra-bateria dão tom inclusive para bons balançar de cabeça, mas, ao mesmo tempo, encontram espaço para colocar cadência e permitir fraseados robustos no baixo. Nitidamente, o grupo demonstra entender bem sua proposta de composição e evita mesmices e clichês.

Falando nisso, nada melhor que Extinto para demonstrar o quão rico é o conjunto apresentado por Rivokill. Instrumental tremendamente criativo, surpreendente, vocal que entende momentos de ser melódico e quando entrar com mais agressividade e presença, tal como quando precisa assoprar no ouvido de quem escuta a canção. No meio dessa bela exibição em grupo, sou obrigado a destacar a cozinha formada por Ana e Vini, que entrega uma linda sonoridade nos versos; enquanto a guitarra e o vocal de Andreza e Lenita, respectivamente, impressionam nos refrões, especialmente os últimos, onde chegam a fazer um pequeno “duelo” que surpreende sempre que for ouvir.

O mergulho em Inércia começa a se aproximar da superfície com a trilha de título curioso: osɹǝɯqns. O prelúdio de Submerso mostra haver um cuidado conceitual e artístico nesse disco, mas especialmente, um compromisso com o encanto apresentado. Inclusive, o encaixe entre as duas trilhas é profissional, mostrando o alto nível da produção. Já a última faixa do álbum é detentora de letras que serão memorizadas facilmente e um refrão que certamente será cantando em alto e bom-tom nos vindouros shows da banda, que iniciará agora uma nova fase em sua carreira, como detentora de oito maravilhosas faixas autorais.

Após emergirmos, percebemos que a cena local de Imbituba e região já estava na hora de deixar o estado de inércia, e faz isso com um tremendo lançamento. Rivokill se mostra uma banda talentosa, comprometida e consciente de como produzir um trabalho de alto nível e divulgá-lo. Ressalto o plano afiado de divulgação do álbum, que consistiu em quatro singles com propostas diferentes em seus vídeos oficiais, além de uso intenso de suas redes sociais, principal meio de comunicação entre banda e fãs, especialmente em um período ainda sem poder subir em palcos.

Fica aqui o desejo de ouvir ainda mais do grupo, que traz novamente os bons ventos vindos do litoral Sul de Santa Catarina, em forma de canções memoráveis e com forte potencial de se tornarem clássicos na voz de seus fãs -que já anseiam por shows. Enquanto isso, deixar o disco em looping parece natural, uma vez que ele se torna melhor a cada ouvida, e tão logo se torna um álbum com vaga cativa em nossos replays.

TRACKLIST

01) Contradição
02) Inércia
03) Acidental
04) Recomeço
05) Cada Um Por Si
06) Extinto
07) osɹǝɯqns
08) Submerso

RIVOKILL É

Lenita Cardozo – vocais
Andreza Castro – guitarra
Ana Falchetti – baixo e segunda voz
Vini Ferreira – bateria

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Onde há espaço para escrever, tenha certeza que irei deixar minhas palavras. Foi assim que me tornei letrista, escritor e roteirista, ainda transformando minha paixão por música em uma atividade para a vida. Nos palcos, sou baixista da Dark New Farm, e fora deles, redator graduado em Publicidade e Propaganda para o que surgir pela frente.