Esta é uma resenha muito especial, pois firma os primeiros recebidos desta minha modesta carreira de pouco mais de um ano dedicada ao nosso underground. Agradeço demais ao selo Extreme Sound Records pela confiança em meu trabalho, e pelo envio deste, e mais dois materiais que trarei em futuras resenhas. Inclusive, você pode adquirir este trabalho e mais de 1500 títulos disponíveis, clicando aqui.

Hoje trago a vocês uma das bandas mais brutais do nosso atual cenário. Vindos de Jundiaí, interior São Paulo. Com vocês, o Corporate Death.

Atualmente formado por Flávio Ribeiro nos vocais, Damien Mendonça nas guitarras e Rafael Cau na bateria e backing vocals, a banda teve início em 2001 e possuí influências mistas de grandes nomes do Death Metal mundial como Cannibal Corpse, Deicide, Malevolent Creation, entre outros. Este misto de inspirações, resulta em um som profano, carregado de uma brutalidade ímpar.

Os primeiros lampejos do som do Corporate Death vieram com a demo Ways To The Madness lançada em 2005, posteriormente sendo lapidados e aprimorados no clássico debut Terminate Existence de 2008.

Já os demais trabalhos do grupo, chegariam em tempos espaçados contando com mudanças naturais na formação que todas as bandas acabam passando. Assim gravaram os excelentes Angels Worms (2013) lançado pelo selo italiano Murdher Records, e Reborn (2017) desta vez munidos com a chegada da nova vocalista Aline Lodi (atualmente à frente do Exhortation).

E é em março deste ano de 2022, em meio aos últimos sinais de uma pandemia que assolou o mundo por dois anos, e o início de um confronto bélico entre Rússia e Ucrânia, que o Corporate Death decidiu traz à tona um quarto trabalho de estúdio, em um momento onde a misantropia, a heresia e todos os temas obscuros inerentes nas temáticas das músicas da banda, parecem se encaixar com precisão cirúrgica em nossa frágil realidade.

Apesar da obra trazer o retorno do vocalista Flávio Ribeiro após nove anos longe do Corporate Death, IV: Homines In Bestiales Formas é um álbum bastante colaborativo, alternando entre participações de antigos membros e companheiros de cena, algo raro de ocorrer em um cenário que por muitas vezes acaba sendo individualista, e porque não, narcisista.

Mourning of Angels, pode até enganar o ouvinte com um início carregado de passos e um coro ao fundo. Literalmente aqui, somos surpreendidos com um soco na cara muito bem dado, com riffs rápidos e os vocais cavernosos que ora se alternam entre o gutural mais grave e agudo, e outrora unem-se em uníssono. É aquela típica sensação do jump scare em um filme de terror. Destaque aqui para os momentos de breaking downs que dão um toque especial em meio a quebradeira, e a primeira participação especial do disco, o vocalista Laudmar Bueno (War Eternal) presente nas 1,2,4 e 5.

A rápida e dilacerante Soulkeeper traz na letra, uma espécie de entidade que busca e entende as almas dos pecadores, seduzindo e tragando as para si, saciando a sede por devorá-las. Acompanhando a faixa junto ao encarto do CD, tive uma sensação de que a música poderia facilmente se encaixar em álbuns como o Tomb of The Mutilated, clássico absoluto do Cannibal Corpse. Aqui as guitarras são compartilhadas com Evandro Miranda (Corporal Sores, VIle Existence, Akinetopsia)

Tides of Misery conta também com a participação de Aline Lodi. O riff nessa faixa é mordaz compactuando com a narrativa na parte lírica, que relata um pesadelo que um indivíduo tem todas as noites, onde tem suas roupas arrancadas, é atado nu em uma espécie de altar e estuprado em um ritual de fé e violação, por sombras e vultos de pessoas que se dizem servas de Deus.

Kill The Whore definitivamente é um exemplo clássico de como uma música de Death Metal, deve ser. Ela é rápida, direta e carregada de gore e exagero na temática lírica. É uma faixa que me remeteu a uma outra grande banda do nosso underground, o Anarkhon, nos tempos do Into the Autopsy.

Silent Dispair carrega o mesmo feeling da música anterior, porém com toques de corais femininos, provavelmente provenientes de Lodoli, que atua nessa faixa com Bueno. A letra também parece ter uma continuidade com Kill The Whore. Se anteriormente temos um assassino que adora matar e estuprar freiras, em Silent Dispair ouvinte parece encarnar o papel da próxima vítima deste lunático. Destaque aqui para o excelente dueto que baixo e guitarra executam em trechos distintos.

In The Shadows traz mais um riff incrível que me remeteu a uma pegada nos moldes do Funeratus no álbum Accept The Death. É uma faixa carregada de brutalidade que não dá um segundo sequer para o ouvinte respirar. Os pedais duplos da bateria em determinados momentos da música, de tão bem encaixados com os demais instrumentos fazem a cabeça involuntariamente começar a bater. Quando estamos completamente imersos, o Corporate Death corta a corda que nos regia com o súbito término da composição, deixando o ouvinte no chão como uma inanimada marionete. Sem dúvidas um dos pontos altos do trabalho.

A letra nos mostra toda a imundice dos chamados “Homens Santos” que se utilizam de toda a mitologia religiosa para ludibriar o rebanho, os manipulando para realizar todo e qualquer ato de barbárie sob a sombra de Deus.

The Burden traz uma sonoridade de certa forma arrastada que vai gradualmente acelerando e se tornando uma faixa mais cadenciada. Aqui, o eu lírico é o produto e vítima das atrocidades que o rebanho acaba sofrendo nas mãos dos pastores. Ele relata todas as mazelas vistas e vividas que a mente simplesmente se recusa a esquecer, carregando o peso tanto das injustiças e crimes contra ele aplicados, quanto o peso das falsas promessas da vida santa. Destaque para a participação de André Bairral, vocalista da banda Fim da Aurora

E chegamos ao final da audição com Judgement in Heaven, a faixa mais longa do álbum, com o badalar dos sinos do juízo final em meio aos riffs carregados de uma raiva incontida e incontrolada. Toda a hipocrisia e os crimes da religião são revelados como em retrospecto. O eu-lírico de forma quase profética, nos mostra que mesmo na presença do Criador, as criaturas são incapazes de se arrepender dos muitos delitos que cometeram em nome do pai. Dessa forma, com um simples fechar de olhos, toda a podridão e devassidão são varridas para debaixo da terra junto com um passado de sêmen e sangue.

Lançado em 18 de março de 2022, IV: Homines In Bestiales Formas, além do já famigerado formato digital, ganhou uma caprichada versão física, lançada em parceria com a Extreme Sound Records, Rapture Records, Cianeto Discos e Misanthropic Records. O desenho da capa ficou a cargo de Rafael Gabrio e da FDHLL Artworks. Mas apesar do trabalho ter visto a luz do dia apenas este ano, todo o processo de composição e produção do disco foi realizado entre outubro de 2020 e novembro de 2021. A produção, um ponto forte do trabalho, foi concebida pelos próprios Damien e Rafael. Já mixagem e masterização do disco é um trabalho de Henrique Fioravanti da From Hellcords. Destaque também paras o incrível contrabaixo gravado por José Mantovani.

Este foi o meu primeiro contato com o trabalho do Corporate Death, e se a primeira impressão é a que fica, posso dizer sem medo de errar, que a experiência foi a melhor possível. Tudo dentro do trabalho soa de forma orgânica e coesa, desde as timbragens dos instrumentos, até o bom gerenciamento das faixas com mais de um vocalista, resultando em um uníssono demoníaco executado com perfeição. A sonoridade é bruta como uma banda com o tempo de estrada como desse grupo costuma apresentar.

E até mesmo os “defeitos” acabam por beneficiar o álbum como um todo. As músicas são rápidas e diretas deixando-nos com aquele gosto de “quero mais”, fazendo a repetição da audição do disco ser mais recorrente e natural. Lembrando que os caras ainda possuem três discos anteriores para quando você se cansar deste, (o que com toda certeza, irá demorar para acontecer).

Em suma, o Corporate Death traz um trabalho muito criativo, bem executado e que sabe dosar a duração de cada faixa de forma direta e ao mesmo técnica, sendo assim uma grata surpresa para os amantes do bom e velho Metal da Morte brasileiro. Ouça no talo!  

Tracklist:

01-Mourning of Angels (ft. Laudmar Bueno)
02- Soulkeeper (ft. Laudmar Bueno e Evando Miranda)
03- Tides of Misery (ft. Aline Lodi)
04-Kill The Whore (ft. Laudmar Bueno)
05-Silent Despair (ft. Aline Lodi e Laudmar Bueno)
06- In The Shadows
07- The Burden (ft. André Bairral)
08- Judgement in Heaven 

 

 

Nascido no interior de São Paulo, jornalista e antigo vocalista da Sacramentia. Autor do livro O Teatro Mágico - O Tudo É Uma Coisa Só. Fanático por biografias,colecionismo e Palmeiras.