Enfim saímos do prólogo e chegamos ao verdadeiro capítulo 1 dessa longa história. Conheci essa banda em 2014, e desde a primeira música foi um choque: “Isso é da minha cidade?”. É sempre uma surpresa descobrir uma nova banda em um município com pouco mais de 50 mil habitantes, e ainda mais intensa é a descoberta quando se trata de um som com qualidade simplesmente absurda e inacreditável. Na época, a Diemordinate tinha apenas um EP (sendo inclusive minha segunda resenha aqui n’O SubSolo) de três músicas, que deixavam um plena sensação de quero mais. Quase cinco anos após seu lançamento, enfim o desejo de “quero mais”… continua. Sim, o lançamento do álbum “Progeny” apenas serviu para aumentar ainda mais a expectativa em cima dessa banda, que agora se chama Molitium. Afinal, até onde vai a criatividade desses caras?
A mudança de nome também marca o fim de uma formação. Anteriormente composta por Egvar Hermann, Renato Campos, Renato Lopes e Victor Cezar Fagundes, a agora chamada Molitium não irá contar com estes dois últimos daqui pra frente, mas que deixaram a banda apenas após o término das gravações. Ou seja, vamos falar do trabalho deste quarteto, que já foi reformulado para promover “Progeny” posteriormente.
É uma faixa do debut como Diemordinate que abre o disco de agora: “Left to Die” surge com uma nova mixagem, assim como suas “irmãs” que foram muito bem distribuídas ao longo do álbum. O mais interessante é notar as pequenas alterações que foram incluídas nelas. Renato Lopes surge com mais espaço e muito mais destaque, não só nessa faixa e nas regravações, mas sim em todo o álbum, fazendo seu baixo fluir solto e devidamente pesado e chamativo, principalmente em momentos que anteriormente fazia apenas acompanhamento ao fundo das guitarras, o que é um ponto muito positivo na produção de “Progeny”.
Apesar do peso absurdo imposto pelas cordas e bateria, a voz marcante, limpa e agressiva de Egvar Hermann é um contraste que eleva as músicas à um nível superior. Os vocais dobrados surgem em diversos instantes, sempre muito bem utilizados para trazer impacto em versos e refrões. A qualidade do trabalho de vocalistas nas músicas pra mim é absolutamente determinante entre uma música ser ótima e épica ou apenas mais uma, pois já ouvi inúmeros riffs incríveis serem arruinados por vocalistas incapacitados. Aqui tudo é muito bem ornado e equilibrado, com todos os elementos, sejam vocais ou instrumentais, dosados com o intuito de transbordar seu player com essas músicas.
A segunda faixa, “The New Reborn” é um banho de groove e peso, lembrando muito as pegadas de Zakk Wylde no Black Label Society. A música te pega em cheio e deixa os versos ecoando na posteridade. Em “Desert of My Soul” temos um trabalho instrumental fenomenal na abertura da música. As guitarras de Egvar e Renato Campos fazem sua mente dançar ao ritmo que realmente te leva a um deserto, enquanto as linhas vocais são muito bem exploradas e marcantes. A bateria de Victor Cezar, que é peça fundamental na construção do peso característico da banda, faz sua cabeça marchar entre as linhas das cordas, tornando essa música uma de minhas preferidas nesse disco.
Inclusive, vale uma ressalva ao já mencionado Renato Campos. Junto com Egvar, os dois são formam uma dupla “ridícula” nas guitarras. As vezes o mais simples riff parece desnorteante nas mãos desses caras, e também não existem medidas de criatividade e pegada em suas composições. Cada introdução, verso, refrão, ponte, solo, cada nota executada é surpreendente e enche o ouvido. Para os fãs de guitarristas com felling e técnica, R. Campos ressurge como um expoente e tanto na categoria.
Na quarta faixa temos o retorno da faixa-título do EP: “Fight for Freedom”. É também a mais curta, com 4 minutos e 56 segundos, o que mostra que a banda tomou goles e mais goles de prog metal para a composição desse álbum, e isso não se dá apenas pela extensão das músicas, mas também por a banda não se conter e enche-las de variações, riffs novos à cada instante e diversas influências surgindo em múltiplos momentos. A faixa seguinte é a prova disso: é a mais perto de balada que temos no disco, mas tem alterações que simplesmente à transformam em A Música de todo este trabalho. Estou falando de “Helpless Fate”, e senhoras e senhores, por favor escutem essa música! Ela é aquela que há de ser fundo dos grandes momentos que esta banda ainda está por trilhar. É aquela faixa que você terá como trilha sonora em diversos instantes de sua vida também, que tem aquele refrão que todos vão esperar pra cantar juntos no show, que tem aquela ponte inesquecível com um solo carregado de feeling. Ela arrepia, ela encanta. Quando ouvi pela primeira vez eu tinha certeza que eu estava ouvindo um futuro grande sucesso, porque ela tem tudo para ser.
“I Walk Alone” retorna aos grooves massacrantes, mostrando que a banda sabe aproveitar bem das afinações que utiliza. É uma música pra deixar o som bater na sua cabeça. Os quatro instrumentistas conduzem uma marcha brutal com estes riffs apresentados. O trabalho vocal é novamente impressionante. E mais impressionante é a virada que a música dá em sua metade. Começando com mais um solo emotivo e transitando pra guitarras limpas que trazem à flor do ouvido a dramaticidade que a letra pede.
A faixa #7 é minha segunda preferida nesse álbum, e também fortíssima candidata a se tornar um clássico: “Through the Sands of Time” é a mais criativa, ousada e maior prova que essa banda não tem limites em termos de composição. A introdução mais uma vez tem influências arábicas, mas logo é varrida pela explosão sonora da banda. Eu posso jurar que as guitarras tem voz própria e que estão cantando tanto quanto o vocal. Este, inclusive, é melódico e rico, continuando a brilhar com um belo trabalho de vocais duplos e também com linhas muito bem encaixadas à letra e melodias. Mas o melhor vem também na metade da música -aliás, nunca achem que as músicas vão seguir uma mesma linha até o final: nessa aqui vocês vão tomar uma tapa na mente que sequer vão entender. É um aula de musicalidade de R. Lopes, R. Campos, Victor e Egvar. Nesse momento que eu parei e pensei o quão sortudo nós, aqui de Laguna e região, somos em ter quatro pessoas tão qualificadas musicalmente aqui em nossas terras.
Com isso em mente, surge a espetacular “We’re Not Victims”, minha favorita das antigas, com seu refrão explosivo e linhas instrumentais lindas. Foi aqui que sim, eu me emocionei. Me deixei levar pela enxurrada de nostalgia que essa banda me trás, por lembranças de anos atrás quando comecei a ir nos shows daqui de minha região e eles estavam no palco diversas vezes. Essa música é como um hino, um clássico já consagrado pela banda ao longo de seus anos de estrada. Mesmo que remixada, com novos detalhes aqui e ali que foram muitíssimo bem acrescentados, ela ainda é épica, encantadora e emocionante do começo ao fim.
Alguns dizem que o melhor vem ao final, e a Molitium dá uma prova disso com a finaleira “Colateral”. O começo te deixa de cara atordoado com o que está acontecendo, pois a banda trás uma proposta totalmente diferente do que vinha sendo apresentado em seu instrumental. E então, vem o choque: letras em português! Os riffs são dilacerantes, e o vocal de Egvar em português leva a banda para outro nível. Toda aquela pompa de banda gringa que sua sonoridade trás de repente dá vez para a realidade: isso aqui é Brasil! Mostre “Progeny” para algum amigo e pergunte de onde vem esse som, tenho certeza que qualquer faixa fará ele pensar que é alguma banda norte-americana ou europeia, e então mostre esta faixa depois para ver o mind-blowing acontecer. Não julgo por essa pré-concepção de muitos, o seguimento sonoro de Molitium simplesmente foge à maioria das bandas que conhecemos daqui do Brasil, pois eles seguem uma tendência que vem sendo muito adotada lá fora, mas ainda não é muito difundida aqui, que é esse Heavy Metal fundido com Progressivo, Groove, New, que resulta em algo único.
“O que faço agora?” foi minha pergunta ao terminar de ouvir o disco, logo depois encontrei a resposta: “Bom, vou ouvir de novo”. É basicamente isso, anos depois e este quarteto me pregou a mesma maldição: ouvir o disco “até ele furar”. Antes, não me contentava apenas com três faixas, agora nove também não me parecem suficiente. Pelo visto terei de esperar alguns anos à mais para que a Molitium possa lançar uma coletânea com mais de duas dezenas de faixas e então sim eu ter a dose necessária que essa banda pede.