“Não podemos acreditar em um Deus que quer ser louvado o tempo todo. ”
Não encontrei forma melhor de começar a dissertar sobre este trabalho, do que com esta célebre frase do filósofo prussiano Friedrich Nietzsche, presente também no meio do encarte do CD físico da obra que trago na resenha de hoje. Este álbum faz parte da leva que recebi cortesmente da Extreme Sound Records. Você pode adquiri-lo junto a mais de 1500 títulos disponíveis clicando aqui.
Vale lembrar que esta é a segunda resenha que escrevo tendo em mãos materiais enviados por este selo/gravadora do nosso underground. A primeira, foi o quarto registro de outra grande banda, o Corporate Death.
O Spiritual Hate advém da cidade de Diadema, São Paulo, e há 15 anos dedica-se ao mais puro e extremo Blackned Death Metal. Atualmente o grupo conta com Blackmortem nos vocais e guitarras, Marcelo Noktuz no baixo, Mallus na bateria e Mobbirum nas guitarras. A jornada blasfema na discografia da banda teve início em 2012 com Agony in the Profundis Abyss, Split que dividiram com os gaúchos do Imortal Perséfone. Em junho do mesmo ano, o EP Praeludium Ad Incursione chega trazendo novas versões das faixas estreantes no Split.
Já o primeiro Full Lenght Diabolical Dominium chegaria cinco anos depois, munido de uma produção superior aos lançamentos anteriores e a evolução natural devido a maturação natural de técnica adquirida nos anos afora vividos no underground.
O debut rendeu ao grupo uma tiragem em CD de mil cópias, e o videoclipe da faixa Awating Fucking Jesus.
O primeiro lampejo do que viria a ser um segundo trabalho veio apenas em março de 2020 com o single Hate Shall Prevail. Mais detalhes sobre o sucessor de Diabolical Dominium viriam com a parceria que a banda firmou com os selos Brutaller Records, Ihells Productions e Extreme Sound Records, para o lançamento de The Ancient Pestilence.
De forma mórbida e soturna, carregada de efeitos de ventania com uma reza ao fundo, somos apresentados à excelente Haereticvm. Os primeiros segundos são carregados com uma levada que remete ao Mayhem nos tempos do icônico The Mysteriis Dom Sathanas. Mas assim que a introdução chega ao fim, a arrematação chega com um Blackned Death Metal de altíssima qualidade, com variações de tempo que quebram totalmente a linearidade que a faixa apresentava até então. Sem sombra de dúvidas, o Behemoth é uma influência bem vívida no som do Spiritual Hate, o que de forma alguma, chega a ser um demérito.
A letra retrata um eu-lírico que está prestes a ser queimado em uma fogueira (provavelmente vivendo no tempo da chamada Era das Trevas). Em um último suspiro, o personagem se entrega à total heresia, renunciando e negando toda e qualquer santidade envolta da hipocrisia da cruz. Interpreto a letra como uma espécie de hino de batismo para os hereges renascidos pelas chamas, que creem os estar purificando.
With Black Through The Ages, carrega todas as características tradicionais do Black Metal, com direito aos Blast Beats e Trêmulo Pickings inerentes desta vertente do Heavy Metal. Ao mesmo tempo em que estes elementos tão tradicionais são apresentados, é possível sentir uma aura mais majestosa, dando a segunda faixa um tom épico. E em quesitos líricos, pude encontrar uma certa ligação com a faixa anterior.
Agora renascido como um espírito imundo, o narrador agora está sob o manto negro das asas de Lúcifer. Munido do veneno da serpente que agora corre pelas veias do personagem, ele agora é parte do exército que caçará e exterminará todo e qualquer vestígio cristão por entre as eras que se sucederão.
O início de Against Your Supreme Divinty me remeteram aos trabalhos mais recentes do Mayhem, como Ordo Ad Chao e Esoteric Warfare. Diferente da faixa antecessora, aqui o clima é mais denso com algumas pitadas bem salpicadas de Thrash Metal.
Devido à condenação sofrida no início do álbum, a alma do eu-lírico sofre pela eternidade, fomentando assim a ira pela destruição dos algozes que o executaram usando o nome de Deus. O narrador, como uma jura, clama ser a espada que sem escrúpulos ou misericórdia desferirá os ferozes e derradeiros golpes contra todos àqueles que fazem comunhão da suprema divindade cristã.
Babalon Manifest é uma das faixas mais ricas do álbum, trazendo uma vasta gama de andamentos, camadas e momentos únicos, somados a belíssimos solos e passagens de guitarras. A letra é uma verdadeira ode composta por Mallus à Babalon, também conhecida como Mulher Escarlate, Grande Mãe e Mãe das Abominações, Em sua forma mais abstrata, representa o impulso sexual feminino e a liberdade da mulher. Contudo pode também ser identificada com a Mãe Terra, no sentido simbólico da fertilidade.
Babalon possui um aspecto terreno na forma de um trabalho espiritual que pode ser exercido por toda e qualquer mulher, normalmente como uma contraparte masculina denominada To Mega Therion (A Grande Besta), cuja conjunção visa manifestar as energias místicas próprias da atual era espiritual da humanidade, o aeon.
Uma onda de energia infernal toma conta de nossos ouvidos com The Ancient Pestilence. Aqui, o Spiritual Hate traz à tona toda a imundice, sadismo e barbárie acometida pela religião, a praga mais antiga da humanidade. Ao final a banda ainda exalta que, não importa quão perversas as ações dos chamados homens de Deus sejam, a praga da religião sempre estará presente assolando os cegos, os sujos e os fanáticos.
A selvageria continua a todo o vapor com Bloodshed Ritual, que traz novamente aquele leve toque de Thrash Metal encontrado em faixas anteriores. Aqui as guitarras fazem um ótimo trabalho, que apesar de apresentarem certas melodias em algumas passagens, em nada prejudicam toda a sonoridade bruta que a faixa exala.
Podemos dar continuidade à narrativa contida em letras anteriores. Os cristãos são dilacerados, sem misericórdia, pagando pelos crimes do passado, sofrendo enquanto veem o destino miserável que a vida de servidão à Deus agora lhes proporcionava.
Em Hate Shall Prevail o narrador parece ter finalmente se encontrado com Deus, e em um acesso de fúria, começa a questioná-lo por todas as ações que exerce sobre a humanidade, e como ficam impunes os crimes cometidos pelos sacerdotes que deveriam guiar o povo para um caminho melhor. Ao final, todos os atos considerados pelas escrituras da Bíblia como atos de amor, nada mais eram, do que apenas a permanência iminente do ódio.
E chegamos a última faixa de The Ancient Pestilence com Black Devotion. De forma igualmente brutal às faixas anteriores, Deus finalmente caiu perante as hordas infernais, e a devoção negra do protagonista fora o principal instrumento para o triunfo de Lúcifer. A partir de agora, todos àqueles que um dia se curvaram ao falso salvador, agora sofrerão perante a vitória de Satanás. E o álbum se encerra de forma misteriosa com o badalar dos sinos do fim de uma era.
Lançado em 14 de março de 2022, The Ancient Pestilence traz uma sonoridade competente, aliada a uma técnica apurada dos músicos. O disco fora gravado no estúdio Bay Area, em São Paulo, entre abril e dezembro de 2021. A pré-produção e todos os arranjos foram feitas por Blackmortem e Mallus no Krypta Bestial Studio. Para enriquecer ainda mais o resultado final, a dupla contou com o produtor Diego Rocha. E se você é uma daquelas pessoas que gostam de ver os bastidores da produção de um álbum, o Spiritual Hate disponibilizou no canal oficial da banda no Youtube, uma série de vídeos mostrando as sessões de gravação do trabalho.
A incrível arte de capa ficou à cargo do artista húngaro David Busai da Mordiggian Art, responsável por trabalhos de bandas como Thaw, Verdoemd, Worldburn, entre outras. Todo o Layout do encarte ficou à cargo da Inkcreation.
E um trabalho de arte tão competente como este é muito mais valorizado quando se tem o bom e velho disco físico em mãos. E que obra mais caprichada meus amigos. Selos e bandas estão de parabéns, entregando ao consumidor um material incrível para ninguém botar defeito, com direito a Slipcase e encarte de qualidade, fazendo de The Ancient Pestilence uma experiência única tanto sonora quanto visual.
Em suma, o trabalho em conjunto com os elementos citados anteriormente, é indispensável tanto para os fãs da música extrema e também para colecionadores, o disco físico é parte indispensável para a audição.
O Spiritual Hate, soma a agressividade do Blackned Death Metal, a uma produção sólida que em nada deve a bandas lá de fora. O grupo não tem medo de esboçar as principais influências, porém entregam um material de identidade e qualidade ímpar. Basta agora, curtir este e o primeiro play dos caras, e aguardar para sabermos o que virá em um futuro, que espero, não ser tão distante….
Tracklist:
1.Intro
2.Hæreticvm
3. With black wings,through the ages
4. Against your supreme divinity
5. Babalon Manifest
6. The ancient Pestilence
7. Bloodshed Ritual
8. Hate Shall Prevail
9. Blackness devotion