Às vezes é necessário nos desafiarmos, por isso escolhi trazer uma vertente do Heavy Metal a qual não estou tão familiarizado. Portanto, se você que está lendo tem um amplo domínio, ou é fã assíduo deste estilo, já vou me desculpando por qualquer clichê ou equívoco, que com toda certeza, irão ocorrer no decorrer desta análise. O estilo que irei enveredar é o chamado Metal Sinfônico, cujos expoentes são bandas bastante comentadas dentro do cenário, como o Nightwish, Apocalyptica, o Within Temptation e o Epica. Sinceramente, eu pouco vejo diferença entre o Power Metal e o Metal Sinfônico, uma vez que as temáticas são bem semelhantes e o uso de orquestrações em ambos os estilos, são quase unanimidade. Talvez para um seja um uso obrigatório (até mesmo pelo próprio nome),enquanto para o outro, seja apenas um elemento opcional.
E se referências gringas podem já passar batido, na resenha de hoje, apresento uma banda brasileira que carrega toda essa aura singular que o Metal Sinfônico exala, estou falando, é claro, do Aetherea.
A banda advém de São Paulo, e teve início como um grupo de tributo ao Epica, sendo mais tarde resignificado pelo guitarrista Fábio Matos como um projeto autoral. Além do guitarrista, a banda ainda conta com a baixista Vicki Marinho, o baterista Paulo Lima, Rodrigo Mello nos sintetizadores, piano e backing vocais e a frontwoman Jessica Sirius.
Os primeiros lampejos do que viria ser o som da banda, vieram em 2020 com o lançamento do EP Look Into My Eyes, trabalho que trazia três faixas, também presentes no trabalho que foi confiado a mim pela prestativa equipe do Som do Darma. Então sem mais delongas, embarquemos nessa viagem por entre as infinitas dimensões da sonoridade do Aetherea.
Prelude: Origin of The Chaos é uma clássica introdução (que me remeteu as clássicas trilhas sonoras contidas na série de games Castlevania), que busca criar uma atmosfera épica, preparando o ouvinte para a provável cacetada que se avizinha.
E essa promessa se cumpre com a chegada galopante de Weekend Prophet , uma faixa poderosíssima. Vale e muito a pena ressaltar as passagens com breaking downs, que dão aos nossos pescoços, aquele já conhecido efeito de se balançarem automaticamente. A letra me pareceu um manifesto de revolta de uma possível fiel ao descobrir todos os podres de um possível líder religioso, admirado e santificado perante a sociedade, mas fora dos holofotes, totalmente diabólico e tão pecador quanto às ovelhas que julga guiar. Um perfeito retrato de nossa atual sociedade, recheada destes chamados homens santos, que não se contentam com o ato de espalhar a palavra, e buscam sedentos pelo poder.
Pode ser uma viagem da parte deste que vos escreve, mas os teclados de My Hunter me fizeram relembrar as trilhas do grande John Carpenter, como o icônico tema da franquia de filmes Halloween. Talvez esse detalhe não seja em vão, uma vez que, a letra fala sobre aqueles típicos sonhos que pelo menos a maioria de nós já teve alguma vez na vida. Aqui, o eu lírico é perseguido por uma figura misteriosa e implacável, cujas intenções na maioria das vezes não são lá a das melhores. Somado a esses fatores, o instrumental da faixa consegue retratar de forma bastante convincente esse entrave entre gato e rato.
Memories tem uma introdução mordaz com uma forte veia progressiva, rendendo diversas camadas que fazem um contraste bastante cativante, entre essa sonoridade mais bruta e os vocais mais brandos de Jessica. A letra parece uma espécie de narrativa em primeira pessoa, onde aparentemente temos um personagem já se despedindo, ou mesmo desistindo da própria vida, deixando ao amado, uma espécie de carta de despedida, onde todos os momentos incríveis que passaram junto ficarão sempre vívidos na memória.
Beyond Hell se inicia com um belíssimo e breve coro, que rapidamente é substituído por mais uma saraivada de riffs furiosos. A destruição iminente da humanidade partindo das próprias mãos, pelo orgulho e o ódio é a força motriz por traz do lirismo da canção. Uma faixa poderosíssima com direito até mesmo, a algumas passagens com vocais guturais de Rodrigo Mello. Sem sombra de dúvidas, um dos pontos altos da audição.
Trazendo bonança ao trabalho, temos a belíssima Dance of The Night, uma balada lindíssima, cuja letra, poderia ter facilmente saído perfeitamente da obra Fantasma da Ópera do francês Gaston Leroux (outro devaneio deste que vos escreve). De alguma forma, a atmosfera dessa música me lembrou a igualmente incrível Wishing You Somehow Here Again, parte integrante da versão musical de Andrew Lloyd Webber’s.
Look Into My Eyes traz uma introdução que chega a flertar com elementos célticos, que logo abrem espaço para novas traulitadas guitarrísticas, e um refrão marcante. No quesito temático, há certa similaridade com Beyond Hell, porém com uma carga mais positiva, talvez com umas pontinhas extras de esperança. Destaque também, para o cinematográfico vídeo clipe que deixarei logo ao final desta resenha.
Bleeding é rebuscada, talvez uma faixa com uma característica mais erudita, porém, possuidora de um belíssimo dueto de vozes que dão a essa música uma beleza iminente, e até mesmo certa carga de dramaticidade em uma trágica história de amor, a lá O Morro dos Ventos Uivantes. Lindíssima!
A carga de vivacidade na introdução de Face The Lies é realmente empolgante, e com certeza, será aquela típica faixa para animar o público ao vivo. Sem sombra de dúvidas uma das mais cativantes do trabalho. O despertar para o mundo real em que vivemos é a máxima trazida pela letra da canção, onde tudo o que se vê é uma dura verdade velada por falsas camadas de ilusões midiáticas.
Na sequência, a igualmente poderosa Forgotten Humanity (Through Infinite Dimensions) contagia, trazendo de volta momentos guturais e mais refrãos de proporções épicas. Até a temática é mais “pra cima”, nos mostrando que apesar dos erros e pecados a humanidade ainda é capaz de curas as próprias cicatrizes e através da união, retroceder a já tão habituada carga destrutiva. Vale mencionar que esta faixa conta com a presença nos vocais de Andressa Lé da banda Anfear.
E mais uma bela ária se aproxima com a emotiva Faceless Face, que aponta para as mazelas daqueles que encaram o cotidiano em completa angustia e desilusão. Outro ponto altíssimo para o Aetherea!
Fechando o disco com alta carga de epicidade, Those Eyes é um verdadeiro clamor pela derradeira verdade em meio a um universo cercado de mentiras e trágicas desilusões…
Lançado oficialmente em 03 de abril de 2021, Through Infinite Dimensions foi gravado entre os anos de 2019 e 2020 no FM Studio e Loud Factory Studio em São Paulo. A produção ficou a cargo do próprio Fábio Matos com a participação de Wagner Meirinho, produtor que já trabalhou com Warrel Dane, Semblant, entre outras. O impecável trabalho gráfico fora concebido por Rômulo Dias, artista que já ilustrou para bandas como Medjay, Badland’s Heros e Mindcrafter.
Em suma meus amigos, é sempre prolifero conhecer novos trabalhos de bandas incríveis de nosso underground e no caso do Aetherea, claro, não seria diferente. Ouvir o Metal Sinfônico do quinteto foi uma experiência única que fez com que eu olhasse com mais atenção para esta vertente do nosso tão vasto Heavy Metal.
A produção do disco é impecável, sabendo extrair o melhor de cada instrumentista (aliás, todo o elogio para essa galera é pouco, os caras mandam muito!). Os vocais de Jéssica não são àqueles operísticos enjoativos, fator este que mais me afastava da vertente, demonstrando uma variedade de nuances e interpretações, que deixaram a audição, para minha pessoa, muito mais palatável.
Um ótimo ponta pé inicial para uma banda que entrega um disco de estreia com muita qualidade e competência que em nada fica devendo à grande banda holandesa que a originou (achei até mais interessante inclusive), em mais um solavanco na cara daqueles que ainda insistem taxar o metal brasileiro como morto…
Tracklist:
1- Prelude: Origin of The Chaos
2- Weekend Prophet
3- My Hunter
4-Memories
5-Beyond Hell
6-Dance of The Night
7-Look Into My Eyes
8-Bleeding
9-Face The Lies
10-Forgotten Humanity (Through Infinite Dimensions)
11-Faceless Face
12-Those Eyes