Sem sombra de dúvidas, uma das bandas mais emblemáticas do nosso farto catálogo brasileiro são os Titãs. Esse grupo entra naqueles casos corriqueiros, em que não é preciso necessariamente ser fã para conhecer as músicas. Creio que todos pelo menos uma vez, já se depararam com a obra dos paulistas. Policia, Sonífera Ilha, Marvin e Homem Primata são exemplos dessa afirmação.
A diversidade musical exercida por esse octeto (atualmente um trio) dificulta na hora de tentar estabelecer um rótulo ou vertente para o som. Talvez esta seja também, uma das bandas com o maior número de integrantes no cenário brasileiro dos anos oitenta, contando com cinco vocalistas que se revezam entre as faixas.
Vale ressaltar, quanto ao título dessa matéria, que não estou esquecendo, ou mesmo excluindo bandas como Sepultura, Korzus e afins. O Rock Nacional do título inclui aqueles grupos que sempre temos referência, quando aquele tiozão no churrasco diz ter ouvido muito quando jovem, como Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Engenheiros do Hawaii e por aí vai. Lembrando que eu curto muito essas bandas também.
Mas voltando aos Titãs…
Quando se fala da banda e sobre o seu trabalho mais emblemático e pesado, é quase uma unanimidade a menção ao álbum Cabeça Dinossauro (1986) afinal, esse é considerado um dos trabalhos mais importantes daquela década, que influencia até os dias de hoje. E esse petardo realmente merece o posto que tem.
De letras com forte teor de protesto às principais instituições, como a Igreja, a Família e a Polícia, o grupo ainda enfrentou a censura da clássica Bichos Escrotos, como também a prisão do guitarrista Tony Belloto e do vocalista Arnaldo Antunes por posse de heroína.
Após o lançamento bem sucedido, eles continuavam a sua extensa discografia (que conta 14 álbuns de estúdio) com ótimas sequências, sendo elas Jesus Não Tem Dentes No País dos Banguelas (1987), O Blesq Bloom (1989) e o escatológico autoproduzido Tudo Ao Mesmo Tempo Agora (1991), sendo este o último a contar com a formação considerada como clássica.
E isso nos leva ao fatídico ano de 1993 com a chegada da obra que dá nome a essa matéria, o Titanomaquia. Este foi o primeiro trabalho a não contar com a participação de Arnaldo Antunes, que abandonou o barco antes do início das gravações, para se dedicar a outros projetos que acabavam se comprometendo graças à extensa agenda dos Titãs. Ainda havia rumores na época, que insinuavam que a debandada do cantor, deu-se por divergências causadas pela adição cada vez mais constante de uma sonoridade pesada no som da banda.
Se pararmos para analisar, essa hipótese não soa tão absurda assim. Basta colocarmos os dois últimos trabalhos lançados até então ao lado de Nome (1993), primeiro disco solo de Arnaldo para comprovarmos essa dissonância entre os envolvidos. Mesmo não estando mais no grupo, ele ainda seria coautor de algumas das faixas, entre elas Disneylandia, Hereditário e De Olhos Fechados.
A princípio, o nome do álbum seria A Volta dos Mortos Vivos título esse, que serviria como uma resposta à imprensa, que na época decretava a morte do rock brasileiro. Esse título acabou deixado de lado, quando a banda descobriu que existia um filme com o mesmo nome.
Titanomaquia (nome que convenhamos, ficou muito melhor) é um período dentro da mitologia grega, que retrata a guerra entre os titãs e os deuses do olimpo, confronto este que definiria o domínio do universo.
E é a partir deste fato que podemos traçar uma pequena analogia.
Fazia tempo que banda e imprensa andavam em pé de guerra, mais precisamente, desde o lançamento de Tudo Ao Mesmo Tempo Agora disco totalmente produzido pela banda. Críticas à mixagem e teor das letras não foram poupadas, nem tão pouco feitas de forma respeitosa. A verdade é que o grupo queria se distanciar do sucesso comercial do popular O Blesq Bloom.
Seguindo esse ocorrido, podemos comparar a banda com os seres mitológicos lutando contra os perfeitos e intocáveis deuses da mídia “especializada”?
Munidos dessa fúria e do desejo de se afastar do meio comercial, os sete integrantes remanescentes, uniram forças com o produtor americano Jack Endino que trabalhou com o Nirvana no álbum de estreia Bleach (1989). E foi justamente o Grunge, somados a pitadas de Hardcore e do já experimentado Punk, que deram forma as 13 faixas que compõe Titanomaquia.
O escárnio e a ira perante aos algozes da mídia, são visíveis nas temáticas das duas primeiras faixas de abertura, Será Que É Isso Que Eu Necessito? e Nem Sempre Se Pode Ser Deus. Em seguida temos Disneylandia. De letra globalizada, é entoada de forma quase profética pelo vocalista Paulo Miklos. A música ainda conta com a participação de Endino nas guitarras.
Hereditário a quarta música, traz um fato curioso em torno do até então septeto. Trata-se da única participação do baixista Nando Reis nos vocais. Após ter uma composição dedicada ao falecimento da mãe rejeitada pelos demais integrantes, ele se negou a contribuir com letras e pouco interagia com os companheiros durante as gravações. A estética sonora escolhida para essa nova fase do grupo nenhum pouco lhe agradara e por pouco não resultou em mais uma baixa para os Titãs.
Meu Aniversário seria lançada no ano seguinte com o álbum de estreia da carreira solo de Nando, 12 de Janeiro, entretanto, a demo da canção com os arranjos descartados pode ser encontrada na coletânea de raridades E-Collection lançada em 2000.
Estados Alterados da Mente traz riffs mordidos que faz o pescoço balançar involuntariamente, enquanto os vocais de Branco Mello soam distantes, como um louco contido na mais fétida e obscura cela. Agonizando é uma das mais pesadas do disco, com seus versos raivosos e berros desesperados durante o refrão, cantado por um Sérgio Britto que, nem de perto, seria o mesmo vocalista responsável por dar voz à baladinhas de novelas da sete em um futuro não muito distante.
De Olhos Fechados e Fazer O Que? encerram este lado mais esquizofrênico do play.
A Verdadeira Mary Poppins tem um apelo existencial, tratando de uma possível crise de identidade. A sonoridade desta música é outra que faz até o mais true headbanger sacolejar o coco. Esta foi a última composição a entrar para o álbum, feita durante a madrugada pelo guitarrista Marcelo Frommer, Paulo Miklos e Sérgio Britto em um hotel no meio de uma das inúmeras turnês feitas pela banda.
Felizes São Os Peixes talvez seja a mais fraca e boba do trabalho. Ao menos é uma das mais curtas também.
Tempo Pra Gastar possui uma levada e certas características que poderiam perfeitamente encaixá-la ao álbum O Blesq Bloom.
E o grand finalle dessa insana obra chega com duas ótimas faixas, a profana Dissertação do Papa Sobre O Crime Seguida de Orgia e a epilética Taxidermia com sua aparente crítica aos padrões estéticos na grande mídia, principalmente, nos versos:
Se eu tivesse seus olhos eu seria famoso
ou então
Não quero ser útil, quero ser utilizado
Titanomaquia foi lançado no dia 10 de julho de 1993, sendo o primeiro trabalho dos Titãs a ganhar o formato de CD, o que era novidade para a época. As primeiras 60 mil cópias que chegavam as lojas, vinham embaladas em um saco de lixo preto, item que se tornaria muito quisto para os colecionadores de hoje em dia.
A recepção da crítica foi mista. Alguns veículos elogiaram a produção de Jack Endino, porém, afirmavam que toda a rebeldia explícita no trabalho parecia desprovida de sentido. Até o final de 1994, o álbum vendeu aproximadamente 125 mil cópias.
Os Titãs ainda tentaram lançar o trabalho na gringa, transpondo algumas das letras para o inglês. Infelizmente essa empreitada não surtiu o efeito esperado. A banda ainda participou abrindo alguns shows na Argentina para o Sepultura, que desfrutava de sua ascensão meteórica antes do rompimento em 1996. Mas mesmo estando em sua fase mais pesada, o som dos paulistas não chegava nem perto do Thrash Metal do quarteto de Minas Gerais. Isso rendeu ao grupo cusparadas do público argentino, que só foram amenizadas, quando o próprio Max Cavalera interveio, apresentando-os à plateia nas noites seguintes.
Mas nem tudo foram só percalços. A banda iria até Los Angeles em setembro de 1993 para receber o prêmio de melhor clipe brasileiro no MTV Vídeo Awards com Será Que é Isso Que Eu Necessito?. Graças a esse fator, as rádios brasileiras começaram a incluir mais faixas do trabalho dentro de suas programações.
A agressividade nessa nova fase, ainda atraiu para os shows um público mais masculino e agressivo. Isso resultou, por exemplo, em um episódio envolvendo um coelho degolado jogado no palco durante uma apresentação no interior mineiro. A partir daí, a banda sentira que não pertencia totalmente àquela cena, e precisaria de um tempo para se organizar e rumar de volta para o público do Mainstream.
Em suma, Titanomaquia não agradou a gregos e troianos como em trabalhos anteriores. É um daqueles clássicos casos em que o tempo é necessário para um possível maturamento e reconhecimento de uma obra. É um álbum que entrega bem a premissa que busca. Um som sujo, com letras de temáticas feias e malvadas. É para mim um dos grandes trabalhos da banda, que conseguiu dar a volta por cima, mesmo com a ausência de um importante membro como Arnaldo Antunes. Escute no volume máximo!
Esse foi o último resquício de agressividade exercido pelos Titãs, que passaram o restante da década de noventa e boa parte dos anos 2000, focados em agradar as mais diferentes plateias. Acústicos foram lançados, assim como músicas para emplacar nas trilhas sonoras novelísticas. A banda ainda tentava (e continua tentando) se afastar da imagem de roqueiros porra louca, para bancarem os bons moços.
Essa agressividade voltaria em 2014, quando os membros remanescentes das inúmeras baixas da banda (e a perda do guitarrista Marcelo Frommer, falecido em 2001) lançariam o fantástico Nheengatu. Bom, mas essa já é outra estória.
Ouça Titanomaquia na íntegra no YouTube: