
Na primeira conversa com o médico, a esperança se tornou em decepção. Porém o amor pela música fala mais alto, mas nem sempre é possível se fazer o que gosta e dar conta de fazer o que necessitamos, foi então que:
“No primeiro ciclo feito, perguntei ao médico se poderia continuar tocando, mesmo que fosse somente ensaios, e recebi um belo de um não. Com o esforço de tocar havia o risco das veias se romperem e, devido à sensibilidade que as quimios causam, se isso acontecesse a quimio escaparia, entrando em contato com o braço, que se for por muito tempo, pode queimar o membro por dentro, assim tive que deixar um pouco de lado as guitarras. Com o decorrer do tratamento, os ciclos ficaram mais distantes um do outro, o que me oportunizou tocar um pouco, até ensaiar. Percebi que a cada vez que tocava, uma vez por mês mais ou menos, era como se eu tivesse corrido uma maratona, extremamente cansativo.“
Foi então que dando todo ênfase ao tratamento que talvez uma luz no fim do túnel apareceu. Hoje Aline nos conta sorrindo que deu tudo certo até o momento:
“O tratamento fez efeito, reduziu o tumor de 13cm para 4cm e pude encerrar as quimioterapias, porém a cura é considerada somente após o período de remissão, que são cinco anos e eu estou no terceiro ano. O médico me disse que após um ano do fim das quimios, minha vida e minhas atividades já estariam voltando ao normal como eram, mas não foi bem isso que aconteceu.”
A motivação durante o tratamento fez toda a diferença e o que mais fez a diferença ainda foi o incentivo dos amigos, aquela força que surge do algo inesperado, dando todo o auxilio necessário para que a recuperação fosse possível. E Aline conta como os amigos foram essenciais para esse momento turbulento.
“Durante o tratamento eu estava super motivada a melhorar, criei com o auxílio de amigos um canal no youtube onde eu contava de forma humorada a descoberta e tratamento do câncer, mas depois de encerrar o tratamento, meu organismo ficou muito afetado. Desenvolvi diversas alergias, sensibilidades e perda de disposição, força, cognição. Pensei ser normal do processo de adaptação, mas cada corpo reage de uma forma e o meu não conseguiu voltar a ser o que era antes de ficar doente. Hoje, apesar de conseguir falar da doença tranquilamente quando alguém me pergunta, não consigo levar a vida com tanto bom humor como levei no tratamento, este está sendo o momento mais difícil para mim. Terminei a faculdade a muito custo, consegui um emprego na minha área de meio período, por ser o que eu aguento trabalhar, e voltei as bandas. Não posso tocar guitarra todos os dias ainda, sempre programo minhas atividades conforme minhas limitações.“
Quando um ser humano consegue superar suas limitações, não tem nada que ela não supere, com isso ela só se fortalece a coisas futuras. O tempo talvez ajude a curar tudo, com um tratamento focado, levado a sério, tanto por obrigação, quanto por vontade de voltar a sua vida normal, foi ainda em 2016 que as coisas começaram a engatilhar para melhor.
“Ao fim do ano de 2016, após uma série de irritações nos órgãos, sempre tendo o mesmo diagnóstico de “a quimioterapia enfraqueceu muito teu organismo, isso vai ser uma condição que provavelmente vais levar pra tua vida” passei a acreditar que isso iria me impedir de trabalhar, de tocar, de sair de casa para o mínimo que fosse. Estava quase saindo pedindo para sair das bandas quando iniciei o tratamento com psicóloga. Para ajudar, todas as pessoas que fizeram o tratamento junto comigo, que ficaram internadas comigo, morreram. Entrei numa noia que iria morrer também. Atualmente, também estou tendo auxilio de psiquiatra que me indicou antidepressivo para eu passar essa fase. Continuo com muitas sensibilidades, como glúten (saudades cerveja hehe), temperos, inúmeras alergias como roupa jeans, alguns matinhos, picadas de insetos, produtos de pele entre outros. Sempre estou tomando algum medicamento para recuperar alguma área que está afetada no meu corpo, normalmente garganta, estômago ou intestino.”
Quem não acreditava numa recuperação, talvez tenha ficado perplexo. Mesmo com cuidados e algumas questões, como as alergias e sensibilidades declaradas acima, sua vida voltou ao normal e talvez “melhor do que era”. Porém muitas coisas do cotidiano mudaram, praticamente muita coisa que era acostumada teve que se adaptar a fazer diferente ou cortar algumas coisas, sua estadia em festivais com camping, mas ainda um pouco de ajuda para aceitar e enfrentar a atual condição, ainda é bem-vinda.
“Sigo firme nas bandas que tenho, mas percebo o como é diferente para mim agora. Acampamentos em festivais que eu costumava ir, às vezes fazia um diretão indo do serviço e chegando três dias depois já ia trabalhar, se tornaram extremamente cansativos e impossíveis de se levar como eu fazia antes. Após os shows fico com tremores, cansada e por muitas vezes no dia seguinte tenho que ficar em repouso, mas feliz por estar conseguindo fazer o que mais gosto. Ainda tenho medo de um dia meu corpo não aguentar as coisas e eu ter que parar com tudo novamente, tal quando iniciei o tratamento do câncer. Estou seguindo o tratamento psicológico e psiquiátrico para que minha mente aceite esta minha nova condição física, que infelizmente não vou ser mais como era antes do câncer mas que poderei continuar a fazer tudo o que quero e preciso de acordo com minhas limitações…“
Hoje Aline Iladi é guitarrista das bandas: Ch4rriot, que é Punk Rock formada por garotas, e da clássica Silent Empire, Death Metal, ambas de Criciúma/SC, com quem tem um disco lançado recentemente. Em entrevistas recentes, Aline declara que tocar com a Ch4rriot ainda é um desafio para ela e que a Silent Empire tudo acontece mais naturalmente pelo costume com a vertente. Lembrando que a Ch4rriot é um projeto da extinta Five bOOb jObs, já a Silent Empire é uma banda que está rodando Santa Catarina ainda divulgando seu último lançamento.
Essa matéria era para ser uma entrevista, porém o relato de Aline Iladi foi tão emocionante, comovente e serviu de motivação para todos os redatores d’O SubSolo, que transformamos em uma matéria narrativa encima do desabafo de uma guitarrista, que agora passamos a admirar ainda mais. Sonhos são sonhos, ter saúde para correr atrás deles é o que precisamos para alcançar esses objetivos. Força de vontade e dedicação, podemos adquirir, saúde, nem sempre. Agradecemos a Aline pela história e desejamos todo o sucesso na música. Encerramos a matéria com o último paragrafo que a jovem musicista deixou escapar:
“Acabou que toda esta história acabou sendo mais um desabafo do que um relato hehehe muitas das coisas ditas aqui ainda não havia contado para ninguém, mas fico feliz em poder dividir um pouco da minha história, pois quando se faz algo que gosta, tudo vale a pena….“