Aline Iladi, uma garota um pouco diferente. Guitarrista de uma das poucas bandas formadas apenas por garotas na região sul de Santa Catarina na época, a Five bOOb jObs, de Criciúma. Teve seu primeiro contato com a guitarra foi com apenas 16 anos de idade, porém apenas com os 19 anos levou a sério o instrumento. Hoje formada em Licenciatura em Artes, tinha sua vida de garota normal, com amigas, ensaios, estudos e etc… Porém, com apenas 22 anos de idade, o que seria apenas uma consulta que aparentava uma “Tendinite no Ombro”, interrompeu por anos sua vida na guitarra e por pouco não há tirou definitivamente da música.



No ano de 2012 descobri tendinite no ombro direito, que deveria cuidar com levantamentos de pesos e movimentos repetitivos. Acompanhei com os médicos se isto me impediria de tocar e, com os devidos cuidados, poderia continuar nas guitarras normalmente. Cuidei conforme me foi orientado, porém após um tempo as dores retornaram mais fortes, sem trégua mesmo com os remédios e exercícios indicados. Passou o ano e, em 2013, as dores ainda persistiam irradiando para toda a parte superior das costas. Estava ficando cada vez mais difícil suportar o peso da guitarra e me movimentar para tocar. O Ortopedista me indicou um Quiropraxista para resolver a tendinite, e assim o fiz. Este quiroprata, ao fazer minha avaliação, disse que essas dores não eram provenientes somente da tendinite e cabia uma investigação. Com as dores irradiando para todo o tórax e varizes estourando nas costas e tórax, me entupia de remédios para dor na tentativa de suportar tudo. Conta Aline.

Mesmo com certas dores, Aline continuou suas atividades normais, porém algumas coisas normais do dia a dia já se custavam maior dificuldade para sair “naturalmente”, como por exemplo, fazer backing vocal na sua banda. E, ao procurar um médico, veio sua primeira internação no pronto socorro.

Fazer os backing vocals já estava se tornando uma tarefa impossível para mim. Lembro de ter ido a uma consulta de rotina com a ginecologista, que viu minhas varizes no tórax, e me indicou um angiologista. Fui ao angiologista e este me disse que algo estava trancando a circulação do sangue no meu tórax para estar estourando essas varizes, pediu que eu fizesse uma tomografia para verificar o que era. Esta consulta foi numa segunda feira, na terça pela manhã acordei sem respirar, levada às pressas para o pronto socorro do hospital, raio-x feito e uma enorme mancha apareceu sobre o fígado, coração e pulmões. Para a realização de exames mais detalhados e descobrir o que eram essas manchas, precisei ser internada.

Sua internação pegou todos de surpresa, principalmente as integrantes da banda. Aparentemente ninguém queria contar o real motivo da internação, o motivo, não se sabe. Mesmo assim, Aline descobriu ao chegar em uma ala “um pouco diferente”, notando que estava numa ala em quem ninguém gostaria de estar.

Lembro que nesta mesma semana que eu fui internada, tinha ensaio da minha banda no fim de semana. Enquanto eu aguardava a burocracia da internação, liguei para a vocalista da banda, na época eu estava com a Five Boob Jobs. “Não poderei ensaiar essa semana, vou ser internada no hospital” e ela espantada respondeu: “O quê? Como assim?” tive que ser sincera e responder: “Acharam umas manchas e vão me internar pra ver o que é”. Na minha cabeça iria ver o que era, pegar remédio e na outra semana já daria para ensaiar. Internada no hospital, fazendo uma série de “ias”, tomografia, broncoscopia e entre outros vários, foi então que uma médica me diz que estou com uma massinha no mediastino (no espaço entre os dois pulmões, pelo que entendi) e que descobririam o que era. Naquele momento desconfiei que era câncer, porque né, entendi aquela massinha como tumor. Fiquei uma semana no pronto socorro e depois me transferiram para um quarto que estavam mais três pessoas com os cabelos ralos ou raspados e até o momento ninguém havia me confirmado o que eu tinha, mas já tinha certeza por perceber que estava na ala oncológica.

Foi internada que veio a demora na definição do médico que iria trata-lá, passando vários até chegar o encarregado pelo caso. Apenas a base da “adivinhação”, ainda não se sabia o real motivo de estar internada, apesar da dedução acima citada. A vontade de sair dali e voltar para a guitarra, estudos e sua vida normal apenas aumentava a cada segundo, afinal, quem gosta de hospital? Foi então que apareceu o médico responsável e junto dele, o diagnóstico e fim dos jogos de adivinhações.

Uns cinco médicos passaram por mim nas semanas que fiquei internada, até o médico que me tratou aparecer. A massinha era mesmo câncer, somado a água dentro dos dois pulmões, uma bolsa de água ao redor do coração e o fígado danificado pelo excesso de remédios para dor que eu havia tomado. Diagnóstico feito, deram início ao tratamento. Primeira indicação foi parar com todas minhas atividades no momento, a faculdade e banda. O médico me informou que existem diversos tipos de quimioterapia e que eu faria uma que era bem forte para não precisar fazer cirurgia e drenar as águas que estavam por ali. Fiz algumas sessões das quimios internada e, depois de quase um mês, fui liberada a ir para casa. A cada 2 ou 3 semanas, dependendo dos resultados dos exames de sangue feitos periodicamente, eu fazia um ciclo de quimios, que consistia em quatro dias de quimio feitas no hospital. É como se fosse um soro, porém no meu caso, só poderia ser feita da metade do antebraço para baixo.






Na primeira conversa com o médico, a esperança se tornou em decepção. Porém o amor pela música fala mais alto, mas nem sempre é possível se fazer o que gosta e dar conta de fazer o que necessitamos, foi então que:



No primeiro ciclo feito, perguntei ao médico se poderia continuar tocando, mesmo que fosse somente ensaios, e recebi um belo de um não. Com o esforço de tocar havia o risco das veias se romperem e, devido à sensibilidade que as quimios causam, se isso acontecesse a quimio escaparia, entrando em contato com o braço, que se for por muito tempo, pode queimar o membro por dentro, assim tive que deixar um pouco de lado as guitarras. Com o decorrer do tratamento, os ciclos ficaram mais distantes um do outro, o que me oportunizou tocar um pouco, até ensaiar. Percebi que a cada vez que tocava, uma vez por mês mais ou menos, era como se eu tivesse corrido uma maratona, extremamente cansativo.


Foi então que dando todo ênfase ao tratamento que talvez uma luz no fim do túnel apareceu. Hoje Aline nos conta sorrindo que deu tudo certo até o momento:


O tratamento fez efeito, reduziu o tumor de 13cm para 4cm e pude encerrar as quimioterapias, porém a cura é considerada somente após o período de remissão, que são cinco anos e eu estou no terceiro ano. O médico me disse que após um ano do fim das quimios, minha vida e minhas atividades já estariam voltando ao normal como eram, mas não foi bem isso que aconteceu.” 


A motivação durante o tratamento fez toda a diferença e o que mais fez a diferença ainda foi o incentivo dos amigos, aquela força que surge do algo inesperado, dando todo o auxilio necessário para que a recuperação fosse possível. E Aline conta como os amigos foram essenciais para esse momento turbulento.


Durante o tratamento eu estava super motivada a melhorar, criei com o auxílio de amigos um canal no youtube onde eu contava de forma humorada a descoberta e tratamento do câncer, mas depois de encerrar o tratamento, meu organismo ficou muito afetado. Desenvolvi diversas alergias, sensibilidades e perda de disposição, força, cognição. Pensei ser normal do processo de adaptação, mas cada corpo reage de uma forma e o meu não conseguiu voltar a ser o que era antes de ficar doente. Hoje, apesar de conseguir falar da doença tranquilamente quando alguém me pergunta, não consigo levar a vida com tanto bom humor como levei no tratamento, este está sendo o momento mais difícil para mim. Terminei a faculdade a muito custo, consegui um emprego na minha área de meio período, por ser o que eu aguento trabalhar, e voltei as bandas. Não posso tocar guitarra todos os dias ainda, sempre programo minhas atividades conforme minhas limitações.


Quando um ser humano consegue superar suas limitações, não tem nada que ela não supere, com isso ela só se fortalece a coisas futuras. O tempo talvez ajude a curar tudo, com um tratamento focado, levado a sério, tanto por obrigação, quanto por vontade de voltar a sua vida normal, foi ainda em 2016 que as coisas começaram a engatilhar para melhor.




Ao fim do ano de 2016, após uma série de irritações nos órgãos, sempre tendo o mesmo diagnóstico de “a quimioterapia enfraqueceu muito teu organismo, isso vai ser uma condição que provavelmente vais levar pra tua vida” passei a acreditar que isso iria me impedir de trabalhar, de tocar, de sair de casa para o mínimo que fosse. Estava quase saindo pedindo para sair das bandas quando iniciei o tratamento com psicóloga. Para ajudar, todas as pessoas que fizeram o tratamento junto comigo, que ficaram internadas comigo, morreram. Entrei numa noia que iria morrer também. Atualmente, também estou tendo auxilio de psiquiatra que me indicou antidepressivo para eu passar essa fase. Continuo com muitas sensibilidades, como glúten (saudades cerveja hehe), temperos, inúmeras alergias como roupa jeans, alguns matinhos, picadas de insetos, produtos de pele entre outros. Sempre estou tomando algum medicamento para recuperar alguma área que está afetada no meu corpo, normalmente garganta, estômago ou intestino.”






Quem não acreditava numa recuperação, talvez tenha ficado perplexo. Mesmo com cuidados e algumas questões, como as alergias e sensibilidades declaradas acima, sua vida voltou ao normal e talvez “melhor do que era”. Porém muitas coisas do cotidiano mudaram, praticamente muita coisa que era acostumada teve que se adaptar a fazer diferente ou cortar algumas coisas, sua estadia em festivais com camping, mas ainda um pouco de ajuda para aceitar e enfrentar a atual condição, ainda é bem-vinda.


Sigo firme nas bandas que tenho, mas percebo o como é diferente para mim agora. Acampamentos em festivais que eu costumava ir, às vezes fazia um diretão indo do serviço e chegando três dias depois já ia trabalhar, se tornaram extremamente cansativos e impossíveis de se levar como eu fazia antes. Após os shows fico com tremores, cansada e por muitas vezes no dia seguinte tenho que ficar em repouso, mas feliz por estar conseguindo fazer o que mais gosto. Ainda tenho medo de um dia meu corpo não aguentar as coisas e eu ter que parar com tudo novamente, tal quando iniciei o tratamento do câncer. Estou seguindo o tratamento psicológico e psiquiátrico para que minha mente aceite esta minha nova condição física, que infelizmente não vou ser mais como era antes do câncer mas que poderei continuar a fazer tudo o que quero e preciso de acordo com minhas limitações…


Hoje Aline Iladi é guitarrista das bandas: Ch4rriot, que é Punk Rock formada por garotas, e da clássica Silent Empire, Death Metal, ambas de Criciúma/SC, com quem tem um disco lançado recentemente. Em entrevistas recentes, Aline declara que tocar com a Ch4rriot ainda é um desafio para ela e que a Silent Empire tudo acontece mais naturalmente pelo costume com a vertente. Lembrando que a Ch4rriot é um projeto da extinta Five bOOb jObs, já a Silent Empire é uma banda que está rodando Santa Catarina ainda divulgando seu último lançamento.


Essa matéria era para ser uma entrevista, porém o relato de Aline Iladi foi tão emocionante, comovente e serviu de motivação para todos os redatores d’O SubSolo, que transformamos em uma matéria narrativa encima do desabafo de uma guitarrista, que agora passamos a admirar ainda mais. Sonhos são sonhos, ter saúde para correr atrás deles é o que precisamos para alcançar esses objetivos. Força de vontade e dedicação, podemos adquirir, saúde, nem sempre. Agradecemos a Aline pela história e desejamos todo o sucesso na música. Encerramos a matéria com o último paragrafo que a jovem musicista deixou escapar:


Acabou que toda esta história acabou sendo mais um desabafo do que um relato hehehe muitas das coisas ditas aqui ainda não havia contado para ninguém, mas fico feliz em poder dividir um pouco da minha história, pois quando se faz algo que gosta, tudo vale a pena….

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Gremista, catarinense, gamer, cervejeiro e admirador incessante do Rock/Metal. Tem como filosofia de vida, que o menos é mais. Visando sempre a qualidade invés da quantidade. Criou o site 'O SubSolo" em 2015 sem meras pretensões se tornando um grande incentivador da cena. Prestes a surtar com a crise da meia idade, tem a atelofobia como seu maior inimigo e faz com que escrever e respirar o Rock/Metal seja sua válvula de escape.