“Eu já ouvi isso, mas nunca ISSO.”




Foi basicamente essa a minha primeira reação ao ouvir o som desse disco. Algo familiar, fruto de influências que reconheci de cara, mas totalmente inesperado, explosivo e surpreendente, e melhor a cada audição, tornando-se mais coeso e cada vez mais cativante e pegajoso a meus ouvidos. Sim, FEVER 333 lançou a pouco mais de um ano o seu primeiro e estrondoso álbum, que despontou entre diversos Top 10 de lançamentos de 2019 pelo mundo por diversas mídias especializadas, mas para mim, “STRENGTH IN NUMB333RS” foi o melhor disco do ano, seja lá qual gênero quiser categorizar.


O nome do álbum é referência a uma popular expressão em inglês que é usada para representar o poder e influência de um grupo numeroso de pessoa diante a força de uma só pessoa. Além disso, como é possível notar, a relação da banda com o número 3 é forte e essencial para compreensão do conceito do grupo. O número representa a letra C, terceira letra de nosso alfabeto, e sua tripla repetição se torna um acrônimo para os ideais que são base para a banda: community, charity and change, que em português significam comunidade, caridade e mudança. A partir daí, podemos imergir no álbum e compreender a essência desse disco, que vai muito além do som.







A febre inicia com uma introdução caótica e climática. Você está dentro de uma manifestação, do tumulto, da realidade. O mote sonoro nada mais é do que uma platéia que anseia pela chegada da banda, ao mesmo tempo que encabeça um movimento de mudança e cobrança. E então ouvimos pela primeira vez a voz do vocalista  Jason Aalon Butler, que anuncia a chegada dessa febre, sendo seguido dos primeiros minutos musicais do disco. “BURN IT é o anúncio da revolução, arrastando seus primeiros segundos de forma instigante até encontrar o seu groove grave e moderno. A bateria do excepcional Aric Improta é presença constante ao longo de todas as músicas, enquanto o guitarrista Stephen Harrison traz sua distorção em momentos chave, como o explosivo e contagiante refrão dessa música. 



As vezes você precisa queimar isso abaixo
Para reconstruir isso novamente



A proposta do FEVER 333 neste álbum é te cativar pelos refrões. São todos estupidamente fortes e marcantes, que te pegam pela cabeça rapidamente. Os grooves que carregam os versos são viciantes e servem de base para as verdadeiras mensagens das músicas, em forma de Rap. São letras de protesto, de posicionamento, de aversão ao preconceito, as massas opressivas, ao sistema truculento e, tal como as músicas consideradas épicas cantam sobre as vitórias dos cavaleiros e aventureiros em terras mágicas, FEVER 333 presta ser papel de bardo urbano, cantando sobre histórias reais e que se repetem dia após dia, de minorias ganhando espaço, aos trancos e barrancos, sobrevivendo contra todas as adversidades impostas pela sociedade.

Falar de cada faixa é uma abertura para fazer uma análise gigantesca, já que cada música possui uma mensagem e uma proposta, mas destaco aqui as 3 músicas base deste disco (que levam o número 3 no nome).






A primeira delas, “PREY FOR ME/3, que tem o melhor refrão deste álbum, é uma música totalmente voltada para a principal luta do grupo: contra o racismo. Jason e Stephen são negros e se orgulham de suas origens, mas aqui levantam os gritos daqueles que sofreram inúmeras perseguições ao longo da história por causa de sua cor. Entre os flows entoados ritmicamente pelo vocalista, se destacam algumas frases que impactam, como:





É melhor você pegar seus papéis direito
E torcer  para que sua pele seja clara o suficiente
Então eles vão deixar você ser livre

PREY FOR ME/3 não para aí, e segue com seu refrão aparentemente alegre e contagiante, que na verdade traz um suplicio: “reze por mim, cace por mim, agora estou no meu caminho para o sol”, como alguém deixando suas palavras póstumas para que sua lute continue, pois fora mais uma vítima da violência racial.

A música sofre uma brusca e intensa mudança, quando entra na sua parte “/3. Aqui, retomamos os conceitos do 333 no nome da banda e consequentemente no título do álbum, e entende-se que “PREY FOR ME é uma música sobre a vida da comunidade negra, tendo nessa segunda e brutal metade da música a resposta da banda em tom de protesto e provocação a todo o preconceito que a comunidade que ela defende sofre. 



A segunda e faixa #6 é a que me arrepia ao ouvir: “INGLEWOOD/3. Ela leva o nome da cidade californiana onde a banda se estabeleceu, e é a primeira música mais melódica e tocante do álbum. Antes de ler as letras dela, por si só, já me conquistava com seu refrão, mas é lendo os escritos da banda para essa faixa que me atentei a uma realidade ainda mais pesada e dolorosa. 

Enquanto vocês estavam aprendendo violino
Eu estava aprendendo violência

São várias passagens chocantes na melancólica letra que relata a vida de quem nasce e cresce no gueto, em meio a violência entre locais, manifestações e confrontos com policiais. As paixões e decepções de quem cresce na margem da sociedade são retratados nas letras que são reais e que te fazem pensar nesta realidade de preconceitos e angustias. Mais uma vez, a revolta é explícita na metade final da faixa, onde “INGLEWOOD“vira “/3” e assume brutais tons de protesto, e a banda incorpora suas melhores inspirações de Metal Extremo para dar base as expressivas mensagens da música.

Você não quer o melhor para mim
Você só quer o resto de mim.
O quanto você quer por isso?”



OUT OF CONTROL/3 é a faixa que completa a mensagem de “comunidade, caridade e mudança”, ou seja totalmente voltada para o último “c”. Começa totalmente em cima do rap cantado por Jason, mas ao chegar no refrão é substituída por mais um refrão contrastante. Ainda assim, a guitarra gritante de Stephen traz o clima caótico que a letra pede. 

A segunda parte, que também é o último “outro” no álbum, já não é tão caótica quanto nas músicas anteriores. Mais focada na letra, ao invés dos gritos dissonantes anteriores, aqui encontramos inclusive uma refrão melódica bem cativante e marcante, principalmente por conta da melodia feita na guitarra.



Mas eu não ouço sua mensagem
Eu não preciso das suas lições
Eu não estou me juntando a sua luta



Após tantas músicas sobre resistência e luta, vem a grande surpresa desse álbum, e que destaco especialmente por se tratar de minha faixa favorita -como bom fã de baladas. “AM I HERE? é um lamento, um questionamento, uma reflexão e uma declaração introspectiva. Pela primeira vez, temos a suavidade pura dos instrumentos de cordas até o fim do primeiro refrão, onde a música vai crescendo de forma delicada e imersiva.

Enquanto Jason declara, melodicamente, palavras de admiração a uma pessoa amada, ele se coloca numa posição onde esta pessoa é a única responsável por ele “ainda estar respirando”. A música cresce, Aric dá peso no segundo verso com a entrada da bateria, até que o refrão torna-se gritado, urrado, desesperado, com a presença enfim elétrica da guitarra de Stephen. Então, Jason declara ao fim que “é tudo por você, e você também”, direcionando a faixa para sua esposa e filho. Mas, para nós, ouvintes, certamente lembramos daquela pessoa que nos ajuda a permanecer firmes em nossas lutas.

As demais faixas são energéticas, mas para compreensão do poderio e versatilidade do disco, e principalmente sua narrativa, me apego a estas faixas em especial, e recomendo a audição completa e sequencial do álbum. Músicas como “ANIMAL” e “ONE OF US são sensacionais e envolventes e merecem toda sua atenção também.




“STRENGTH IN NUMB333RS” foi, de longe, o álbum que mais ouvi desde janeiro de 2019, e ainda ouço frequentemente. Sua mistura de Rage Against the Machine, Linkin Park e sons atuais como Trap resultam em aquilo que meus ouvidos pareciam estar buscando a algum tempo, e finalmente encontraram. Não se trata de um disco de Metal, ou Nu Metal, Rapcore, que seja. É difícil colocar etiquetas quando o disco é influenciado por músicos versáteis e ainda fielmente apegado a um movimento ideológico. Então, é um álbum que recomendo para os que querem se aventurar em um motim sonoro, sem preocupações de rótulos. 

A febre é contagiosa e não parece ter cura, então ouça sem moderação este e todos os trabalhos de Fever 333.



TRACKLIST
01) …
02) BURN IT
03) ANIMAL
04) PREY FOR ME/3
05) ONE OF US
06) INGLEWOOD/3
07) THE INNOCENT
08) OUT OF CONTROL/3
09) AM I HERE?
10) COUP D’ÉTALK


BANDA
Jason Aalon Butler – vocais, guitarras, baixo, percussão
Stephen Harrison – guitarras principais, backing vocals
Aric Improta – bateria


Onde há espaço para escrever, tenha certeza que irei deixar minhas palavras. Foi assim que me tornei letrista, escritor e roteirista, ainda transformando minha paixão por música em uma atividade para a vida. Nos palcos, sou baixista da Dark New Farm, e fora deles, redator graduado em Publicidade e Propaganda para o que surgir pela frente.