Após um período relativamente extenso divagando sobre as ondas do rádio, os muros de Roger Waters no Pink Floyd e a cruzada da cultura do cancelamento sobre Morrissey, eis que meus amigos e parceiros do Som do Darma, fizeram com que minha rota retornasse ao nosso tão prolífero underground nacional, mandando a mim dois discos que serão os alvos de minhas próximas resenhas. E o primeiro deles você confere agora.

Confesso que até então não conhecia o trabalho do Dfront SA. E caso a banda também não lhe for familiar, saiba que a jornada do grupo começou na cidade de Volta Redonda no Rio de Janeiro em 2010, sendo atualmente formada por Silvio Guerra nos vocais, Nathan Klak na guitarra, Gláucio Magalhães no baixo e o baterista Magno Nascimento.

O primeiro EP veio no mesmo ano da formação do grupo, intitulado Revolution, trazendo fortes elementos do Hardcore, Thrash Metal e Death Metal, ingredientes estes, presentes até os dias de hoje na sonoridade do grupo de forma cada vez mais aprimorada.

Em 2012 um segundo EP fora lançado, Sem Miserícordia, onde o Dfront SA abraçou de vez as composições apenas em português. Já o primeiro disco da banda chegou em 2016 sob o título Do Céu ao Inferno. Em 2019 o Dfront SA No Stúdio trazia versões ao vivo das faixas contidas na obra anterior. Em 2021 durante a pandemia, o grupo ainda trouxe à luz um segundo disco de inéditas, Ceifado, que rendeu a apresentação no icônico Estúdio Showlivre, rendendo assim, mais um registro a própria discografia.

E fora assim que chegamos ao terceiro disco, Forte Teor da Dor. Então sem mais delongas, me muni do encarte do CD e apertei o botão de play rumo às entranhas do universo sonoro do quarteto.

O disco se inicia de forma bastante soturna, com diversas climatizações sinistras em meio a um lânguido Lick de guitarra que sumariamente, é interrompido por um violentíssimo grito gutural que abre alas para a furiosa Cura. Aqui o Dfront SA, já dá ao ouvinte uma boa amostra do poderio sonoro da banda, apresentando uma faixa agressivíssima, repleta de Bleast Beats, mas com diferentes nuances em determinadas passagens, resultando em uma abertura bastante diversificada, tanto nos vocais guturais, que se alternam entre graves e agudos (fator este que adoro), quanto nos andamentos mais cadenciados que fazem o pescoço sacolejar de forma automática.

Em relação à letra, aqui somos apresentados a um indivíduo que cansado de suportar o torpor do dia a dia, se transforma em uma verdadeira criatura bestial, capaz de dilacerar até mesmo o menor dos desafetos, uma forma brutal de se curar da passividade que um dia o controlara. Quando o silêncio quebra abruptamente toda a selvageria da faixa, tudo o que pude concluir deste primeiro contato com o disco, se resumiu em uma única e curta frase: “Puta que pariu! ”.

Agonia, a segunda faixa, mantém a rapidez ríspida que já envolvia o ouvinte anteriormente, porém aos poucos, vai sofrendo mutações sonoras, transformando a música em algo muito mais pesado. E isso é visível no casamento perfeito no uso dos Breakdowns, com a temática da letra, que demonstra os efeitos que a depressão pode causar em um ser humano, culminando em uma sensação diária de uma experiência de quase morte, lenta e dolorosa.

Tudo bem que não cheguei a viver o período onde as professoras batiam com réguas de madeira nas mesas dos alunos, quando estes se encontravam um tanto quanto dispersos durante a aula. Mas foi dessa forma que me senti ao terminar de ouvir Severo.

A terceira faixa possuí certas pitadas menos aceleradas de Slayer, mas que em questão de segundos se transforma em algo tão potente, que creio ser capaz de abrir os famigerados Mosh Pits nas apresentações da banda. Mas mesmo com esse turbilhão sonoro (com direito a um solo de pegada Kisseriana), mais uma vez a mutação se faz presente, e a música se intensifica, tornando-a em algo que faz coro com o próprio título, onde todo o horror do sentimento de se sentir um erro perante todo o resto do mundo, é esmiuçado de forma magistral. Uma faixa que ao final, traz aquele efeito de se olhar fixamente para o nada, com um sério ar de contemplação…

Não se deixe enganar pelas lamúrias iniciais de Lágrimas, pois logo tudo se converterá em uma pancadaria de proporções ilimitadas, onde somos enclausurados pela prisão mental, onde o eu lírico da música encontra-se perpetuamente preso, imerso no horror existencial.

Se nas primeiras faixas do disco podemos interpretar as letras de cada faixa como uma agonia individual de uma pessoa inserida na sociedade, como eu, ou você que está lendo este texto, as próximas pedradas que estão por vir, conseguem ser ainda mais pesadas que as anteriores. O motivo? As experiências reais que o vocalista Silvio Guerra, também médico e cardiologista, enfrentou enquanto trabalhou na linha de frente durante a Pandemia do Covid 19.Não por acaso, o trabalho é dedicado a todas as vítimas da doença no encarte do CD.

E essas experiências podem começar a serem exemplificadas em Um Segundo, uma faixa rápida que exprime todo o desespero e a falta de perspectiva, que com certeza, muitos dos heróis da área da saúde passaram neste episódio tão triste e recente. Além de ter lutado para cuidar do nosso povo, quando até mesmo o governo buscava tratar a situação com descaso, e por conseguir exprimir parte dessa sensação, de certa forma buscando exorcizar todo esse pesadelo, Guerra tem a minha total admiração.

Punição à minha interpretação, traz todo o sofrimento sentido por aqueles, que pouco podiam fazer quando o vírus se tornava mais forte do que aquilo que estava ao próprio alcance, tornando-se o avesso do que a população os enxergava, como agentes da cura e da esperança pela recuperação dos entes queridos.

Rastro de Culpa, traz o berro e o isolamento momentâneo, como a única forma de escape para se extravasar toda a agonia daqueles que lutavam na linha de frente, e via os próprios pacientes padecerem, enquanto o mundo todo, buscava apontar dedos para governos e poderosos, à procura de um responsável ,ao invés de juntos, procurarem por uma forma de sanar a situação. Felizmente, conseguimos, mas a preço de muitas vidas que se esvaíram…

Discórdia, é um apelo incessante pela preservação da fauna e da flora, em um mundo que parece não entender ou pouco se importar com o futuro que deixará para as próximas gerações. O pagamento pelo presente inconsequente, é o extermínio em massa da humanidade, profetizado na faixa seguinte, Fim do Mundo.

E encerrando o disco de forma não menos desoladora, Pandora (que faz um paralelo com o icônico mito grego) puxa-nos para o final da pandemia, trazendo nas entrelinhas, o retrato que pôde ser feito por qualquer sobrevivente deste infeliz momento da história do mundo, que busca em meio aos corpos empilhados dos que perderam a batalha, encontrar um rastro de humanidade que fora tão rapidamente dissipado neste período de dois anos, como uma forma de recomeçar a vida, dando-nos mesmo que em meio aos gritos guturais e guitarras distorcidas, uma vaga sensação de esperança ao final da audição…

Lançado em 08 de julho deste ano pela Voice Music, selo do icônico Silvio Golfetti (Ex-Korzus), o terceiro disco do Dfront SA teve a produção geral, mixagem e masterização por Nathan Klak, que também gravou o baixo e as guitarras do álbum. Ele assina a arte da capa ao lado do artista Rômulo Remo, que já trabalhou com grandes nomes do Metal nacional como Edu Falaschi e Shaman.

E posso dizer sem dúvidas que a mixagem do disco é excelente, trazendo uma sonoridade bastante cristalina, que em nada compromete o peso da banda, muito pelo contrário, destaca cada instrumento e elemento de forma igualitária, tornando tudo muito assimilável e coeso.

Mas o que me deixou bastante satisfeito mesmo, foi a forma diversificada com que a banda trabalhou faixa a faixa, tornando cada uma delas em algo raivoso, mas que não se limita a apenas a um tipo de andamento, fazendo a experiência de se ouvir o álbum algo bastante prazeroso, revertendo o fator replay, a algo natural para captar mais nuances, que possam ter passado batido em uma primeira audição.

Em relação ao disco como um todo, é como se a dor presente no título, fosse sentida de formas diferentes pelo ouvinte, sendo elas, o sofrimento rápido e pungente que causa o desconforto do torpor transposto pela violência instrumental, mas que ao mesmo tempo, devido ao conteúdo das letras, demonstra que essa dor não é hipodérmica, possuindo diversas camadas, que afligem o ouvinte até a total consagração do sofrimento que resulta no som do Dfront SA.

Em suma meus amigos Forte Teor da Dor, é um álbum altamente recomendado para os fãs de música extrema, (que não se resume a apenas os famosos “tupa tupa tupa” das baterias) mas, ainda mais, para aqueles que por vezes, torcem o nariz para bandas que cantam em nossa língua nativa, sendo mais um daqueles inúmeros famosos cala a boca, a todas as afirmações vazias (vindas em grande parte, dos tiozões das antigas) que o Heavy Metal no Brasil está morto.

Tracklist

1-Cura
2-Agonia
3-Severo
4-Lágrimas
5-Um Segundo
6-Punição
7-Rastro de Culpa
8-Discórdia
9-Fim do Mundo
10-Pandora

 

Nascido no interior de São Paulo, jornalista e antigo vocalista da Sacramentia. Autor do livro O Teatro Mágico - O Tudo É Uma Coisa Só. Fanático por biografias,colecionismo e Palmeiras.