Pelo último ano, dizer o nome Bangers Open Air trazia um diferente mix de sabores à boca, devido ao fatídico post do dia 02 de setembro que, aparentando um remediar de quem havia sido pego de surpresa, o até então Summer Breeze Brasil, que iria para sua terceira edição em 2025, passava a ser chamado Bangers Open Air daquele ponto em diante, “após uma análise cuidadosa de metadados sobre o mercado de entretenimento mundial e considerações estratégicas sobre a presença da marca em territórios internacionais…”. Um post, se diga de passagem, que na época gerou muita confusão e certo tumulto on-line, apagando temporariamente da mente das pessoas os 12 primeiros anúncios de bandas que se faziam no mesmo post (entre eles Powerwolf, uma das mais pedidas para a edição), desviando a atenção nas mídias sociais para o que foram oito meses seguintes de muito esforço para emplacar o rebranding.

À medida que o festival tomou forma e novos nomes começaram a surgir, dentre eles figuras como Sabaton, Avantasia, Kerry King, W.A.S.P., Saxon, entre muitos outros, o receio latente inicial parecia aos poucos se assentar, conforme a identidade, marca e visão de um evento que operacionalmente e estruturalmente seria muito similar ao seu agora antecessor, começava a pesar a balança mais para a animação do que a preocupação. No entanto, ainda assim era estranho se referir ao BOA (Bangers Open Air) no passado por sempre ter de mencionar logo na sequência “anteriormente, Summer Breeze Brasil”, justamente pela referência de pretérito se chocar com esse passado, que agora, verdadeiramente, se colocou em seu lugar: no passado.

Isso porque finalmente se deu, nos últimos dias 02, 03 e 04 de maio, no Memorial da América Latina, em São Paulo, a primeira edição do Bangers Open Air, onde tivemos o prazer de sermos credenciados para os três dias de evento, nessa que será uma longa leva de resenhas e fotos divididas entre os três dias, ou seja, os três atos. Para os apressados, já adiantamos: apesar da troca de nome e da troca das cadeiras da gestão e organização, desde o fim de 2023 para 2024, com a entrada da Consulado do Rock, uma coisa que não foi trocada foi a magia da fórmula encontrada na construção deste dinâmico festival urbano.

Oficialmente, a organização do evento se deu posicionando o evento em sua maior porção para os dias 02 (sábado) e 03 (domingo), com uma grade de shows que começava por volta das 11h50 da manhã e se finalizava por volta das 22h. Adicionalmente, o festival havia anunciado para este ano uma espécie de “esquenta”, ou o Warm Up, que nada mais foi do que um dia de festival mais focal, começando às 15h e finalizando às 22h, com todo o complexo do festival ativo, com exceção de dois palcos, onde os shows se concentraram apenas nos palcos Ice e Hot, nomes preservados de seu predecessor e que já aqui se mostraram um movimento assertivo, uma vez que a segunda edição do Summer Breeze Brasil contou com três dias integrais, o que, considerando a dinâmica de traslado daqueles que vêm de longe, aqueles que não conseguem folga e toda a cultura brasileira, inviabilizou uma boa parcela do público de aproveitar a totalidade do festival no último ano, um aprendizado que se buscou corrigir já nesta edição.

ICE STAGE: Kissin’ Dynamite | Hard Rock | Alemanha

Um começo explosivo

Em qualquer tipo de evento, sempre vão dizer que as duas posições mais difíceis de ocupar são daqueles que iniciam e encerram. Seja pela antecipação, pela missão de criar um bom ritmo e definir e finalizar com bom tom aquilo que se esteja proposto, é uma tarefa para poucos. E, para dar start na festança da cultura metaleira chamada Bangers Open Air, os escolhidos para iniciar o Warm Up de sexta-feira foram o Kissin’ Dynamite, uma banda que, apesar de estreante no Brasil, já angaria quase 20 anos de estrada e, como ficou visível tanto pelo público presente quanto logo nas primeiras músicas: uma grande porção de fãs.

E nada melhor para começar uma festa do que aquele hard n’ heavy bem da farofa mesmo, na atitude, na sonoridade e na presença (talvez não totalmente no visual). Os alemães que gostam de beijar dinamites inauguraram o palco Ice com uma verdadeira explosão (ba dum tss), clamando pela interação do público constantemente, fosse em “hey, hey, hey’s”, nas breves interações como “vocês são foda pra c*lho”, ou naqueles movimentos coordenados de “metranquinhas” com a guitarra que parecem nunca sair de moda.

Com uma setlist que compreendeu majoritariamente seu álbum mais recente, Back With a Bang!, mas que não deixou de lado hits como I’ve Got the Fire, You’re Not Alone e Not the End of the Road, enxuto de tamanho, mas potente em repertório (prometo parar com os trocadilhos), o show do Kissin’ Dynamite surpreendeu tanto que aparentou pegar até mesmo Johannes Braun (vocal) de surpresa, aquele tipo de espanto que normalmente faz com que uma banda retorne brevemente para o Brasil. Fechando com pompa, no estilo de líder de torcida, ao usar a coxa de seus companheiros, Steffen Haile (baixo) e Jim Müller (guitarra), como base para se elevar ao som das últimas notas, em um final extravagante.

Review por: Pedro Delgado
Fotos: Sidney Oss Emer

 

HOT STAGE: Dogma | Hard n’ Heavy | ???

Um convite pecaminoso

Apenas 10 minutos haviam se passado, o fôlego mal havia se recomposto e o público aproveitava o momento para pegar um refil de seu líquido de escolha. Nesse meio tempo, o backdrop do quinteto de freiras mais pecaminoso (e ousado) já se fazia a postos para o tipo de show que faz com que as avós abominem o universo do rock. Aqui, vale um ponto interessante: ao contrário das edições passadas, onde os palcos eram identificados através de letreiros com seus nomes, no BOA o que dominou foi o visual – um potente jogo de luzes azuis para o Ice e um vermelho fogo para o Hot, uma curiosa combinação quando pensado para a estreia do palco pelas desconhecidas e anônimas integrantes do Dogma.

Ao som de Lux Aeterna, do homônimo filme de Aronofsky, um compilado de vídeos, ora trazendo elementos de cultos cristãos, ora diferentes momentos da internet que pareciam evocar questões sobre comportamento, performance de gênero e, sem sombra de dúvidas, muita dúvida, deu espaço para a musicalidade sacrílega que aborda temas como a sexualidade e os dogmas que a suprimem (a religião). As freiras adotam o hábito para profaná-lo e recitar palavras de liberdade em forma de sensualidade e afronta às tradições cristãs, de uma forma a estimular a volúpia e a abraçar o lado dos desejos em sua totalidade e honestidade, parando até mesmo trabalhadores do evento, do time da limpeza, para sacarem seus celulares e registrarem o que estava acontecendo.

A banda, que fez sua estreia nos solos brasileiros no último ano no Odin’s Krieger Fest e que já havia gerado um clamor suficiente para a demanda de um show solo no dia seguinte, parece fazer da América Latina sua segunda casa (seja lá qual for sua primeira, e reza a lenda que, para algumas, até seja…). Mas fato é que o conceito poderia ser apenas forçado, não fosse a qualidade musical e de presença de palco que realmente prende a atenção e não necessariamente por um elemento de apelo sexual, but pelo carisma e trabalho de palco, onde, neste quesito, não tem como não dar destaque para Nixe, uma versão feminina de Trujillo, in sic., ao famoso crítico musical e colega da página, Daniel Agapito.

Trazendo alguns dos mesmos elementos de sua performance de estreia no Brasil aos palcos do festival, essa recente banda, que teve seu álbum de estreia em 2023, performou seus dois novos singles, Banned e o cover que fez com que muitos não fãs da banda cantassem junto (mesmo que em murmúrios para esconder a fragilidade da pose de headbanger), Like a Prayer.

Uma pena, no entanto, que, apesar de toda entrega, houveram alguns poucos contratempos, como uma aparente desequalização do som em comparação ao palco Ice, onde o retorno da bateria se manteve extremamente alto para a metade do fronte, assim como alguns momentos onde o coro do backing vocal pelo sistema de PA ofuscava a bela voz de Lilith, que mostrava uma grande desenvoltura. As próprias Abrahel (bateria) e Lamia (guitarra), que também já tomaram parte nos backing vocals em alguns momentos em outros shows, não o fizeram nesse, assim a a participação de Dark Messiah, figura misteriosa, autor, produtor e supostamente dono dos direitos da banda, que faz sua aparição em Make Us Proud e que não esteve presente.

Ainda que com esses elementos, não aparentam ser suficientes para não causar um impacto positivo do público como um todo, mantendo a sequência do hard n’ heavy do dia e consolidando ainda mais as “primas do Ghost” para o mercado brasileiro e possivelmente convertendo mais alguns pecadores para seu culto, para além dos olhares predatórios, fazendo de seu templo interno um poço de luxúria e, através de sua vista, mercadorias.

Review por: Pedro Delgado
Fotos: Sidney Oss Emer

 

ICE STAGE: Armored Saint | Heavy Metal | Estados Unidos

Um homem do povo

Com o sol dando espaço para o frescor do fim do dia e dos desejos reprimidos, quem achava que o frio tomaria conta se enganava, pois, no mesmo intervalo de 10 minutos, o bloco de pessoas que, naquele ponto, já havia crescido se movimentava da direita (palco Hot) para a esquerda (Ice), onde se deixou de lado a parte hard, para nos concentrarmos puramente no heavy metal tradicional com a chegada da lendária Armored Saint.

Acumulando mais de 40 anos de história, essa banda, que quase conserva todos seus membros fundadores, chegou para acelerar tudo e fazer muito marmanjo se emocionar e bater cabeça. Trazendo somente o melhor que seu acervo reserva, o grupo entregou 220% de intensidade, com aquele heavy metal com algumas notas de punk e thrash aqui e acolá. Não tem como deixar de fora o destaque, de começo ao fim, para o frontman, John Bush.

Uma vez cotado pelo Metallica para assumir seus vocais, a desejo do próprio Hetfield (e rejeitado pelo mesmo), um senhor carequinha de branco, no auge dos seus 61 anos, deu simplesmente uma lição no que tange a espírito e entrega. Indo de um lado para o outro do palco, saltando, correndo e fazendo algo que pouco se vê hoje em dia, até mesmo no meio do metal: o homem simplesmente desceu do palco, subiu no gradeado para cantar Can U Deliver com o público e, se engana quem pensar que ele se contentou “só com isso”. Não, John Bush pulou a grade, cantou com a galera do Lounge, pulou a outra grade e se juntou à galera da pista geral, provando não só ser um homem “do povo”, mas também mostrando que a pergunta de se era possível “entregar” (tradução literal da música) era, na realidade, para os próprios fãs. Um fim perfeito de execução que, somado à saideira, Reign of Fire, mostrou que, se o nome do dia era Warm Up, o que estaria pela frente seria o puro caos.

Review por: Pedro Delgado
Fotos: Sidney Oss Emer

 

HOT STAGE: Pretty Maids | Heavy Metal | Dinamarca

Tradição e legado

Ainda dentro deste universo de músicos com mais de 40 anos de estrada, chegava a estreia de uma banda em solo brasileiro que, apesar de já ter visto seu frontman por estas terras, nunca o tinha visto em seu próprio projeto. Com isso, falo sobre o Pretty Maids, banda com Ronnie Atkins nos vocais, liderada também pelo seu fundador, Ken Hammer (guitarra), que traz os bons elementos do heavy metal com aquela pitada de hard e até alguns elementos do que se poderia considerar um proto-power.

Com uma performance digna do palco Hot (e um som extremamente mais equilibrado), o que tivemos foi uma bela exibição de um show que pode até não começar com aquele “bang!” que te pega de imediato, mas como aquele que vai te ganhando conforme cresce, incorpora e traz toda a melodia e potência de uma voz que inspirou grande parcela dos músicos de agudinho que amamos, como Tobias Sammet, Hansi Kürsch e Michael Kiske.

E, neste show, não foi apenas Atkins que roubou a cena, com Allan Tschicaja na bateria, demonstrando uma precisão e força absurdas, assim como as intercaladas de Chris Laney entre a guitarra e os teclados, a pose do figurino de René Shades no baixo e o charme de Ken Hammer, que refletia na chamativa cor vermelha de sua guitarra.

Um show que talvez não tenha conquistado a todos e que pode não ter necessariamente elevado ou mantido a energia impregnada pelo Armored Saint, mas longe de uma performance ruim, que provou também que Ronnie Atkins é muito mais do que suas participações no palco do Avantasia.

Review por: Pedro Delgado
Fotos: Sidney Oss Emer

 

ICE STAGE: Doro | Heavy Metal | Alemanha

É Bill, é do Brasil

Já se encaminhando para o fim, ou ao menos o encerramento do dia do palco Ice, era a chegada de mais uma lenda dos palcos, dos corações e do carisma, a própria rainha do metal, Doro Pesch, que, desde o fim dos anos 80, chama a atenção, desde sua presença no Warlock, para o que passou a ser sua carreira solo, propagando a mensagem do heavy metal tradicional.

Como já dito, com uma predominância de músicas desta época dourada, o show dessa mulher que não mais precisa provar seu amor pelo Brasil é um daqueles atemporais, o que refletia justamente na artista como a única, até o momento, a ter seu nome em coro clamado pelo Memorial da América Latina. Com aquele poço de simpatia infinito, a loirinha do headbang fazia todos levantarem os horns constantemente e, quando isso não era o bastante, nosso próprio Bill Hudson, brasileiro e guitarrista de turnê da cantora, esbravejava ao microfone, incentivando a todos, servindo como um perfeito equilíbrio entre força e delicadeza no palco.

Com aquele backdrop digno dos anos 80, o metal tradicional ganhava força e coro em títulos como I Rule the Ruins, Burning the Witches, Für Immer e até mais “novas”, como Raise Your Fist in the Air. E, falando por novas, tivemos uma mais recente, de 2023, Fire in the Sky, que teve como co-compositor nosso Bill, a quem a rainha mostrava contínuo carinho e apreço, quase como se o mesmo fosse um reflexo do Brasil, na medida em que esta arriscava um português com algumas frases como “Vocês estão se divertindo?”, “Amo vocês” e “Estou muito feliz de vê-los novamente”.

Para incendiar ainda mais sua performance, tivemos ainda seu cover de Breaking the Law, onde nem precisa ser dito nada sobre o público indo à loucura neste momento e, isto é claro, antes de fechar a noite com chave de ouro com seu coro hipnótico de All We Are, a música que todos aguardam para fazer aquele coro de arena incessante, provando aquilo que não precisa ser mais provado: já passou da hora de alguém entregar um CPF para esta mulher.

Review por: Pedro Delgado
Fotos: Sidney Oss Emer

 

HOT STAGE: Glenn Hughes | Hard’n Soul | Inglaterra

O início de uma despedida

Fechando com chave de ouro o dia de aquecimento do BOA, subiu ao palco Hot nada menos que Glenn Hughes, baixista e vocalista que dispensa comentários, para um show que foi uma mistura def aula, com mudança de passo e um vislumbre de um universo etéreo e cósmico. Até se poderia argumentar que a presença do músico do Deep Purple fora pouca, mas é simplesmente inegável a contribuição do mesmo, principalmente em uma fase marcada pela gênese de álbuns como Burn, Stormbringer e Come Taste the Band, títulos que exalam a essência do funk, do soul e do groove presentes na performance do músico, que inicia neste ano sua turnê de despedida dos palcos.

Um show de 1h20 de apenas 8 músicas e que pareceram uma viagem milenar. Esta foi a sensação de se permitir ir nas cordas vocais (e do baixo) deste senhor de 73 anos, que te faz duvidar se realmente é ele cantando, ou se fora substituído por algum tipo de máquina, dada a qualidade assombrosa de sua voz e potência vocal capaz de eriçar até o último fio de cabelo. Aquele tipo de show sem muito enfeite, sem muito movimento de palco e que, para um público pautado em performance, experiências e interações constantes, pode soar como descolado ou distante, mas que, por alguma razão, tem a capacidade de te puxar e levar para uma experiência transcendental.

Sem sombra de dúvidas, o melhor em termos de som, que estava simplesmente no ponto. Com certeza, um show que possivelmente dividiu opiniões, dado o distanciamento com o gênero do metal em si, mas inegável sua relevância e influência para a existência do próprio. Um show que marca o início de uma despedida, mas que já tem data de retorno, com a apresentação do músico em show solo marcada para novembro pelo Brasil.

Review por: Pedro Delgado
Fotos: Sidney Oss Emer

 

Com isso, chegava ao fim o aquecimento para o início do BOA, trazendo tanto novos nomes como nomes mais experientes, mas que, de um modo geral, flertavam com o tradicional. Na medida do tempo e ritmo, realmente o evento pareceu como um aperitivo ou um teste para entender a dinâmica, a estrutura e a parte operacional do evento, que haveria de ter seu teste de estresse mais profundo nos dias seguintes.

Em termos das ativações, espaços, fluxos e serviços, o festival aparentou conservar tudo aquilo que havia dado certo nas edições de seu predecessor, tentando melhorar e inovação onde já sabia ser necessário e testando coisas novas sem medo de errar (como o caso do próprio Warm-up), mas ainda seria cedo para dar um veredito final ao que se iniciava como a estreia do Bangers Open Air.

Gostaríamos de fazer um agradecimento especial à Carolina Angeli, que foi ponto focal e fundamental para credenciamento d’O SubSolo neste grandioso evento.

Confira o que rolou no sábado, clicando aqui.
Confira o que rolou no domingo, clicando aqui.