O domingo do último dia 23 de março foi um de constantes chuvas pela tarde paulista, trazendo aquele cinza melancólico que combinaria perfeitamente com uma noite sinfônica que aconteceria na Jai Club com os noruegueses do Sirenia.
Liderados por Morten Veland, multi-instrumentalista e cabeça da banda, a criou após sua saída do Tristania, mantendo a essência ao gênero, mas com seu toque pessoal e integral, sendo ele o responsável por todas as linhas de guitarra, baixo e teclados e a composição no geral, com baterias programadas na maior parte dos álbuns. Com diversas trocas de membros ao longo dos anos, uma das coisas que sempre chamou a atenção no Sirenia era também a troca de vocalistas, passando por diversas vozes, mas sempre femininas, onde desde 2016 se teve a chegada de Emmanuelle Zoldan, uma soprano francesa que já havia feito parte de alguns dos coros da banda, assumindo os vocais oficiais a partir de Dim Days of Dolor.
Uma tradicional e reconhecida banda do Metal Sinfônico, a passagem do Sirenia pela América Latina veio ainda após um hiato de 14 anos das terras do verde e amarelo e como parte da promoção do último álbum da banda, lançado em 2023, 1977. Os shows, que chegaram a sofrer ainda com incertezas sobre sua realização devido a problemas envolvendo outras produtoras, foram absorvidos pela Vênus Concerts, que conseguiu readaptar a agenda, fechando com cinco datas entre Limeira, São Paulo, Santo André, Fortaleza e Rio de Janeiro.

Falando ainda sobre a chuva, a mesma fora responsável por diversos atrasos na noite de domingo, inclusive a abertura dos portões, mas que acabara por não afetar diretamente o decorrer dos horários programados para a noite. Inicialmente, tivemos a abertura feita pela BrightStorm, banda de sinfônico de São José dos Campos, que cativou o público com seu carisma.
Ainda que sofrendo algumas dificuldades técnicas nas primeiras músicas, a banda formada por Naimi Stephanie (vocal), Fábio Matos (guitarra), Leandro Kbz (baixo) e Batera Mineiro (bateria) não se deixou abalar, buscando ativar o público a todo momento entre palmas, “hey, hey, hey’s” e, é claro, uma música envolvente e constante que permitiu o brilhar de cada instrumento.
O grande destaque da apresentação ficou por Leandro, engajando com o público a todo momento, entre o valsear com seu corpo de um lado para o outro, socos no ar e gritos; o público parecia cada vez mais se entregar e curtir a banda, principalmente após um problema com o retorno de Naimi se resolver e ela conseguir se entregar ainda mais em cada música, com momentos de destaque atingindo tons mais agudos. Vale reforçar o quanto a banda já continha diversos fãs devotos na plateia, que serviu como grande ajuda para também converter alguns dos presentes. A apresentação, infelizmente, teve seu fim dentro do horário original, o que, devido ao início tardio, resultou em algumas músicas a menos, mas que deu um bom gosto de uma banda que vem há mais de 10 anos de maneira independente levantando a bandeira do sinfônico pelo Brasil.

E poucos minutos passados do horário inicial marcado, entravam Morten Veland (guitarra/voz de apoio), Emmanuelle Zoldan (vocal), Nils Courbaron (guitarra) e Michael Brush (bateria). Já aqui se vale a percepção da escolha enxuta do Sirenia em suas tours, não tendo a presença de um tecladista ou baixista, estes ficando a cargo dos backing tracks, junto aos coros, mas que de um modo geral não diminui a vida dada pelos músicos no palco, gerando uma grande performance.
Ainda que com um foco maior em seu mais recente álbum, 1977, o setlist preparado para a banda contou com títulos de todas as eras, servindo como um prato cheio para os fãs mais assíduos, onde já tivemos um bom faro disso na trinca inicial que contou com Addiction No. 1, Dim Days of Dolor e Into the Night.
Desde o seu início, a figura de Emmanuelle se destacou como, através de suas expressões, sorrisos e movimento de palco que, tal qual o nome da banda, parecia evocar as sereias que hipnotizaram os marinheiros. A cantora, com seus olhos bem expressivos, corria-os pelo público, sempre buscando um contato visual e se fazendo presente, mandando beijos e dando tchauzinhos a praticamente todos que buscassem uma interação com a música. Vale destaque ainda em Into the Night, que, contendo uma rápida passagem em francês, sua linguagem materna, trazia um peso dramático e hipnotizante que sob sua voz ia além, possivelmente um dos pontos altos de toda a noite.

Nesse sentido e a acompanhando, Nils igualmente elevava sua guitarra para o público e, entre gritos (quando não os de backing vocal), evocava toda a energia que levava o público a jogarem os chifres no ar e fazer o bom e velho bate-cabeça. Até mesmo Morten, com seu estilo e personalidade mais introvertidas, fazia tal contato, entre fistbumps e brindes com a sua latinha de cerveja. Apenas Michael, neste sentido, que, totalmente concentrado em sua tarefa, mais parecia até a tal da bateria programada, tamanha a precisão e batidas sequenciais as quais ficavam ao seu encargo.
Deadlight, The Last Call e Lost in Life vieram na sequência, mostrando a versatilidade não apenas do set, mas de Emmanuelle, que absorvia com perfeição as diferentes eras do Sirenia, mostrando o belo encaixe de sua voz e talvez o porquê de se estar consolidando como a vocalista de maior tempo de casa até o momento. E, falando nela, nessa altura ela acabou passando por uma situação um tanto quanto inusitada, com o ventilador de apoio dos músicos sendo forte o bastante para continuamente levantar sua saia, que por sorte contava com uma peça de proteção; fato este que inicialmente gerou um mix de susto com constrangimento aparente pela cantora, mas que ao longo do show se tornou um alívio cômico e um motivo de risada que, rapidamente naturalizado, deixou de ser uma questão tanto para ela quanto para os presentes, que estavam mais interessados em cantar a plenos pulmões as músicas que, assim que anunciadas, eram gritadas por todos em comemoração.

Com o tempo, as pausas entre músicas serviram também para pequenas falas por Morten em um tímido português, como “Boa noite”, “Obrigado” e um surpreendente “Vamos lá, paulistas”. Apesar de seu jeitão mais “na dele”, Morten sempre sorria conforme o público o ovacionava e também “vestia” seu “eu” mais performer quando o assunto era o gogó, em músicas como Meridian, que destacam os guturais e vozes mais fortes do músico em perfeito contraste às de Emmanuelle. Mas talvez uma das gratas surpresas da noite tenha vindo na forma do cover de Voyage Voyage, música do Desireless que, novamente na voz de Emmanuelle em sua língua materna, transportou o pequeno Jai Club às ruas francesas da década de 80, transformando o show em uma perfeita festa.
Na sequência, ainda para espantar o clima descontraído e leve, chegava Sister Nightfall, trazendo mais peso e o equilíbrio vocal entre Emmanuelle e Morten que realçam e dão vida ao elemento mais gótico presente na sonoridade do Sirenia.

A vocalista ainda tentou fazer uma brincadeira antes de anunciar Wintry Heart, ao dizer ser a “última música”, que na realidade se referiria à clássica saída pré-encore, mas, por receio, acabou voltando atrás e dizendo ainda ter algumas músicas a serem trazidas ao público, resultando em uma risada coletiva por parte da banda diante da pequena “gafe”.
Mostrando que não estavam para brincadeira, o quarteto retornou com a sequência de My Mind’s Eye, The Other Side e The Path to Decay, “apenas” as três principais músicas do repertório da banda, reconhecidas e aclamadas pelos fãs de todos os tempos. Este certamente sendo o derradeiro momento em que as câmeras eram postas no ar, os gritos lá no alto e até mesmo alguns olhos marejados celebravam mais uma passagem da banda que, ao som de Seven Sirens and a Silver Tear pelo PA, se despediram do palco (não antes de um “Obrigado amigos brasileiros, vocês são fodas” em perfeito português de Morten) em puro agradecimento aos ávidos fãs, que puderam contemplar mais um ótimo show, bem executado e completo da banda que tem tudo para realizar outro retorno aos palcos brasileiros em um futuro não tão distante.

SETLIST SIRENIA
Addiction No. 1
Dim Days of Dolor
Into the Night
Deadlight
The Last Call
Lost in Life
In Styx Embrace
This Curse of Mine
A Thousand Scars
Nomadic
Meridian
Voyage, voyage (Desireless cover)
Sister Nightfall
Wintry Heart
Encore:
My Mind’s Eye
The Other Side
The Path to Decay
Seven Sirens and a Silver Tear (pelo sistema de PA)