
Desde que a turnê “Living The Dream Together” de Tarja Turunen fora anunciada, a animação e empolgação dos fãs se tornou estratosférica, e não apenas pela possibilidade de assistir a uma das mais queridas e carismáticas vozes do metal, mas pelo gatilho nostálgico que esta acompanhava, pela adição de ninguém menos que Marko Hietala para colaborar com Tarja junto aos palcos após quase duas décadas desde a formação desta dupla que, apesar de pouco em tempo, sendo somente quatro anos desde a entrada de Marko e a saída de Tarja, já fora o suficiente para imprimir centenas de memórias na geração MTV através de grandes clássicos como Nemo e Wish I Had An Angel.
A turnê fora um completo sucesso, passando por diversos países e continentes, incluindo nove cidades que tiveram o prazer de vivenciar essa oportunidade, com exceção de três cidades afetadas após o repentino adoecimento de ambos os músicos devido a uma virose: Porto Alegre, onde Marko tocou apenas uma música de seu set acústico que antecedia a apresentação de Tarja (e suas participações), e um setlist mais enxuto no show de Tarja, que também começava a apresentar o início dos sintomas. Posteriormente, tanto Curitiba quanto Belo Horizonte tiveram seus shows cancelados e remanejados devido à doença, onde Curitiba ainda contou com a presença dos músicos, que fizeram questão de cumprimentar e dar a notícia diretamente aos fãs, ainda que visivelmente doentes e de coração partido.
A tristeza e frustração rapidamente deram lugar à espera, quando tão prontamente fora anunciada uma segunda leva de shows para 2025, com as cidades afetadas em rota e a adição novamente de São Paulo, com um bônus de uma orquestra para acompanhar a apresentação e a gravação de um DVD ao vivo. Juntamente às quatro apresentações, o grupo contou ainda com a banda Madzilla LV, banda equatoriana, hoje residente dos EUA, para a abertura.
Aquecimento com sangue latino
Abrindo os trabalhos em uma noite lotada no Tokio Marine Hall, com uma fila que dobrava a esquina, o Madzilla LV, banda que curiosamente mescla elementos do thrash metal com o melódico, fez sua segunda aparição por nossas terras, tendo sido a primeira em 2023, quando, na época, fez a abertura para os shows do Saxon.
Trazendo muita energia e um arranjo de palco de dar inveja, com direito a um backdrop cheio de animações e vídeos e duas bandeirolas com um “mini-Godzilla” mastigando um dedo, a banda rapidamente prendeu a atenção de boa parcela do público, não apenas por seus elementos visuais, mas pelo som rápido e sem tempo para conversa, como na inaugural A Deadly Threat, ligeiramente afetada no início, onde os guturais de Daniel Gortaire (baixo) estavam, assim como o nome de seu instrumento, mas sendo rapidamente ajustado até próximos do fim da música, onde dali em diante pudemos ter um melhor gosto do poder de seus canos vocais.

Em contraposição ao mesmo, os vocais limpos do vocalista, guitarrista e líder da banda, David Cabezas, perdiam apenas para suas caras e bocas e grande carisma apresentado do começo ao fim, fosse na apresentação das músicas, no pedido de energia ou no convite para o público os conhecer e ir tirar uma foto depois do show no estande de merch, onde tudo isso foi praticamente proferido em um belíssimo português que imediatamente converteu fãs por essa atenção e proximidade. Mas tudo isso envelopado também em muito groove e batidas que, por sinal, nos comandos do bumbo por Luis Zevallos e todo seu tamanho, dava quase dó da bateria conforme esta recebia a enxurrada de batidas frenéticas do mesmo ao longo do setlist.
E apesar de não ser a primeira vez da banda no Brasil, era para a nova guitarrista Sarah Dugdale, que, diferentemente de seus companheiros, se ateve a uma imersão no próprio instrumento, com esporádicos contatos com o público. Mas, certamente, o que não se teve de interação (e talvez até por uma questão de nervosismo), se teve em intensidade de riffs e solos muito bem coordenadas com as de David, como em Vengence, que rapidamente deu aquele gostinho de thrash metal mais tradicional, onde talvez o único erro tenha sido em pedir um moshpit para um público que muito atipicamente estaria acostumado para tal.

De frenético ao melódico e mais calmo em momentos como com Warfare Within, a banda conseguiu facilmente não apenas mostrar a versatilidade da proposta de sua sonoridade (que, se diga de passagem, em alguns momentos no som de estúdio parece até flertar com um veio mais progressivo), como também ganhar a confiança da plateia que, ao final, estava levando os horns para o ar, gritando pela banda e curtindo, ficando até mesmo tristes com o anúncio do fim da apresentação, que apesar de curta (cerca de 30 minutos), fora positivamente marcante para os presentes, principalmente para aqueles que vibraram ao convite de David para uma cerveja pós-show.
Momento de susto
Até aqui, tudo em ordem, e apesar da destoante sonoridade anterior, o público parecia empolgado para a próxima performance, contando com o show acústico de Marko Hietala junto a Tuomas Wäinölä, onde tipicamente tocam algumas músicas do projeto solo de Hietala e covers de Nightwish, Sabbath e Dio.
No entanto, conforme o tempo de espera se transcorria, de repente um anúncio abruptamente surgiu nas telonas, sumindo na sequência e posteriormente sendo melhor posicionado, juntamente a um anúncio feito por um membro da produção, que trouxe uma notícia terrível:
“Atenção!!! Devido ao cancelamento do set acústico de Marko Hietala, por conta de um problema de saúde inesperado no dia de hoje, as pessoas que vieram apenas para assistir à apresentação do artista e desejarem solicitar a devolução do ingresso devem procurar a portaria da casa até às 22h. Após esse horário, não será mais possível realizar o reembolso, pois daremos início ao show da Tarja Turunen.”

Somado às explicações de que o mesmo se encontrava recebendo atendimento médico no camarim, apreensão tomou o ar, não somente pela tristeza do cancelamento do acústico, como pela incerteza de que o mesmo iria se encontrar bem o bastante para suas participações juntamente a Tarja, marcadas para poucos minutos dali. Acima disso, ficava ainda a preocupação das pessoas pela própria saúde do músico e da situação como um todo, já que estávamos em uma exclusiva posição de uma apresentação com orquestra e gravação de DVD. Um infortúnio que trazia inúmeras questões para a apresentação da noite.
Ao longo da espera, fora repassada mais uma vez a mesma notícia sem uma atualização certeira, mantendo o público em um misto de emoções, mas ainda assim positivos, pela possibilidade de ver o músico e sua participação icônica.
Um pesadelo que deu lugar a um sonho
Após certo tempo e um leve atraso (possivelmente diretamente ligado à situação de Marko, onde cada minuto poderia fazer a diferença), nunca uma entrada e uma música pareceram ser tão assertivas em tema como Eye of the Storm. Mas longe de ser uma música que trouxe ainda mais tensão, esta pareceu libertar todos os presentes da ansiedade, por toda a intensidade musical potencializada pela bela orquestra ao fundo e a presença magnética desta diva do metal nos palcos.
Logo de cara, é nítido o impacto tanto visual quanto sonoro de uma orquestra dentro de um contexto de metal sinfônico, sendo uma daquelas raras oportunidades que mostram a verdadeira beleza de arranjos do clássico com o moderno e o quão plural e transcendental o metal pode ser.

Com uma sequência que diferiu muito do setlist no ano anterior, os presentes puderam saborear uma leva de músicas diferentes que percorreram os mais diversos álbuns da carreira solo de Tarja. Mas engana-se quem ache que os holofotes ficaram recaídos apenas sob seu rosto. Ainda que com muita “neblina” produzida pelo gelo seco, como não admirar os irmãos Barret, Júlian (guitarra) e Peter (baixo), este último dando uma verdadeira aula de energia e movimento de palco, indo de um lado para o outro e além, nas extremidades do palco, inclusive saudando a área PCD, assim como a própria Tarja, que se fazia presente ao longo do show, mandando corações, beijos e tudo sem perder sua intensa nota soprano.
O primeiro “ato”, por assim dizer, foi finalizado com a sequência de Demons in You e Victim of a Ritual, duas favoritas dos fãs que se repetiram em relação ao último set, mas que estavam longe de ser um problema, tamanho o ovacionar e grito da plateia que, quando não cantando as letras ou melodias, intercalava com um “Tarja eu te amo”. Aqui, fica ainda a menção aos riffs rápidos e cheios de melodia de Alex Schlopp, colaborador mais antigo da cantora em sua banda e performances ao vivo, cheio de paixão e com inúmeras interações com o público, quase que como observando os rostos de alegria a cada riff e refrão.
Um desejo noturno, com uma pegada de ovelha
Até aqui, importante reforçar o quanto que a toda oportunidade, e desde o início, Tarja presenteou os fãs com as mais doces palavras em um português, ora com uma ótima dicção, ora com seu sotaque bem carregado, mas sempre com muita intenção e carinho nas palavras. Mas até então, sem pronunciar nada sobre a situação do companheiro e dupla. Foi quando, aos poucos, banquinhos foram puxados para o centro do palco, levantando a bandeira de que aquele poderia ser o momento.
Mas, contrário ao que se pensou, e de certa forma ainda mais interessante, foi Tarja fazendo o anúncio e convidando ao palco outro grande amigo e conhecido dos brasileiros: Kiko Loureiro. Este, amplamente ovacionado pelo público, se juntou à cantora para juntos performarem uma das maiores demonstrações de respeito e afeto que se poderia ter ao público, em um cover da eterna Rita Lee com Ovelha Negra. Um momento, se diga de passagem, icônico ao se pensar que estamos em plenos 50 anos de comemoração dos Tutti Frutti e da ainda ferida aberta pela passagem deste ícone do rock nacional, materializado na voz de Tarja, que sim, não é a perfeição gramatical que você espera, mas simplesmente se torna um momento de tirar o fôlego, por toda a simbologia presente.

Kiko ainda finalizou sua participação, relembrando de seu vindouro show no mesmo espaço para o dia 07/06 em São Paulo, junto ao lendário convidado Marty Friedman, para juntos celebrarem o lançamento de seu último álbum de estúdio: Theory of Mind.
Conforme o coração se aquecia e aquele momento era registrado pelos olhos, câmeras celulares e drones, rapidamente a composição central se manteve, adicionando mais cadeiras à medida que Peter, Julian e Alex se juntavam a Tarja, mas ficando uma cadeira vacante. E foi nessa hora que, sem nem precisar falar muito, todos entenderam quem estava por vir. Saindo pelas cortinas, um visivelmente abatido finlandês loiro, curiosamente de calçados (quem já viu Marko Hietala antes sabe sobre sua preferência por performances descalças, o que talvez reforçasse ainda mais o quão sério era seu estado), mas ainda assim com um sorriso no rosto.
E então o véu da noite desceu pelo espaço do Tokio Marine, junto à suavidade do teclado de Guillermo de Medio, onde tivemos um rápido medley de The Crying Moon, Feel For You e Eagle Eye. Os gritos do público em nome de Tarja e Marko pareciam cada vez mais revigorar ambos, que cresciam em voz e tamanho, dando sequência com Higher Than Hope, a já adorada Left on Mars (música de Marko em parceria com Tarja), onde este ainda tirou proveito para fazer uma série de suas já falas cômicas (quase que um stand-up gratuito), com falas escatológicas e algo que indiretamente deu uma boa ideia de toda possível náusea e problemas intestinais que este possa ter passado nos bastidores. Na sequência tivemos também Silent Masquerade, uma troca justa de colaborações, antes que ambos pudessem se acomodar em pé para o frenesi de Wishmaster, um dos pontos altos da noite (mesmo que você seja uma daquelas pessoas que não consegue desouvir a versão paródia Fishmaster), tendo a rítmica perfeita executada por Fernando Scarcella, na difícil tarefa de equilibrar as potentes batidas com a sutileza pedida em cada música.

Após se despedir (com aquela promessa de retorno), Marko saiu de cena, dando lugar para Tarja, que focou muito sua fala sobre a importância dos fãs e do single seguinte em sua carreira solo e como todos a abraçaram desde então. Era com essa fala que I Walk Alone entrava, uma forte mensagem, para uma música mais forte ainda ao se pensar em uma cantora que, sim, ainda norteia a mente de muitos por seu protagonismo no Nightwish, mas que está longe de ser algo a que apenas tenha se limitado e longe de ser o único algo pelo qual é reconhecida.
Encore na madrugada
Finalizado este grande arco e já com o início da madrugada à nossa frente, o que parecia um fim, na verdade, trouxe mais um “chorinho” que estava longe de ser pouco, mas com também uma triste confirmação para os fãs. Junto à saída da banda, e antes de seu retorno, saiu para não retornar a orquestra, uma indireta confirmação de que, apesar de todo um terreno perfeito construído (Marko + orquestra + gravação de DVD = Fantasminha Camarada, né?), São Paulo ficaria mais uma vez sem a desejada Phantom of the Opera.
Reza a lenda… e aqui me adiantando para o pós-show e fofocas que não tenho como corroborar, um grande número de setlists foi entregue ao público (mais do que o normal), e dentre elas, algumas variantes em que Phantom of the Opera se encontrava. Agora, se tivemos uma mudança de última hora devido às condições excepcionais de Marko, acomodando o setlist para que este pudesse cantar (o que até pode fazer sentido), não sabemos, mas a realidade é que o fantasma não apareceu.

Abrindo o último ato com Dead Promises, outra favorita dos fãs, não trouxe participações para suas partes mais intensas, mas teve os potentes guturais de Alex no lugar, sendo muito mais do que o suficiente para o momento. Na sequência, tivemos o aguardado retorno de Hietala, um tanto quanto melhor do que sua primeira aparição, para tocar a intensa Wish I Had an Angel, talvez o momento mais emblemático da apresentação, que trouxe o Tokio Marine abaixo com os pulos e interações de um público que foi à loucura.
Fechando com outra favorita dos fãs, Until My Last Breath veio para selar um setlist gigantesco proposto por Tarja Turunen para os fãs da capital paulista que, assim como o título sugere, a cantora parece estar disposta a retornar quantas vezes forem preciso para saudar e afirmar seu amor pelo Brasil, neste que passa a ser seu quarto ano consecutivo por nossas terras e, pelo o que se entreouvia pela multidão, um show que continuaria a ser lotado, mesmo que esta resolvesse vir todo ano. E não tenha dúvidas: seria um grande espetáculo todas as vezes.

Setlist Madzilla
- A Deadly Threat
- Vengeance
- Forevermore
- Warfare Within
- Destiny’s Eyes
Setlist Tarja
- Eye of the Storm
2. In for a Kill
3. Undertaker
4. Sing for Me
5. Deliverance
6. Demons in You
7. Victim of Ritual
8. Ovelha negra (cover de Rita Lee com Kiko Loureiro)
9. The Crying Moon / Feel for You / Eagle Eye (com Marko Hietala)
10. Higher Than Hope (música do Nightwish com Marko Hietala)
11. Left on Mars (Música do Marko Hietala)
12. Slaying the Dreamer (música do Nightwish com Marko Hietala)
13. Silent Masquerade (com Marko Hietala)
14. Wishmaster (música do Nightwish com Marko Hietala)
15. I Walk Alone
16. Dead Promises
17. Wish I Had an Angel (música do Nightwish com Marko Hietala)
18. Until My Last Breath