Se existe uma pessoa responsável por essa resenha de hoje, ela se chama Clemente Nascimento. Não amigo leitor, infelizmente eu não faço parte do grupo de amizades deste grande ícone do Punk nacional, mas fora através de O Barulho dos Inocentes, disco de covers lançando pela banda em 2001, que tive meu primeiro contato com a obra dos Zumbis do Espaço, com a grudenta Nos Braços da Vampira.

Confesso que em uma primeira passada de olho, sabe-se lá por qual trôpego motivo seja, o nome Zumbis dos Espaço me remetera a algo no estilo de Os Mutantes. E qual não fora a minha surpresa, ao me deparar com um grupo que estava à quilômetros de distância de Rita Lee e Arnaldo Batista e muito mais próximo de Glenn Danzing e os Misfits.

A partir de então comecei a conhecer os trabalhos do grupo(logo me tornando fã), que com o disco de hoje, soma dez álbuns de estúdio lançados. Atualmente, a banda conta com Tor Tauil nos vocais, Rafael Romanelli “Manialcool” nas guitarras, Gargoyle no baixo e Guilherme Martin na bateria.

E foi ao me deparar com o primeiro videoclipe e single do trabalho que acidentalmente descobri que os Zumbis já haviam lançado um novo trabalho. Então sem mais delongas, vamos adentrar mais uma vez ao abominável mundo monstro do Punk Horror brasileiro.

Surf Sangrento é uma rápida e divertida introdução, hora meio Surf Rock, outrora remetendo a clássica Ghost Riders in The Sky do saudoso Jhonny Cash, porém, na versão do Spiderbait para o filme Motoqueiro Fantasma (2007).

Na sequência temos a enérgica faixa título, com um cativante coro que além de dar um início propriamente dito ao álbum de forma magistral, funcionaria muito bem como música de abertura para os shows da turnê de divulgação do trabalho. Já a letra da canção, trata da dualidade entre a civilidade e a brutalidade animal que vivem em eterno conflito no interior de cada um de nós…

Sem deixar o clima esfriar, Aos Vivos Fica a Maldição, é tão divertida quanto a antecessora, mostrando o lado lúgubre, porém adocicado de um apocalipse há muitos anos proferido, tanto pelas ditas sagradas escrituras, quanto por pseudoprofetas dos mais antigos como Nostradamus até os mais modernos como a famosa Mãe Diná. Destaco os geniais versos, que poderiam facilmente figurar na própria lápide deste que vos escreve: “A vida e a morte se entrelaçam em laços fortes. Por azar ou sorte, o mundo se renova e morre”.

Ir, Seguir e Destruir, tem em seus riffs “Ramônicos” e na lírica, uma espécie de ode aos icônicos vilões dos Slashers, vide Jason Vorhees, Michael Myers e Ghost Face, que mesmo entre explosões, decapitações e imolações sempre voltam para destruir os mais imbecis dos adolescentes.

Na sequência, A Dança da Vingança é a que mais remete ao estilo Horror Punk entoado pelo Misfits. Já a igualmente rapidinha Heresias Entoadas, carrega certas pitadas dos também americanos do Dropkick Murphys.

A melancolia de Taça Vazia e Arrependimento, traz uma ambientação bem final de noite em um bar qualquer, trazendo uma interessante mescla entre o Country e um brega digno de Reginaldo Rossi…

Ah Noite das Bruxas, que música!

Não quero me precipitar, mas essa é uma séria candidata a melhor faixa do trabalho. Ela mescla a pegada Punk com certa ternura funesta proporcionada pela belíssima voz de Natacha Cersósimo, vocalista da banda paulista noventista ToyShop. Outro fator curioso sobre essa incrível faixa, é que por algum motivo, ela me remeteu a certas canções do célebre desenho animado Hora de Aventura, talvez pelo clima meio “bonitinho” em algumas passagens e certo sarcasmo mórbido que também permeiam o desenho da Cartoon Network.

A Invasão (também título do primeiro disco lançado em 1997) sem sombra de dúvida, será mais uma das faixas responsáveis pelas aberturas de Moshs durante as apresentações ao vivo. Destaque aqui para a rápida passagem do baixo de Gargoyle.

Eu Quero Ver o Zumbi, traz a mensagem direta de clássicos do Zumbis do Espaço como Abominável Mundo Monstro, Eu Me Tornei um Mutante, entre outros.

Ovo da Serpente traz novamente o ar premonitório e profético, dessa vez em uma faixa puxada por um riff quase beirando a um Hardcore, que também permeia a faixa seguinte, Lamento dos Deuses.

As pitadas do Surf Rock retornam no encerramento do disco com A Canção da Loucura que Sobra, uma faixa a lá Nós Vamos Invadir a Sua Praia, Clássico absoluto do Ultraje A Rigor.

Como bônus, a banda ainda apresenta duas “versões do autor”, como nomeia, para Aos Vivos Fica a Maldição e Ir, Seguir e Destruir no bom e velho formato voz e violão.

Gravado no estúdio Hillvalley, em Porto Alegre, entre outubro e dezembro de 2023, A Fúria Selvagem, contou com a produção de Davi Pacote. Para dar vida ao trabalho, a banda se isolou junto ao produtor por uma semana, sem qualquer distração externa. Dessas sessões, o quinteto conseguira pré-produzir 30 faixas, das quais 19 foram gravadas e 13 inclusas no então vindouro trabalho.

O resultado, foi um ótimo disco com a sonoridade simples do Punk Rock e uma mixagem bastante competente, trazendo todos os elementos bem nítido em seus devidos lugares. Destaque para os vocais quase imutáveis de Tauil, que parecem imunes ao efeito do passar das décadas.

Oficialmente, o álbum fora lançado em 29 de março nas principais plataformas digitais e também em três formatos, sendo eles, CD, LP e K7.

Já a arte de capa, feita pelo parceiro de longa data Von Victor, apresenta um mar de referências às obras posteriores do grupo. Inclusive, desafio o amigo leitor que já conheça a discografia dos caras, a procurar cada detalhe escondido na imagem.

Em suma meus amigos, ouvir um trabalho dos Zumbis do Espaço é entrar em contato com aquela ingenuidade inocente, dos clássicos filmes de terror da década de 30. Você sabe que para os padrões atuais, tudo pode soar bobinho ou mesmo datado, mas se entrar em definitivo com a cabeça da época, em um tempo em que a internet e as tecnologias do cotidiano sequer eram protótipos, conseguirá facilmente comprar a ideia da obra e, o mais importante de tudo, se divertir.

O disco não chega aos 40 minutos de duração, o que por um lado pode ser um ótimo atrativo para a atual geração Tik Tok, ao mesmo tempo, em que funciona como um chamarisco para os discos anteriores, como o irmão mais novo de A Fúria Selvagem, o excelente Monstros Dominantes de 2019. Isso apenas para estartar vossa jornada pelo criativo, vasto e cativante mundo do Horror Punk de uma das bandas que segue firme, forte e incansável no cenário brasileiro!

Tracklist:
1- Surf Sangrento
2-A Fúria Selvagem
3-Aos Vivos Fica a Maldição
4- Ir, Seguir e Destruir
5- A Dança da Vingança
6- Heresias Entoadas
7- Taça Vazia e Arrependimento

8- Noite das Bruxas
9- A Invasão
10- Eu Quero Ver o Zumbi
11- Ovo da Serpente
12-O Lamento dos Deuses
13-A Loucura Que Sobra
14- Aos Vivos Fica a Maldição (versão do autor)
15- Ir, Seguir e Destruir (versão do autor)

 

Nascido no interior de São Paulo, jornalista e antigo vocalista da Sacramentia. Autor do livro O Teatro Mágico - O Tudo É Uma Coisa Só. Fanático por biografias,colecionismo e Palmeiras.