Ah O Teatro Mágico. Há quanto tempo eu esperei por esse momento. Talvez desde 2018 se minha memória não me trai…
Sim amigo leitor, eu assim como muitos, tenho uma história com essa trupe formada na cidade de Osasco, São Paulo. Sem desmerecer nenhum admirador do grupo, mas eu creio que a minha experiência com OTM foi um pouco mais íntima.
Afirmo isso, pois na época da faculdade de Jornalismo, o meu TCC (aquela tão temida e amedrontadora fase final) foi um livro reportagem/ Biografia sobre a trajetória de Fernando Anitelli e este projeto tão rico e importante na nossa tão desgostosa música contemporânea brasileira. Se o amigo leitor assim se interessar, deixarei ao final deste texto um link com o pdf de O Teatro Mágico: O Tudo Em Uma Coisa Só.
Por este trabalho, tenho um misto de carinho somado com pitadas de melancolia, e até certa tristeza. Amigos, tudo, absolutamente tudo, neste projeto foi desenvolvido apenas por quem vos escreve, desde a concepção das ideias e design da capa, até a diagramação do texto.
A alegria que menciono, é por ter na minha estante uma obra para chamar de minha (sim, na época eu imprimi cerca de 20 exemplares, com direito a papel pólen e tudo), já a melancolia e a tristeza, vem por parte do próprio pessoal do Teatro Mágico, que apesar da excelente experiência que tive ao entrevistar o incrível Fernando Anitelli em sua própria casa e tocar em um violão projetado exclusivamente para o mesmo, nunca tive um retorno de fato partido deles desde o dia em que mandei três cópias do livro para eles via correio (e sei que as receberam).
Amigos, não se enganem, eu não queria confetes, nem tão pouco, ser o biografo oficial da banda e que o livro fosse lançado, nem nada do tipo. Tudo o que eu queria era saber, os meus erros, acertos e se o meu singelo trabalho havia agradado as figuras que me inspiraram a escrevê-lo…
Após esses anos de silêncio, eu continuei a apreciar e acompanhar o trabalho do Teatro Mágico, porém sempre com aquela feridinha cutucando o lado esquerdo do peito e a sensação de que uma etapa da minha vida não tinha sido concluída.
Desabafos a parte, vamos adentrar no mais novo trabalho deste grupo tão plural, que no passado, foi capaz de recriar todo um conceito sobre o mercado fonográfico brasileiro e a livre distribuição da música (falo mais sobre isso no livro que lhe dou de presente ao final).
Escrevo essa resenha de coração aberto, para um dos poucos grupos musicais que realmente despertaram em mim a consciência de como a música pode ser mágica e lúdica.
Luzente é o primeiro álbum de estúdio da trupe em seis anos, sucedendo Allehop, trabalho que junto à Grão do Corpo (2014) foi responsável por aquela fatídica e infeliz frase que todo artista ou banda certamente ouvirão do público em determinado ponto da carreira: “Perderam a essência”.
E realmente, se você ainda está em busca de encontrar a “essência” que afirma que O Teatro Mágico perdeu, sinto lhe informar que a sua experiência com o novo trabalho será menos impactante. Agora, se você entende que a pluralidade é a verdadeira constância, ao invés da antiga pegada teatral e circense que consagrou a trupe, então se sinta à vontade.
Até mesmo porque, acredito que a mensagem do grupo neste trabalho não seja a de resgatar a própria essência, mas sim o resgate da esperança, que se encontra tão escassa nestes tempos soturnos que vivemos…
Essa minha afirmação, pode ser comprovada pela belíssima e colorida capa ilustrada por Elton Caetano sob a direção do designer Gustavo Daldegan. Nela, um pequeno barco encara a escuridão de um tempestuoso oceano. Na proa, a figura do já famigerado bufão, personagem de Anitelli, segura um lampião que emana uma luz singular e única que ilumina o breu iminente.
Abrindo o disco de forma clássica com uma nostalgia de quem acompanha a trupe desde os primórdios, Boas Vindas, traz a célebre vinheta contida nos três primeiros trabalhos e que serve também para a abertura das apresentações:
“Senhoras e Senhores, respeitável público pagão, bem-vindos ao Teatro Mágico, sinta-se à vontade”.
Em seguida somos arrebatados por Almaflor de sonoridade incrível vigorosa e contagiante. A canção foi o primeiro single de divulgação de Luzente, sendo um verdadeiro hino contra a opressão vinda de qualquer parte, ao mesmo tempo em que é um clamor pela nossa união em tempos onde o ódio, a intolerância e a mentira reinam em absoluto na nossa sociedade.
Cinza vem na sequência com uma pegada e estilo de timbres, que muito me remeteram ao álbum Dois da Legião Urbana. Uma faixa um pouco mais soturna, que contrasta bem com a sua antecessora. Carregando uma estética e beleza singulares, eu destaco a reflexiva frase do refrão:
“A cidade que pulsa em mim, também me expulsa…”.
Laço eu diria que é um Soft Reggae (se é que este termo existe), que conta com os irmãos Gustavo e Fernando Anitelli dividindo os vocais. Apesar de ter composto algumas músicas, como Esse Mundo Não Vale o Mundo, essa foi a primeira vez que o produtor d’O Teatro Mágico colocou a voz em ação em um disco da trupe. O videoclipe dessa canção é algo sensacional e muito bem produzido.
Uma letra carregada de boas reflexões e mais uma vez destaco uma excelente frase contida na composição:
“O Amor é um laço e não um nó…”.
Instalação traz a participação de Nô Stopa, integrante recorrente da trupe e parceira de Anitelli desde a época em que ambos se conheceram nos saraus que frequentavam. Nô também participa em demais faixas no decorrer da audição, fazendo backing vocals.
Neste belo dueto, temos a grandeza das pequenas coisas do cotidiano de um casal. Aquela clássica música, que com certeza, muitos pares poderão adotar para si.
Vale a pena destacar aqui também o videoclipe da canção. E Assim, fechamos a parte de músicas já lançadas como singles.
Tantas São… nos abre as portas do ineditismo com um ótimo groove de contrabaixo à cargo de Daniel Santiago que também foi responsável pelas guitarras, violões, piano e teclados do disco.
Nova Maneira, eu diria que é uma faixa gostosa e excelente para os momentos em que a preguiça bate, ou aqueles onde você quer apenas desligar a cabeça e relaxar. Ela também tem um quê de Coldplay nos tempos de A Rush Of Blood To The Head e X&Y.
Procurando a letra de Anti-Herói no Google, descobri que a canção se trata de uma regravação da banda carioca Motel 11-11. Talvez essa seja a faixa com mais pegada, uma mistura de Indie Rock com uma melancolia daquelas marchinhas antigas de carnaval. Os versos falam sobre a inebriante sensação que o eu – lírico sentiu com uma paixão, e discorre no decorrer da música que nenhuma outra sensação já existente se equiparou a esta que o está arrebatando.
“A partir de sempre toda cura pertence a nós, todas as respostas e dúvidas”. São com essas curtas e reflexivas frases que Toda Cura interliga a última faixa do disco.
Abrigo é uma linda balada que dá toda aquela sensação de apagar as luzes. Traz toda aquela sensação reconfortante que encontramos nas pessoas que amamos, sejam elas os nossos pais, amigos ou o nosso amor.
Sossêgo, Barulho, Sossêgo encerra o disco com uma poesia concreta fazendo uma boa analogia com o momento que descrevi anteriormente. O canto do grilo em uníssono no meio da escuridão da noite.
Ao final da audição, Luzente deixa uma sensação doce. E como é bom saber que ainda existem grupos como O Teatro Mágico que atingem uma parte considerável do grande público, porém sem a vulgaridade tão explicita que impera no atual pop nacional.
O trabalho é excelente para ser escutado em um domingo a tarde (não sei bem ao certo porque o disco me trouxe essa sensação dominical).
Luzente é a prova viva de como um grupo musical que exala pluralidade é capaz de produzir trabalhos tão singulares. Essa constante metamorfose é a verdadeira essência d’O Teatro Mágico.
Baixe aqui o livro O Teatro Mágico: O Tudo Em Uma Coisa Só”
Tracklist:
1-Boas Vindas
2-Almaflor
3-Cinza
4-Laço
5-Instalação
6-Tantas São…
7-Nova Maneira
8-Anti-Herói
9-Toda Cura
10-Abrigo
11-Sossêgo, Barulho, Sossêgo