A história do Sepultura está amplamente divulgada em dois ótimos livros, (um deles está ganhando uma nova edição pela editora Estética Torta), um excelente documentário e em inúmeras matérias dos tempos de MTV, encontradas facilmente no Youtube. É justamente por todo esse material disponível que hoje não esmiuçarei os primórdios da banda, nem não pouco a polêmica envolvendo a saída do icônico Max Cavalera no auge do sucesso do grupo em 1996, sendo o clássico Roots o último trabalho a contar com o vocalista.

Andreas, Paulo e Iggor se mantiveram firmes e continuaram a tocar o barco, agora com o americano Derrick Green, causando a revolta de muitos fãs até os dias de hoje, e na época, a total perca de credibilidade perante a gravadora Roadrunner, que achou a escolha da banda um tanto quanto equivocada.

 

O fato é que por motivos contratuais, o quarteto ainda precisava lançar mais alguns discos para posteriormente saírem da gravadora. E o primeiro deles foi Against (1998) que marcara a estreia de Green, e ainda carregava o experimentalismo e DNA proveniente de Roots. Nation (2001) apesar de contar com ótimas faixas como One Man Army, Uma Cura e Who Must Die, peca (na minha concepção) pelo excesso, contendo músicas que poderiam ter sido deixadas de lado.

Já no ano seguinte o Sepultura, levou uma rasteira da gravadora, que lançou o ao vivo Under a Pale Grey Sky, álbum duplo que contava o último registro da banda ao vivo com Max, em um show realizado na academia de Brixton, Inglaterra, no dia 16 de dezembro de 1996. Apesar de ser um ótimo trabalho (foi o meu primeiro cd da banda) a atitude da Roadrunner foi, no mínimo, desleal, uma vez que o grupo lutava para alavancar a carreira com um novo frontman. Vai ver tinha-se a esperança, que com esse lançamento, uma possível reconciliação fosse cogitada…

Mas isso não ocorreu e o contrato chegara ao fim. Em 2002 o EP Revolusongs foi lançado já em parceria com o selo independente alemão SPV, que hoje faz parte da Napalm Records . Este é um daqueles famosos discos de tributo que toda banda faz pelo menos uma vez na carreira. São sete faixas com versões de clássicos de bandas como Exodus, Hellhamer, mas trazendo roupagens inusitadas de Devo e U2. O trabalho foi um sucesso, e mesmo sendo lançado como edição limitada, ultrapassou a marca de mais de 15 mil cópias vendidas.

E com isso, chegamos ao tema deste texto, Roorback. Um aspecto curioso que podemos citar para iniciar a análise é a respeito da capa do álbum. Com traços bem crus, uma figura maligna, talvez uma espécie de anti divindade está em frente ao mundo, posicionando uma peça sobre a terra. Talvez uma analogia às Instituições, que manipulam a população em prol de interesses próprios e ideologias. E é justamente contra essas entidades que o Sepultura mais uma vez irá bradar, o que pode justificar o título deste nono trabalho na discografia da banda.

A arte ficou a cargo de Derek Hess, amigo de infância de Derrick Green, que admirava muito o estilo dos flyers que o artista sempre realizava para as bandas que se apresentavam em Cleveland, cidade natal de ambos. O estilo de Hess ganhou notoriedade e reconhecimento, levando-o a ser convidado para trabalhar em projetos gráficos de outras bandas, como é o caso de Come Clarity, oitavo trabalho dos suecos do In Flames.

 

Come Back Alive, traz uma introdução caótica e um refrão enérgico. Ela narra a chegada de um soldado ao campo de batalha, detalhando todo o clima tenso e frenético do conflito, enquanto ele tenta simplesmente sobreviver e voltar para casa.

Trazendo melodias mais obscuras que remetem momentaneamente aos primórdios da banda, Godless traz toda a sujeira e as manipulações advindas das instituições religiosas. Um tema eu diria, mais do que atual. Há frases aqui que sintetizam muito bem este momento: “Reputação, reputação… Um mundo tão irreligioso”. Destaque aqui para a pegada tribal característica da bateria de Iggor Cavalera.

Apes of God traz riffs que remetem a sensação de desordem e confusão. O título faz alusão ao romance de 1930 escrito pelo artista e escritor britânico Wyndham Lewis. Na história, os “macacos de Deus” são imitadores dos verdadeiros criadores, caracterizados como charlatões que imitam, zombam e praticam a figura daqueles que admiram e ao mesmo odeiam. A letra da música recusa a submissão do que consideramos regras comuns à sociedade, ideia que parece fazer coro com a obra de Lewis, retratando uma luta constante da consciência contra a subserviência do individuo perante o coletivo social.

Recentemente a faixa foi incluída no disco de quarentena SepulQuarta, contando com a participação do guitarrista Rob Cavestany do Death Angel.

De levada mórbida, a arrastada More of the Same traz a total apatia e o arrebatamento de que nossa sociedade está fadada à derrota e ao caos promovido por àqueles que deveriam gerir e proteger. O breve momento de pausa antes da entrada do refrão da faixa conseguiu me encaixar nesse sentimento de desolação proposto pela letra. Aqui também há passagens limpas mostrando a diversidade vocal de Derrick. Qualidade essa explorada em muitos outros trabalhos, mas que só seria notada por muitos anos depois com a chegada de Machine Messiah (2017).

Urge vem na sequência com mais um riff esquizofrênico (no bom sentido). As mazelas das grandes metrópoles são declamadas na letra da canção, hora de forma mais limpa e mais furiosa no refrão.

Corrupted tem uma pegada remetente aos gigantes do Nu Metal, gênero que querendo ou não, o Sepultura tem a sua parcela de contribuição. Pode parecer viagem da minha parte, mas em alguns trechos eu pude notar algumas nuances que me fizeram imaginar o próprio Corey Taylor reproduzindo. Essa faixa depois de muito tempo retornou ao repertório dos shows da banda.

Guiada pela bateria do último Cavalera até então na banda, As It Is tem uma pegada mais soturna durante os versos e um refrão que da um verdadeiro e violento soco na cara, ou melhor, em nossos ouvidos.

Mind War traz certo swing misturado ao Hardcore dessa nova fase do grupo. Um dos pontos altos do trabalho, com direito a videoclipe, que na época, era digno de bandas gringas. Em pouco mais da metade da faixa, temos outra bela e rápida passagem de vocais em uma linha mais melódica.

Leech traz a velocidade e atmosfera do punk somada ao Thrash da Bay Area. A letra é dedicada às pessoas que não fazem nada a não ser dizer besteiras e se aproveitar dos outros, como verdadeiros sanguessugas.

Outro riff poderoso abre a décima faixa de Roorback, The Rift, que me remeteu em partes, a levada de Slave New World dos tempos de Chaos A.d, porém, com uma roupagem mais moderna. Aqui temos uma visão de como a humanidade apesar de todo o progresso, sempre será fadada a autodestruição.

Bottomed Out traz a melancolia em meio à fúria, o desespero e o total isolamento de um indivíduo perante a pressão do cotidiano. O álbum se encerra com a rápida Activist, carregada de rebeldia e revolta. Algumas versões do trabalho trazem como faixa bônus o cover de Bullet The Blue Sky do U2.

Este é um daqueles trabalhos que são injustiçados no lançamento, mas que ganham força com o passar dos anos, com a chegada de novos fãs, de mentalidade mais madura para entender e conseguir digerir cada fase da banda.

Lançado no dia 27 de maio de 2003, as vendas do álbum não foram tão expressivas quanto à banda já estava habituada, mesmo tendo avaliações favoráveis perante a crítica. Mesmo assim, nas primeiras semanas de lançamento, Roorback conseguiu ranquear a décima sétima posição na categoria Independent Music Charts da revista Billboard.

Uma obra carregada de críticas políticos sociais recheada de riffs inspirados e letras bem construídas que somente uma banda com a experiência do Sepultura é capaz de produzir. Algumas versões de músicas do trabalho podem ser conferidas no excelente Live in São Paulo (2005) que está disponível na íntegra no Youtube.

Posso afirmar sem medo que Roorback foi o início da estabilidade que a nova formação ganharia a partir desse registro, mesmo tendo algumas baixas no decorrer dos anos seguintes, ainda seria de lançar bons álbums como o Dante XXI (2006) até o excelente Quadra (2020).

 

Tracklist

1) Come Back Alive
2) Godless
3) More of The Same
4) Urge
5) Corrupted
6) As it Is
7) Mind War
8) Leech
9) The Rift
10) Bottomed Out
11) Activist

 

Nascido no interior de São Paulo, jornalista e antigo vocalista da Sacramentia. Autor do livro O Teatro Mágico - O Tudo É Uma Coisa Só. Fanático por biografias,colecionismo e Palmeiras.