Estar inserido em meio à imprensa, além de poder acompanhar os milhares de grupos que se encontram há anos lutando pelo underground brasileiro, também se é possível presenciar o surgimento de outros.

E assim foi com este que vos escreve ao conhecer os sete mascarados do Ungods. Apesar de sermos de cidades praticamente vizinhas e de não conhecer sequer nenhum integrante da banda pessoalmente, me simpatizei com o grupo logo nos primeiros posts que me foram apresentados deles. A partir de então nutri certo carinho e afeto pelo trabalho que os caldenses vêm desenvolvendo, sentimento este, que pode ser muito bem resumido com uma antiga frase popular brasileira: “O santo bateu”.

Não à toa, cobri praticamente todos os passos do Ungods até o atual momento, me encarregando de apresentá-los formalmente ao público do site, vamos assim dizer, pela coluna Conheça e, posteriormente, divulguei praticamente cada single lançado, até chegarmos ao momento mais do que especial na carreira de uma banda. O lançamento tão almejado do primeiro trabalho de estúdio.

Agradeço desde já ao grupo por gentilmente me ceder o disco para audição antecipadamente. Então sem mais delongas, me acompanhe para juntos dissecarmos Undivine Tragedy, o primogênito destas mascaradas anti divindades.

O álbum se inicia com Nox Aeterna, uma misteriosa e contemplativa atmosfera advinda dos teclados de Ankou. Esta climatização é bruscamente interrompida pela enérgica From Beyond , que inicialmente até chega a carregar algumas pitadas que me remeteram ao Avenged Sevenfold, mas essa impressão é logo dissipada por uma paulada violentíssima demonstrando todo o poderio instrumental da banda.

A letra da canção parece um misto entre uma experiência de quase morte e uma viagem lisérgica psicodélica.

Na sequência temos a fantástica Veil, de início soturno, pesado, com linhas vocais declamadas por Ares, que no decorrer da audição culmina em um belíssimo e grudento refrão de pegada eletrônica, beirando quase a um trance. Neste ponto da audição, posso deduzir que a banda não temerá qualquer uso de elementos experimentais, tudo em prol do resultado final a sonoridade do Ungods. Grande faixa!

Chegamos a Hell Awaits Ourselves. O primeiro single que demonstrou todo o poderio estético e musical do grupo, agora foi rebatizado em formato de sigla, e ao que tudo indica, esta versão da música possuí algumas nuances diferentes do que foi apresentado primariamente ao público, o que em hipótese alguma é um demérito, se tratando apenas de uma lapidação natural. Dessa forma, H.A.O. continua sendo uma excelente e cativante faixa. E se fecharmos os olhos, podemos quase nos sentir no disco All Hope Is Gone do Slipknot, pois toda a pegada que exala por aqui parece ter sido altamente inspirada no quarto disco de estúdio dos mascarados de Iowa. Destaque para o belo dueto de guitarras da dupla Invictus e Hastur durante o solo.

Dead Eyes é outra conhecida do público. Apresentando elementos faraônicos, com momentos de calmaria, essa faixa é envolta em peso e à breakdowns bem encaixados à música, que fazem o pescoço do ouvinte dar aquela famigerada sacolejada inconsciente.

Nehemoth traz uma veia mais Stoner ao disco, apresentando mais um refrão contagiante e com direito a mais momentos brilhantes de solos de guitarras.

 Ymir é outro momento cinematográfico que faz com que Ankou se destaque com afinco ainda maior ao disco. A faixa funciona como mais uma ponte para que outro som familiar se aproxime dessa vez a faixa Tyrant Machine. A temática da canção é filosófica trazendo a seguinte indagação: A conquista de poder é realmente capaz de trazer conforto a aqueles que um dia o almejaram e padeciam perante a ele, ou tudo não passa de um mero efeito anestésico passageiro?

Como o próprio título anuncia, The Meaning of Hate é outra traulitada certeira no ouvinte. Com certeza essa será aquela faixa responsável pela formação de moshpits durante as apresentações da banda ao vivo. Porém, nem tudo aqui é apenas mera quebração de ossos. Há ainda espaço para momentos hipnóticos e até mesmo épicos no decorrer da música.

A concepção de Vesper tem em grande parte influência do baixista Seth que contribuiu com boa parte das ideias por trás da canção. O terceiro single do Ungods a ver a luz do dia, possui outro refrão pra lá de cativante e até mesmo motivador, bem aos moldes do Five Fingers Death Punch. Quer um “gás” extra pra correr na esteira? Essa é uma ótima pedida!

Origin é uma grande epopeia dentro do álbum. Talvez pela extensa duração da faixa e as inúmeras camadas apresentadas, todos os integrantes tem seu lugar de destaque, resultando em uma faixa de proporções épicas com direito a coral e tudo mais, tornando-se consequentemente, a minha preferida de todo o registro. Simplesmente fantástica!

Phasm é a ultima ponte que nos leva a Void, o destino final do disco e a música mais extensa de todo o trabalho. E que grande forma de encerrar um disco que pouco apresentou momentos de baixa. Essa é uma música que apresenta um peso diferente das demais, sendo talvez a que apresente um elevado nível de brutalidade se comparado com suas antecessoras.

Lançado oficialmente no dia 02 de fevereiro, Undivine Tragedy foi gravado nas imediações do Villa Studios em Poços de Caldas, Minas Gerais.  A produção e masterização do trabalho ficou a cargo de Leo Ghigiarelli, e este cara merece uma grande salva de palmas, pois conseguiu um resultado excepcional para um trabalho de estreia de um grupo independente, sabendo dosar bem as nuances individuais de cada integrante, fazendo com que todos protagonizem de forma igualitária essa grande obra, que reacende a chama do Nu Metal.

Minha única ressalva fica por conta das percussões de Loki. E gostaria que a banda, ao ler essa resenha, levasse esse ponto não como uma crítica, mas sim, como um exercício extra de criatividade para os próximos registros.

Foram poucos os momentos em que consegui de fato captar a presença de um instrumento rítmico que não fosse a bateira no decorrer da audição. Talvez, em demais audições esse fator se modifique. E por falar em bateria, a banda passou muito bem pela primeira mudança de formação (pelo menos a primeira que o público teve conhecimento), tendo o antigo baterista Azazel que mesmo sendo creditado no disco, sendo atualmente substituído pela nova entidade Asclépio.

O contrabaixo de Seth é competente e junto à bateria, constrói uma camada fortíssima para o duo incrível de guitarrista. Invictus e Hastur  tocam de forma sincronizada com perfeita harmonia, como se um soubesse exatamente o que o outro está prestes a fazer no momento  certo, do jeitinho que uma banda que possui duas guitarras deve ser.

Os vocais de Ares realmente são muito semelhantes aos do frontman do Slipknot, Corey Taylor, porém, diferente do que se possa imaginar, estamos falando de timbres parecidos ao invés de mera imitação. Obviamente que a diferença é perceptiva nos guturais, até mesmo pela diferença de idade entre ambos, mas acredito que o tempo há de maturar ainda mais os urros do cantor, que sem sombra de dúvidas, encontra-se no caminho certo.

Outro ponto bastante positivo para o Ungods é a forma como a banda trabalhou todo o marketing em cima do álbum, com direito até mesmo a artes individuais para cada faixa do disco.

Em suma, Undivine Tragedy é um trabalho que exala criatividade, um destemido experimentalismo, tornando o álbum diversificado e fazendo com que os pouco mais de 50 minutos de duração do disco, seja apenas uma pequena fração do total do tempo que o ouvinte passará ouvindo o disco. Garanto que a revisitação será quase instantânea.

Amigo leitor adentre sem medo ou preconceitos, a esta verdadeira compilação sonora de histórias sobre as mazelas humanas, que exploram a paixão, o vício, a culpa, a solidão, a revolta, o ódio, a arrogância sob a profana perspectiva destes sete humanos que um dia, ousaram querer se tornar deuses…

Tracklist
1-Nox Aeterna
2-From Beyond
3-Veil
4-Hell Awaits Ourselves
5-Dead Eyes
6-Nehemoth
7-Ymir
8-Tyrant Machine
9-The Meaning of Hate
10-Vesper
11-Origin
12-Ihasm
13-Void

Nascido no interior de São Paulo, jornalista e antigo vocalista da Sacramentia. Autor do livro O Teatro Mágico - O Tudo É Uma Coisa Só. Fanático por biografias,colecionismo e Palmeiras.