Chegamos em um dia que representou o fim de uma espera que podia ser dividida em duas partes: o fim da espera pela vinda do Converge pela primeira vez ao Brasil, ao mesmo tempo em que o fim da espera de quatro anos, desde a primeira vez que os precursores do Metalcore anunciaram sua vinda para o país, seguida de impedimentos como a pandemia e adoecimentos.
Na ativa desde 1990, os americanos de Massachusetts sempre tiveram uma sonoridade que os destacou, ao mesmo tempo dividindo opiniões, justamente pela dificuldade de se colocar a banda em uma “caixinha”. Com influências que vão do Punk ao Metal, passando pelo Hardcore e Noise, a banda se popularizou com o tempo, principalmente após o lançamento de seu álbum Jane Doe (2001), no qual cresceu dentro do cenário underground.
Os anos trouxeram maturidade e reconhecimento, assim como o desenvolvimento de outras habilidades, como é o caso de Jacob Bannon (vocal), que, para além de músico, é também responsável por diversas capas de álbuns de bandas da cena (inclusive um dos artistas responsáveis pelas artes do próprio Converge), além de produtor e diretor da gravadora Deathwish Inc., responsável pelo lançamento de diversas bandas de destaque, como Deafheaven e Code Orange. Kurt Ballou (guitarra) também é reconhecido como produtor musical, ajudando e produzindo diversos nomes da cena como High on Fire e Torche.
Apesar de um extenso currículo e muita competência, o famoso “come to Brazil” só se concretizou pela primeira vez após 29 anos de estrada, quando a banda anunciou sua turnê pela América Latina, acompanhada do também aclamado Sick of It All para março de 2020. Como para bom entendedor meia palavra basta, a banda teve de postergar seus planos de vinda devido à pandemia, ficando impossibilitada de ajustar a agenda até então, quando foi anunciado seu retorno efetivo para abril de 2024, desta vez em caráter solo, para a alegria daqueles que ainda não haviam desistido e guardaram seus ingressos pensando neste momento.
Porém, em mais um movimento para testar a fé do fã, a turnê foi adiada novamente, desta vez devido a problemas de saúde enfrentados por Kurt Ballou, que o impossibilitaram de subir aos palcos, gerando até receios se ele poderia retornar. Felizmente, à medida que ia se recuperando, uma nova data pôde ser firmada, ainda para o mesmo ano, ficando então para novembro. Foi uma situação de incertezas e tensões que afetou tanto os fãs quanto a própria banda, sem saber se organizadores, produtores, casas e fãs ainda estariam sendo compreensivos (e, claro, foram, rs).
Com o novo anúncio, tivemos também uma mudança de local, passando do Carioca Club para o Cine Joia, além da confirmação da banda de Metalcore MEE para a abertura. Sem quaisquer contratempos, desta vez o tão aguardado dia chegou, fato comemorado e comentado constantemente na fila do show, em um misto de antecipação, ansiedade e até certa descrença de que aqueles presentes finalmente presenciariam o fim de uma dupla espera.
Com a pontual abertura marcada para as 19h, as pessoas iam entrando e se espalhando pelo interior do Cine Joia, entre aqueles que se dirigiam ao estande de merch (já que, tradicionalmente, a banda é conhecida por suas artes únicas), para o bar e para um pequeno grupo que se formava no centro, mas definitivamente não para a tão famosa “grade”; afinal, o que o público mais ansiava era ver e participar da balbúrdia que tomaria conta do espaço da casa.
Iniciando às 20h, subiu ao palco o MEE, uma “recente” banda que conta com dois EPs, lançados entre 2018 e 2019, e um primeiro álbum de estúdio, lançado em 2023. Como diz o ditado: “Não se julga um livro pela capa”, a jovialidade e estética contemporânea dos músicos deu espaço para uma performance cheia de agressividade e energia que tomou a casa. No mais puro estilo de moshpits de Hardcore Dancing, víamos pessoas dando cambalhotas, estrelinhas, socos, chutes e giros, conforme nos aprofundávamos na sonoridade interessante do MEE, do Pós-Punk ao Newmetal, entre breakdowns, quebras rítmicas e vocais guturais de respeito.
Com letras abrasivas, a banda explora o reflexo de uma juventude tomada por emoções que navegam em temas como depressão, identidade, gênero, responsabilidade, expectativas e questões relacionadas ao sistema e à sociedade. Formada por Jê Landini (vocal e guitarra), Ian de Haro (vocal e baixo), Arthur Sardinha (guitarra) e João Pedro Dentello (bateria), a banda trouxe muita atitude e poucas palavras ao público, focando-se na performance, característico do estilo. Nos breves momentos de interação, mencionaram a emoção de abrir para o Converge e o quão ansiosos estavam para curtir o próximo show no meio da galera.
A intensidade da apresentação dos paulistas foi tamanha que nem uma falha na guitarra de Arthur foi impeditivo, com Jê repassando a sua guitarra para o companheiro e ficando apenas nos vocais, entregando o dobro de atitude sem que a qualidade decaísse. Era claro o apoio do público, tanto daqueles já familiarizados com a banda, como aqueles que passavam a conhecê-los e compreender a sonoridade que está sendo produzido pelas novas gerações. E com a mesma intensidade com que entravam, a banda MEE deixava o palco, prontamente desmontando seus equipamentos para dar espaço ao tão aguardado momento entre os presentes.
Com a casa cada vez mais cheia, tivemos um Cine Joia repleto das mais diferentes gerações, mas todos com o mesmo ânimo para a chegada do Converge, que entrou pontualmente às 21h30. A inquietação já começava alguns minutos antes, quando o próprio Kurt Ballou foi ao palco para se certificar de que seu equipamento estava ajustado e dar uns últimos toques.
O que dizer além de que, já no primeiro riff, nossos corpos foram empurrados para o palco pelos incessantes moshes que começaram e não pararam ao longo das aproximadamente 1h20 de performance, passando por 16 músicas da carreira da banda. Com uma presença de palco que incendiava o público, cada membro trouxe ao palco sua característica, compondo uma apresentação brutal onde o som parecia gerar uma catarse coletiva – tanto pelo aguardado momento que se concretizava quanto pelo espaço de identificação com as músicas e suas letras, que, em seu tom agressivo, exorcizavam complexos e profundos sentimentos.
A presença de palco de Jacob Bannon era simplesmente formidável; ele percorria o palco incessantemente, dando vida a suas letras e se deliciando a cada momento, com cada grito, cada stage diving e cada fã a quem entregava o microfone e via expressar toda a raiva, inconformidade e angústia em um grito. Sorrisos, sorrisos e mais sorrisos: o músico parecia irradiar alegria ao interagir de forma tão pessoal e sincera com o público, que alternava entre estar na pista e estar no palco, cantando um refrão ou soltando um gutural antes de se projetar de volta para os braços de uma plateia ávida.
A cólera era tamanha que o próprio Bannon foi atingido pelo microfone, na tentativa de um fã em devolvê-lo após seu momento de glória. O incidente pareceu afetar Bannon por um bom tempo; visivelmente irritado, ele, no entanto, manteve a performance e a conexão que criada com o público brasileiro.
E falando em fãs, como não mencionar os diversos stage divings, das mais diversas formas: entre os que se jogavam com cuidado, aos que se projetavam em cambalhotas, mergulhos, ou sem se importar com o impacto. Jovens e veteranos – que naquele momento voltavam a ser jovens – e até Lê, do MEE, que por diversas vezes pulava, chegando a também participar nos vocais, antes de, é claro, se jogar mais uma vez.
Com destaques para os guturais de Nate Newton (baixo), a complexidade musical de Ballou, e a energia de Ben Koller (bateria), que trazia ritmo e precisão à selvageria do show, foi difícil desviar os olhos do palco, mesmo enquanto este voz fala protegia a cabeça dos fãs que se lançavam do palco. Algo que proporcionalmente parecia aumentar a entrega e energia da banda, em especial um Jacob Bannon que chegava a literalmente salivar à medida que gritava com mais e mais intensidade.
Trazendo grandes hits como Dark Horse, Concubine e The Saddest Day e Deep Cuts como Heartless e Reap What You Sow, a primeira passagem do Converge pelo Brasil certamente se tornou um momento inesquecível tanto para a banda quanto para o público – um verdadeiro convergir, como o nome sugere, para um ponto único: o Cine Joia, por uma noite. Noite esta que, ao seu fim, ainda contou com Nate Newton tirando fotos e assinando itens, de vinis a capas de celular e tênis, enquanto o público parecia sair de alma lavada – para muitos, após uma espera de quatro anos desde o primeiro anúncio; para a maioria, uma fome que, por enquanto, foi enfim saciada.
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Setlist MEE
- Electric Blanket & Chicken
- Bargain
- Depression
- Dobre
- Pidgeon Standard
- Koro Syndrome
- Day of Demolition
- Weight
- Saturated
Setlist Converge
Hello There – Pelo sistema de PA (Cheap Trick song)
- Eagles Become Vultures
- Dark Horse
- Under Duress
- Heartless
- Axe to Fall
- You Fail Me
- All We Love We Leave Behind
- Predatory Glow
- Hell to Pay
- Bitter and Then Some
- Reap What You Sow
- Cutter
- Worms Will Feed/Rats Will Feast
- I Can Tell You About Pain
- Concubine
Encore:
16. The Saddest Day