Em mais uma colaboração com o pessoal do Som do Darma, na resenha de hoje apresento mais um representante do Doom Metal brasileiro, o trio Funeral Sex.

Formada em 2013 na cidade de Rio Claro, São Paulo, o grupo conta com a baixista Thaís Pancheri, o baterista Baxos Rokiaa e o guitarrista e vocalista Vladmir Matheus, conhecido por anteriormente integrar o Mordeth.

A busca por uma singularidade dentro da sonoridade, sempre fora uma constante dentro da banda. E o trabalho que apresento a seguir, é o segundo na trajetória do trio, sucedendo o EP Adoradores de Sangue (2015) e o disco de estreia Sex, Demons and Rock n Roll. Com vocês, The Gods Put The Demons On Earth.

Pode ser uma imagem de 3 pessoas, pessoas em pé, árvore e ao ar livre

Gênesis abre o disco com dedilhados bucólicos que rapidamente saem de cena para a entrada de um riff pesadíssimo de guitarra. Os vocais de Vladmir apresentam um tom mais lamurioso, como visto em bandas como o Low Levels of Serotonin, por exemplo. Esta primeira amostra já demonstra toda a versatilidade que o Funeral Sex abordará no decorrer da audição. Gênesis é o livro da Bíblia que conta praticamente o início de tudo. E aqui, a banda dá a este tomo uma versão às avessas.

The Most Demonic and Diabolical Creature of The Face of The Earth mescla a temática Doom com sutis toques de Hard e Stoner Rock, em uma faixa mais palatável para quem ainda está em primeiros contatos com essa vertente do metal. A máxima da canção, parecer ser a da célebre frase “as aparências enganam”, onde em muitas vezes, o pior dos demônios está por trás de um rosto angelical.

It’s Time to Die ainda persiste na mesma sintonia da música anterior, porém aqui vemos um tom quase lisérgico numa vibe meio bad trip. Enquanto envolto nessa “viagem”, o eu lírico da música divaga sobre o encontro com a morte, e os acontecimentos que derivarão deste insólito evento.

Agora sim a aura mais familiar do Doom Metal chega a meus ouvidos com a faixa título. The Gods Put The Demons On Earth é arrastada, densa e além de apresentar essa sonoridade mais tradicional, ainda consegue imprimir bem as características mais modernas da banda, entregando um dos pontos altos do trabalho. A temática aqui, divaga sobre um ser onipresente, testemunha do início dos tempos sempre à espreita, vivendo nos cantos mais obscuros do coração dos homens, aguardando por um único deslize para enfim abater a  vítima. Uma metáfora talvez para todos os sentimentos que nos assola nos momentos mais adversos…

The Last and The Only Flight apresenta uma agridoce atmosfera, uma vez que transita entre linhas mais melodiosas, porém sempre com um toque mais “azedinho” ao final de cada linha. Fazendo uma analogia trôpega, o conceito da canção parece fazer alusão a um pássaro preso em uma gaiola, que ao mesmo tempo em que é capaz de exalar as mais doces melodias, ainda sofre e almeja se livrar das grades que o aprisionam, em um único e derradeiro voo de liberdade.

Uma clara referência ao clássico dos anos oitenta Blade Runner – O Caçador de Androides (1982) é iminente em Like Tears In Rain. A faixa com quase dez minutos de duração, traz um misto interessante, sendo uma faixa arrastada, mas que ao mesmo tempo, soa caótica com certos tons bucólicos. A letra, como não poderia deixar de assim ser, traz trechos retirados do icônico monólogo do Android (Replicante) Roy Batty no final do longa metragem, apresentando um momento de reflexão sobre a finitude  da existência.

In Memory, apresenta riffs que facilmente poderiam ter saído da mente do lendário guitarrista Tony Iommi, em uma faixa que divaga sobre todo e fenecer que assola nosso cotidiano e a nossa total capacidade de persistir sempre nos mesmos erros. In Memory é uma ode a inocência e a nossa natureza perdida, ao mesmo tempo em que pode ser um manifesto de luto por tudo aquilo que um dia já fora benigno e belo.

Outro grande momento se avizinha com a chegada da poderosa e lamuriante atmosfera de Hell, que abrange uma visão tão perturbadora quanto a que já somos famigerados do inferno.

E chegando ao final da audição temos a cativante The Apocalypse que narra o fim demoníaco que a humanidade terá. A ironia é que este fim foi arquitetado, segundo a bíblia, pelo que é tido como o mais benevolente Deus, ao menos assim descrito no novo testamento…

Mesmo tendo chegado às plataformas e em CD pelo selo Heavy Metal Rock no ano de 2022, a trajetória deste segundo trabalho do Funeral Sex começou em 2020, quando a banda adentrou ao ATM Estúdio para gravarem as faixas ao lado do produtor Fábio Romano. Já o processo de mixagem, aconteceu no ano seguinte e contou com a participação de Ricardo Biancarelli no Estúdio Fuzza.

As fotografias que compõem todo o projeto gráfico do disco ficou a cargo de Fabrício Moraes, uma escolha muito acertada, pois a imagem da banda em meio a arvores, somadas as cores utilizadas, trazem toda a carga inerente ao Doom Metal.

Confesso que ao ter o material da banda em mãos, imaginei que o trabalho tivesse aquela boa e velha pegada de “arrastar caixão” como fazem o Jupiterian, Burial, Helllight e o Fossilization, por exemplo. Mas isso não tira o mérito de The Gods Put The Demons On Earth, que abrange um universo mais clássico do Doom Metal, parecido com a fase inicial do Black Sabbath, onde as letras são macabras, porém, o instrumental é mais pulsante e para cima.

Como mencionei alguns parágrafos atrás, o álbum é uma excelente porta de entrada para aqueles que querem desvendar novas sonoridades dentro do Heavy Metal (ainda tenho fé que existam pessoas assim no Brasil), principalmente, se entre as predileções sonoras, estiverem presentes o Indie Rock e o Stoner.

E com isso, chego ao final de sétima resenha feita neste mês de agosto, que sem sombra de dúvidas foi o período mais prolífero e pauleira desta minha caminhada como jornalista no nosso tão vasto e amado underground nacional. Conheça todas as demais bandas que eu também tive o prazer de conhecer neste mês, são elas: TratorBr, Deadliness, Uhrutau, Acacia Crown, Krisiun  e o Aetherea.

Tracklist:

1-Gênesis
2- The Most Demonic and Diabolical Creature of The Face of The Earth
3-It’s Time to Die
4-The Gods Put The Demons On Eath
5-The Last and Only Flight
6-Like Tears In Rain
7-In Memory
8-Hell
9-The Apocalypse

 

Nascido no interior de São Paulo, jornalista e antigo vocalista da Sacramentia. Autor do livro O Teatro Mágico - O Tudo É Uma Coisa Só. Fanático por biografias,colecionismo e Palmeiras.