Para ser uma matéria um tanto quanto especial para nós d’O Subsolo, já que é a milésima matéria publicada, escolhemos um tema delicado. O TEMA NÃO É VOLTADO PARA MULHERES E SIM PARA OS HOMENS. Conversamos com algumas meninas e pegamos declarações delas sobre algo que aconteceu dentro do mosh, em cima do palco, na porta da casa de shows, no facebook ou qualquer lugar que seja (todas as pessoas permitiram que seus nomes fossem mostrados). Na matéria 1.000 d’O Subsolo, só queremos falar uma coisa:

“Bom, o mais direto que já teve pra mim, foi o clássico “Mostra os peitos“. Como se isso fosse o que uma mulher tem a oferecer quando sobe no palco com um instrumento, pelo menos meu objetivo não é esse. Não vou em rodas ou moshs por questões de saude mesmo, tenho que evitar impactos e afims, porém já ouvi de meninas que vão e são bulinadas, casos isolados, mas já aconteceram.” Aline Iladi – Guitarrista no Silent Empire e Ch4rriot
“Eu, como baterista profissional, no meio onde a maioria são homens, claro que sofri preconceito. E ainda sofro. Sofro não, não me importo mais com certos comentários, mas respondo à altura, questiono. Comentários do tipo: “nossa, você toca igual homem e até melhor!” Ou algum homem que me viu tocar e no final do show me falou”, ‘quando vi que era mulher na bateria, não botei fé, mas depois que te vi tocar, calou minha boca’.” Priscila Contim – Baterista na Iron Ladies
“O pré conceito e o machismo muitas vezes existem, antes mesmo de você imaginá-lo em tais situações. Eles caminham lado a lado, porque foram enraizados e perpetuados até os dias atuais. Parece contraditório meu relato a partir dessa linha, mas particularmente sempre tive grandes parceiros e ao subir no palco sempre tive apoio antes, durante e depois dos meus shows. Trabalho com oficinas, projetos culturais, produção de eventos e minha banda rodeadas de homens e grandes amigos e parceiros profissionais que me apoiam e respeitam meu trabalho, não por eu ser mulher somente, mas pelo meu profissionalismo e seriedade em tudo que faço. Mas a vida não é um mar de rosas não é; pelos caminhos encontramos espinhos e tempos nublados que machucam e abrem feridas que nunca mais vão cicatrizar. Os preconceitos e machismos que vivi nasceram dentro de minha própria casa, o que me apunhalou o coração mais ainda, fui chamada de puta, vagabunda, maloqueira, irresponsável , drogada por apenas gostar de rock, rap e usar boné, calça larga, andar com amigos skatistas. Tive também relacionamentos que me causaram grandes desconfortos por não respeitarem meus trabalhos e parcerias masculinas, indagaram minhas roupas por serem algumas curtas, se incomodaram com meu visual por chamar a atenção das pessoas nas ruas, questionaram minha ausência muitas vezes, falta de tempo. Mas uma relação me colocou numa situação de desespero , grandes conflitos e numa condição de “prisão”. Após o show é meu dever cumprimentar os fãs, é o mínimo que eu consigo fazer para retribuir o carinho, a dedicação de cada um e cada uma para estar ali prestigiando nosso trabalho, mas meu ex namorado na época acreditava que as pessoas que iam me abraçar era pra “tirar uma casquinha” rs, “me dar mole”, que os homens me olhavam com desejo, etc… então começou a me olhar de longe, ficar chateado, desconfiar, o ciúmes foi só aumentando e tomando uma proporção á ponto de desconfiar de grandes amigos que trabalhavam comigo, a chorar e dizer que eu não o amava toda vez que ia embora pra minha casa, tentou acabar com a própria vida varias vezes e junto muita pressão psicológica que mesmo o amando disse que não o amava pra ele viver e não se matar ou até mesmo tentar contra minha própria vida. O que eu passei, nenhuma palavra, frase , texto ou depoimento que eu dê a vocês mensura a infelicidade que senti em meu coração, junto as lagrimas derramadas com a dor de minha alma. Mas me sinto vitoriosa, uma guerreira por ter superado ao longo dos anos e proporcionado ao meu ex rever sua vida e compreender longe de mim, que eu não era a vida dele, que eu não era seu sol, que eu não era seu tudo e que eu fiz uma escolha de vida e que essa escolha requer de mim doar um pouco do meu eu ás pessoas que acompanham meus caminhos, meus trabalhos.Pra uma mulher é muito mais difícil superar essa situação, ainda mais quando se sofre calada como no meu caso, não partilhei com ninguém e ao me distanciar e dizer ao meu ex que não o amava mais, sofri ainda muito mais. Fui taxada de puta e safada, pois diziam que eu estava traindo ele, e o que eu estava fazendo com ele era uma puta sacanagem. Puta sacanagem era eu sofrer calada e ainda ser julgada por pessoas que poderiam ajudar mas me julgaram apenas. Depois de alguns anos, todos ficaram sabendo o que realmente aconteceu e acredito que o remorço corrói essas pessoas que me julgaram na época. Hoje, prossigo meus trabalhos, minhas parcerias e se alguém se propõe a se relacionar comigo, tem que respeitar tudo isso e ter amor próprio! O respeito é de ambas as partes, a acredito no sucesso de parcerias lado a lado, homens e mulheres e que podemos nos ajudar sem julgamentos! Muita luz!” Rosy – Vocalista na Sonjaluz
“(…) O meu golpe fatal só foi possível ser concluído com sucesso porque eu sou uma mulher de grande estatura: tenho 1,75 de altura; então, certas coisas, pra mim, tornam-se mais fáceis. Mas agora, e as mulheres que não são altas como eu, como fazem? Levam a porrada e ficam por isso mesmo? Ou não entram em mosh justamente pra evitar esse tipo de situação? Isso que eu nem mencionei o fato de ter muito marmanjão se aproveitando do “empurra-empurra” pra passar a mão nas mulheres. PRA QUE FAZER ISSO? P.R.A Q.U.E? O que me deixa um pouco feliz – e de certa forma aliviada – é que se a menina não der conta de se “vingar”, o cara ao lado toma as nossas dores e se vinga pela gente. E os stage dives? Ah, isso é outra (des)graça. Para muitos homens (não todos, que fique BEM CLARO), mulher dando stage dive é sinônimo de “acaricie tudo o que quiser, inclusive meus órgãos internos, caso consiga”. Sério, causam-se náuseas saber que ainda existe esse tipo de comportamento n’um espaço em que a liberdade de expressão deveria imperar. Todos nós sabemos que, ao entrar num mosh pit, riscos INVOLUNTÁRIOS existem; você está sujeito a tomar uma porrada forte, está sujeito a escorregar e cair, está sujeito a sair com algumas equimoses; todas, de forma INVOLUNTÁRIAS. Então, pra que estragar com a brincadeira e fazer essas coisas? No metal, a postura conservadora sempre foi algo que dominou o meio. Ainda bem que isso tem mudado (à passos de tartaruga, mas tem). Nós, mulheres headbangers, precisamos lutar contra este cenário sexista do metal. Cada dia que passa, vejo mais e mais bandas defendendo a inclusão/participação de mulheres na cena underground; derrubando por terra a ideia de que metal é “coisas pra homem”. Então, respondendo à pergunta inicial do texto: Lugar de mulher é no mosh SIM! Metal é coisa pra mulher SIM! E se reclamar, comandamos o wall of death também.” Thabata Solazzo – Administradora d’O Subsolo
“Eu demorei um pouquinho pra conhecer o underground de verdade, ainda mais pra fazer parte da cena. E, pra ser sincera, não era como eu esperava. A minha introdução à esse meio começou com um relacionamento abusivo, logo de cara. Mas, como eu era muito nova, achava isso normal. Até começar a ver coisas e me sentir confusa. Esse meu antigo namorado, era conhecido por ser super agressivo. Isso fazia dele popular também. Comecei à ir em shows locais por causa dele. Fiquei muito confusa quando ele me contou a história de um de seus amigos. Um pai, que não assumiu a filha. E que ele jura, até hoje, que acha isso errado e absurdo. Mas, mesmo assim, continua amigo do mesmo. E o que mais me deixava confusa, era que sendo amigo da mãe, sabendo por tudo o que ela passa, continuava passando a mão na cabeça do sujeito. Eu não entendia como as coisas funcionavam por lá ainda, eu era a mais nova. Mas, parecia ser a mais inteligente. Não entrava na minha cabeça como o meu namorado podia chamar um cara desse de “brother”, dar risada junto. E o maior problema, é que não era só ele. Todo mundo sabia da situação. Teve uma filha fora do relacionamento. A mãe, e a namorada — ou noiva, não sei direito — , frequentavam o mesmo ambiente, os mesmos shows. Nenhuma das duas se falava. A filha fora do casamento nasceu com uma doença rara, e pelo que sei, até hoje não recebe apoio algum. Ninguém parecia ter compaixão com a situação da mãe. Entretanto, todo mundo era amigo do cara violento que traiu a namorada e não assumiu a filha. O hardcore, que prega coisas tão boas, que luta contra o machismo, que prega o PMA (positive mental attitude), se fez de cego e surdo. Meu relacionamento abusivo não durou muito, ainda bem. Eu continuei indo à shows, mas a grande parte deixou de falar comigo assim que meu relacionamento terminou. Afinal, eu me fiz de vitima, não havia relacionamento abusivo. O rapaz, era uma boa pessoa, é claro. Sempre assim. É muito complicado ser mulher, e nova no ambiente. Só por ser mulher, sua palavra nunca é levada à sério. Não faz muito tempo, eu sai com um outro cara. Bem mais velho, e enquanto ele me levava na casa, o assunto “Feminismo” foi abordado. Eu morava em outro estado, não conhecia muito sobre a cena local. Ele me disse, em tom de brincadeira: “Você pode perguntar em qualquer grupo de hardcore feminista sobre mim, elas vão ter algo ruim pra dizer”. E eu fiz, na mesma hora. E, pra minha surpresa, não foi diferente. O que mais me deixou chocada, foi ele parecer ter orgulho disso. Um tempo depois disso ter acontecido, nos encontramos num show. Eu estava com amigos, alguns amigos em comum também. E ele me disse “Se eu soubesse que você era da cena, nunca teria ficado com você”, eu questionei, querendo não entender o que ele dizia. Mas, era exatamente o que eu tinha entendido. Ele não queria se envolver com nenhuma mulher da “cena”, por achar que todas só estavam ali pra chamar atenção de homens, que não curtiam a música de verdade, e que era tudo aparência. Acho que não nos falamos desde então. É feito pouco caso da mulher na cena, uma das únicas formas de ser ouvida de verdade, é se você fizer parte do grupo masculino, onde você também vê as mulheres na música como algo inferior. Eu sou produtora musical, faço Engenharia de Som e, mais vezes do que gostaria, no meio de uma conversa, quando um homem fala de algum instrumento, fala sobre algum equipamento, ou até mesmo uma banda, eles tentam me explicar, como se não fosse normal que entendêssemos de tal assunto. É muito fácil ter uma banda, ir à shows, falar na internet o quanto você apoia as mulheres no hardcore, no underground, enquanto você trai a sua namorada, vaza nude das meninas que estão no mesmo meio que você, e tem um grupinho no whatsapp só pra isso. Como aconteceu no meu último relacionamento. Apoiar a cena e as mulheres nela, era só pela internet. Só pra se enturmar, ganhar atenção e pagar de bom moço. O underground, que une pessoas, que tem uma energia tão boa e prega coisas maravilhosas, continua silenciando a mulher, continua duvidando dela. Eu acho que é um dos lugares mais sexistas que ainda existe.” Clara Fernandes
“Creio que o cenário do rock/metal está sim contaminado pelo machismo, pois isso vem impregnado em nossa cultura, independente do contexto. É claro que o público que frequenta o underground se diferencia da maior parte da sociedade em vários aspectos. Muitas pessoas desse meio lutam contra todas as formas de preconceito e opressão. Temos bandas como Violator que trazem essas temáticas em músicas e em seus discursos. Mas a cena não está livre de conviver com demonstrações de machismo e do conservadorismo em geral. Hoje a participação das mulheres na cena underground não é mais de “namorada do cara da banda”, cada vez mais as mulheres estão frequentando shows e festivais com intuito de curtir o som, beber cerveja e bater cabeça. Inclusive as mulheres estão conquistando espaço também nos palcos, como é o caso da banda Nervosa formada só por mulheres que tocam tão bem quanto homens. Sendo assim, nada mais justo do que proporcionar às mulheres um espaço democrático e seguro. Eu frequento shows e festivais da cena underground. Um problema constante é quando eu tenho vontade de conhecer os integrantes das bandas que eu curto. Muitas vezes o fato de uma mulher ir ao encontro deles “parece” que ela está “dando mole” pros caras. No meu caso, eu gosto de conversar, expor o quanto eu curto a banda, discutir um pouco sobre música, comprar o material, talvez pegar alguns autógrafos no CD ou tirar uma foto. Mas muitos se aproveitam disso para dar cantadas, ou, na pior das hipóteses, passar a mão quando vão cumprimentar. Eu costumo pedir pro meu namorado me acompanhar nessas situações, ou se percebo que os caras da banda estão alcoolizados eu nem me aproximo para não passar constrangimentos. Eu curto Metal Extremo e adoraria poder participar de moshs, mas sou muito pequena, então nunca me arrisquei por medo de levar uma surra. Moshs de show de metal são muito violentos. Eu acho que as pessoas poderiam ser menos agressivas, dessa forma poderiam favorecer a participação de mulheres mais “fraquinhas” nos moshs e também evitaria que as pessoas se machucassem. Acho que a intenção do mosh não é bater nos outros e sim descarregar as energias e curtir o som interagindo com a galera de maneira saudável. Apesar de tudo, acho que cada vez mais o cenário underground está se adequando à participação feminina. Eu tenho mais medo de andar sozinha na rua do que andar sozinha em um festival. Percebo que a maioria dos homens que frequenta o underground respeita as mulheres e isso me faz sentir muito à vontade nesse meio.” Jordana Aguiar – Redatora d’O Subsolo
Às mulheres leitoras do nosso blog: todo apoio e solidariedade à vocês, afinal de contas: este Subsolo é nosso!
“O pré conceito e o machismo muitas vezes existem, antes mesmo de você imaginá-lo em tais situações. Eles caminham lado a lado, porque foram enraizados e perpetuados até os dias atuais. Parece contraditório meu relato a partir dessa linha, mas particularmente sempre tive grandes parceiros e ao subir no palco sempre tive apoio antes, durante e depois dos meus shows. Trabalho com oficinas, projetos culturais, produção de eventos e minha banda rodeadas de homens e grandes amigos e parceiros profissionais que me apoiam e respeitam meu trabalho, não por eu ser mulher somente, mas pelo meu profissionalismo e seriedade em tudo que faço. Mas a vida não é um mar de rosas não é; pelos caminhos encontramos espinhos e tempos nublados que machucam e abrem feridas que nunca mais vão cicatrizar. Os preconceitos e machismos que vivi nasceram dentro de minha própria casa, o que me apunhalou o coração mais ainda, fui chamada de puta, vagabunda, maloqueira, irresponsável , drogada por apenas gostar de rock, rap e usar boné, calça larga, andar com amigos skatistas. Tive também relacionamentos que me causaram grandes desconfortos por não respeitarem meus trabalhos e parcerias masculinas, indagaram minhas roupas por serem algumas curtas, se incomodaram com meu visual por chamar a atenção das pessoas nas ruas, questionaram minha ausência muitas vezes, falta de tempo. Mas uma relação me colocou numa situação de desespero , grandes conflitos e numa condição de “prisão”. Após o show é meu dever cumprimentar os fãs, é o mínimo que eu consigo fazer para retribuir o carinho, a dedicação de cada um e cada uma para estar ali prestigiando nosso trabalho, mas meu ex namorado na época acreditava que as pessoas que iam me abraçar era pra “tirar uma casquinha” rs, “me dar mole”, que os homens me olhavam com desejo, etc… então começou a me olhar de longe, ficar chateado, desconfiar, o ciúmes foi só aumentando e tomando uma proporção á ponto de desconfiar de grandes amigos que trabalhavam comigo, a chorar e dizer que eu não o amava toda vez que ia embora pra minha casa, tentou acabar com a própria vida varias vezes e junto muita pressão psicológica que mesmo o amando disse que não o amava pra ele viver e não se matar ou até mesmo tentar contra minha própria vida. O que eu passei, nenhuma palavra, frase , texto ou depoimento que eu dê a vocês mensura a infelicidade que senti em meu coração, junto as lagrimas derramadas com a dor de minha alma. Mas me sinto vitoriosa, uma guerreira por ter superado ao longo dos anos e proporcionado ao meu ex rever sua vida e compreender longe de mim, que eu não era a vida dele, que eu não era seu sol, que eu não era seu tudo e que eu fiz uma escolha de vida e que essa escolha requer de mim doar um pouco do meu eu ás pessoas que acompanham meus caminhos, meus trabalhos.Pra uma mulher é muito mais difícil superar essa situação, ainda mais quando se sofre calada como no meu caso, não partilhei com ninguém e ao me distanciar e dizer ao meu ex que não o amava mais, sofri ainda muito mais. Fui taxada de puta e safada, pois diziam que eu estava traindo ele, e o que eu estava fazendo com ele era uma puta sacanagem. Puta sacanagem era eu sofrer calada e ainda ser julgada por pessoas que poderiam ajudar mas me julgaram apenas. Depois de alguns anos, todos ficaram sabendo o que realmente aconteceu e acredito que o remorço corrói essas pessoas que me julgaram na época. Hoje, prossigo meus trabalhos, minhas parcerias e se alguém se propõe a se relacionar comigo, tem que respeitar tudo isso e ter amor próprio! O respeito é de ambas as partes, a acredito no sucesso de parcerias lado a lado, homens e mulheres e que podemos nos ajudar sem julgamentos! Muita luz!” Rosy – Vocalista na Sonjaluz
“(…) O meu golpe fatal só foi possível ser concluído com sucesso porque eu sou uma mulher de grande estatura: tenho 1,75 de altura; então, certas coisas, pra mim, tornam-se mais fáceis. Mas agora, e as mulheres que não são altas como eu, como fazem? Levam a porrada e ficam por isso mesmo? Ou não entram em mosh justamente pra evitar esse tipo de situação? Isso que eu nem mencionei o fato de ter muito marmanjão se aproveitando do “empurra-empurra” pra passar a mão nas mulheres. PRA QUE FAZER ISSO? P.R.A Q.U.E? O que me deixa um pouco feliz – e de certa forma aliviada – é que se a menina não der conta de se “vingar”, o cara ao lado toma as nossas dores e se vinga pela gente. E os stage dives? Ah, isso é outra (des)graça. Para muitos homens (não todos, que fique BEM CLARO), mulher dando stage dive é sinônimo de “acaricie tudo o que quiser, inclusive meus órgãos internos, caso consiga”. Sério, causam-se náuseas saber que ainda existe esse tipo de comportamento n’um espaço em que a liberdade de expressão deveria imperar. Todos nós sabemos que, ao entrar num mosh pit, riscos INVOLUNTÁRIOS existem; você está sujeito a tomar uma porrada forte, está sujeito a escorregar e cair, está sujeito a sair com algumas equimoses; todas, de forma INVOLUNTÁRIAS. Então, pra que estragar com a brincadeira e fazer essas coisas? No metal, a postura conservadora sempre foi algo que dominou o meio. Ainda bem que isso tem mudado (à passos de tartaruga, mas tem). Nós, mulheres headbangers, precisamos lutar contra este cenário sexista do metal. Cada dia que passa, vejo mais e mais bandas defendendo a inclusão/participação de mulheres na cena underground; derrubando por terra a ideia de que metal é “coisas pra homem”. Então, respondendo à pergunta inicial do texto: Lugar de mulher é no mosh SIM! Metal é coisa pra mulher SIM! E se reclamar, comandamos o wall of death também.” Thabata Solazzo – Administradora d’O Subsolo
“Eu demorei um pouquinho pra conhecer o underground de verdade, ainda mais pra fazer parte da cena. E, pra ser sincera, não era como eu esperava. A minha introdução à esse meio começou com um relacionamento abusivo, logo de cara. Mas, como eu era muito nova, achava isso normal. Até começar a ver coisas e me sentir confusa. Esse meu antigo namorado, era conhecido por ser super agressivo. Isso fazia dele popular também. Comecei à ir em shows locais por causa dele. Fiquei muito confusa quando ele me contou a história de um de seus amigos. Um pai, que não assumiu a filha. E que ele jura, até hoje, que acha isso errado e absurdo. Mas, mesmo assim, continua amigo do mesmo. E o que mais me deixava confusa, era que sendo amigo da mãe, sabendo por tudo o que ela passa, continuava passando a mão na cabeça do sujeito. Eu não entendia como as coisas funcionavam por lá ainda, eu era a mais nova. Mas, parecia ser a mais inteligente. Não entrava na minha cabeça como o meu namorado podia chamar um cara desse de “brother”, dar risada junto. E o maior problema, é que não era só ele. Todo mundo sabia da situação. Teve uma filha fora do relacionamento. A mãe, e a namorada — ou noiva, não sei direito — , frequentavam o mesmo ambiente, os mesmos shows. Nenhuma das duas se falava. A filha fora do casamento nasceu com uma doença rara, e pelo que sei, até hoje não recebe apoio algum. Ninguém parecia ter compaixão com a situação da mãe. Entretanto, todo mundo era amigo do cara violento que traiu a namorada e não assumiu a filha. O hardcore, que prega coisas tão boas, que luta contra o machismo, que prega o PMA (positive mental attitude), se fez de cego e surdo. Meu relacionamento abusivo não durou muito, ainda bem. Eu continuei indo à shows, mas a grande parte deixou de falar comigo assim que meu relacionamento terminou. Afinal, eu me fiz de vitima, não havia relacionamento abusivo. O rapaz, era uma boa pessoa, é claro. Sempre assim. É muito complicado ser mulher, e nova no ambiente. Só por ser mulher, sua palavra nunca é levada à sério. Não faz muito tempo, eu sai com um outro cara. Bem mais velho, e enquanto ele me levava na casa, o assunto “Feminismo” foi abordado. Eu morava em outro estado, não conhecia muito sobre a cena local. Ele me disse, em tom de brincadeira: “Você pode perguntar em qualquer grupo de hardcore feminista sobre mim, elas vão ter algo ruim pra dizer”. E eu fiz, na mesma hora. E, pra minha surpresa, não foi diferente. O que mais me deixou chocada, foi ele parecer ter orgulho disso. Um tempo depois disso ter acontecido, nos encontramos num show. Eu estava com amigos, alguns amigos em comum também. E ele me disse “Se eu soubesse que você era da cena, nunca teria ficado com você”, eu questionei, querendo não entender o que ele dizia. Mas, era exatamente o que eu tinha entendido. Ele não queria se envolver com nenhuma mulher da “cena”, por achar que todas só estavam ali pra chamar atenção de homens, que não curtiam a música de verdade, e que era tudo aparência. Acho que não nos falamos desde então. É feito pouco caso da mulher na cena, uma das únicas formas de ser ouvida de verdade, é se você fizer parte do grupo masculino, onde você também vê as mulheres na música como algo inferior. Eu sou produtora musical, faço Engenharia de Som e, mais vezes do que gostaria, no meio de uma conversa, quando um homem fala de algum instrumento, fala sobre algum equipamento, ou até mesmo uma banda, eles tentam me explicar, como se não fosse normal que entendêssemos de tal assunto. É muito fácil ter uma banda, ir à shows, falar na internet o quanto você apoia as mulheres no hardcore, no underground, enquanto você trai a sua namorada, vaza nude das meninas que estão no mesmo meio que você, e tem um grupinho no whatsapp só pra isso. Como aconteceu no meu último relacionamento. Apoiar a cena e as mulheres nela, era só pela internet. Só pra se enturmar, ganhar atenção e pagar de bom moço. O underground, que une pessoas, que tem uma energia tão boa e prega coisas maravilhosas, continua silenciando a mulher, continua duvidando dela. Eu acho que é um dos lugares mais sexistas que ainda existe.” Clara Fernandes
“Creio que o cenário do rock/metal está sim contaminado pelo machismo, pois isso vem impregnado em nossa cultura, independente do contexto. É claro que o público que frequenta o underground se diferencia da maior parte da sociedade em vários aspectos. Muitas pessoas desse meio lutam contra todas as formas de preconceito e opressão. Temos bandas como Violator que trazem essas temáticas em músicas e em seus discursos. Mas a cena não está livre de conviver com demonstrações de machismo e do conservadorismo em geral. Hoje a participação das mulheres na cena underground não é mais de “namorada do cara da banda”, cada vez mais as mulheres estão frequentando shows e festivais com intuito de curtir o som, beber cerveja e bater cabeça. Inclusive as mulheres estão conquistando espaço também nos palcos, como é o caso da banda Nervosa formada só por mulheres que tocam tão bem quanto homens. Sendo assim, nada mais justo do que proporcionar às mulheres um espaço democrático e seguro. Eu frequento shows e festivais da cena underground. Um problema constante é quando eu tenho vontade de conhecer os integrantes das bandas que eu curto. Muitas vezes o fato de uma mulher ir ao encontro deles “parece” que ela está “dando mole” pros caras. No meu caso, eu gosto de conversar, expor o quanto eu curto a banda, discutir um pouco sobre música, comprar o material, talvez pegar alguns autógrafos no CD ou tirar uma foto. Mas muitos se aproveitam disso para dar cantadas, ou, na pior das hipóteses, passar a mão quando vão cumprimentar. Eu costumo pedir pro meu namorado me acompanhar nessas situações, ou se percebo que os caras da banda estão alcoolizados eu nem me aproximo para não passar constrangimentos. Eu curto Metal Extremo e adoraria poder participar de moshs, mas sou muito pequena, então nunca me arrisquei por medo de levar uma surra. Moshs de show de metal são muito violentos. Eu acho que as pessoas poderiam ser menos agressivas, dessa forma poderiam favorecer a participação de mulheres mais “fraquinhas” nos moshs e também evitaria que as pessoas se machucassem. Acho que a intenção do mosh não é bater nos outros e sim descarregar as energias e curtir o som interagindo com a galera de maneira saudável. Apesar de tudo, acho que cada vez mais o cenário underground está se adequando à participação feminina. Eu tenho mais medo de andar sozinha na rua do que andar sozinha em um festival. Percebo que a maioria dos homens que frequenta o underground respeita as mulheres e isso me faz sentir muito à vontade nesse meio.” Jordana Aguiar – Redatora d’O Subsolo
Às mulheres leitoras do nosso blog: todo apoio e solidariedade à vocês, afinal de contas: este Subsolo é nosso!